Achei esse tópico bastante interessante e compreendi que existem pontos de vista diferentes entre as pessoas aqui, e me parece que muitas não compreenderam o ponto de vista dos outros, porque estão falando dentro de suas próprias esferas, o que me remete ao próprio assunto desse tópico, que acho que pode ser sintetizado em quanto se consegue compreender do outro, do que o outro quer dizer.
Creio que há que se separar que tipo de trabalho você faz, por mais que isso possa parecer estranho, mas o fato é que a grande pergunta sobre o aspecto crítico da fotografia, me parece, ao menos, é que se ela tem como proposta ser uma obra de arte. Veja bem, não é nem de longe a mesma coisa se falar sobre um trabalho técnico do que se falar de arte. Todas as críticas devem ser ouvidas? Sim e não. Há que se haver um filtro, claro, nem todas são válidas. E se se preocupar com o que o outro faria, se todas as especificações técnicas do que seria correto, se a luz é boa, se isso ou aquilo, é válido sim para quem quer ser um profissional no ramo, se quer um trabalho perfeito técnicamente. Aí sim, creio que essas preocupações são válidas. Agora se você está falando de arte, isso é algo completamente diferente. Arte não é algo que deva ser perfeito técnicamente. Existem obras de arte perfeitas técnicamente, mas creio que todas elas em seu tempo procuraram mostrar algo mais do que uma obra perfeita técnicamente. A obra de arte sim é um discurso tirânico do artista, é a subjetividade dele, o olhar dele sobre algo, é isso que a retira do lugar comum para um "posto" de obra de arte. Se você é um profissional, você é um cara que sim lida com o gosto do público, das massas, você sim deve ter um trabalho perfeito técnicamente, deve agradar aos outros, principalmente quem estiver te pagando para isso. Ou se por outro lado, você faz uma obra porque quer fazer algo perfeito de fácil gostar para ser elogiado, aí sim você precisa se preocupar com o que os outros vão gostar, aí você faz um trabalho para agradar aos outros.
Em todos os casos, críticas, boas ou ruins, são sempre construtivas, ensinam algo, pelo menos da forma como os outros lêem as coisas. Se vai se levar em conta a crítica ou não, aí são outros quinhentos. Daí, vai o filtro pessoal.
De qualquer modo, o caso do artista é completamente diferente, não estou dizendo que seja um cara egocêntrico (num sentido ruim do termo) que só vai se preocupar com ele mesmo e fazer algo só para ele, é claro que o artista se preocupa com o que os outros vão ver, mas não creio que seja do mesmo jeito que o profissional técnico. Enquanto o profissional técnico está preocupado em agradar, o artista me parece mais preocupado em mostrar um determinado olhar sobre algo que pode agradar ou não, ser compreendido ou não. É aí que reside a preocupação do artista, do que ele quer mostrar, do que ele vê, não se os outros vão aplaudí-lo de pé, embora isso seja sempre desejado e ninguém pode negar. Mas muito difícil mesmo, até mesmo porque se formos analisar bem os grandes gênios, grandes artistas não são exatamente aqueles que têm um trabalho perfeito técnicamente, eles podem até ter isso, mas são mais que isso, são o que têm algo diferente, a famosa idiossincrasia, são o que rompem com o padrão, com o comum que qualquer um pode fazer, são o que realmente têm algo diferente para mostrar e que pode nos tocar de alguma forma.
Além disso, o desarmônico é importante sim, mas isso é uma concepção pessoal, baseadas em várias convicções sobre o mundo atual. Só que nem todo mundo sabe "usar" o desarmônico e nem sempre se quer usá-lo. Só que em determinadas obras, ele é tão fundamental que se pode dizer que é a própria obra, a própra razão desta existir. Como uma novela, há de se ter um conflito no meio que possa ser arranjado no final.
Fotos de flores, por exemplo, com toda certeza são as mais fáceis de fazer e ficarem lindas, a própria flor é uma representação de senso comum de beleza. O que mais vemos é foto de flor, flor em todos os lugares, eu mesma adoro fotografar flores. Mas o que difere fulano de beltrano em relação à foto da flor??? Ah, todas perfeitas técnicamente, ou uma mais do que outra, não importa, o que vai fazer com que você se lembre daquela pessoa por causa daquela foto de flor. É um retrato simplesmente de algo, ou o artista imprimiu naquela foto sua idiossincrasia? Ele mostrou algo diferente, ele teve um olhar diferente? Há alguma singularidade naquela flor que permita ser lembrada? Acho que aí reside o artista. Veja, passei há um tempo um link de fotos de uma artista espanhola. Há fotos lá, entre muitas outras dignas de nota, de árvores de galhos secos que ela chama de nus. Não são nus no sentido só de galhos nus, há nus nos retorcidos dos galhos, no ângulo que ela pegou, que ela viu. Olhe bem para aquelas fotos, além de serem completamente diferentes do pasteurizado, do mais comum, você verá algo mais, um olhar singular e acho que essa é a grande beleza da fotografia de forma geral, a de permitir não só gravar memórias, como a de mostrar o que você viu ali, como você viu aquilo ali.
Sobre formação para entender uma obra, acho novamente que sim e que não. A obra em si é aberta para o público geral. A pessoa precisar ser formada para gostar de algo é um pensamento comum largamente publicado, mas acho realmente uma bobagem, uma pretensão, e algo totalmente artificial, como toda generalização, é absurda. Embora concorde que para a grande massa, a maioria que não teve uma educação um pouco melhor, seja difícil compreender a singularidade, a beleza de determinada obra. Concordo, existe sim cultura de massa, o pasteurizado fácil de gostar da era da reprodutibilidade técnica. Mas há sim pessoas que sem a menor "formação" são capazes de entender aquela obra e apreciá-la, ou não, porque mais que tudo uma obra de arte é algo que conversa com nosso íntimo, com a alma das pessoas. O que ocorre é que nossos ouvidos e olhos atualmente estão destreinados, não temos tempo para sermos reflexivos, introspectivos, conversar com uma obra de arte. Acho que a formação é um clique, um despertar para aquilo na cabeça da pessoa, ajuda, mas não é essencial. Além disso, uma pessoa não formada pode gostar mesmo não tendo todo o conhecimento técnico e teórico, a história da arte, etc para compreender porque aquilo é singular, mas pode perceber que é singular de alguma forma. Entretanto, uma pessoa que gosta somente porque conhece toda a história da arte e sabe que aquilo é singular, é um gostar diferente, técnico, quase matemático. E nem acredito que porque a pessoa é "formada" para aquilo que deva gostar daquilo, num sentido "sou muito cabeça para gostar de cultura de massa" ou pior "só quem gosta de arte é o homem superior culto", ou pior ainda "porque sou culto só posso gostar de algo erudito chamado, dito culto", o que novamente é outra pasteurização. Se olhar bem, estão novamente dizendo a você o que pensar e gostar. Não estou dizendo que seja o caso de ninguém aqui, pelo amor de deus, mas é que é a coisa que mais vi acontecer com as pessoas. Quando estava no mestrado, por exemplo, a coisa que mais me entediava eram pessoas que não conseguiam pensar por si mesmas, só sabiam repetir pensamentos dos outros, dos reconhecidos pensadores, repetiam técnica e teoria, mas não sabiam inovar, criar, pensar por si, nem aplicar aqueles pensamentos e relacioná-los. Não era novamente uma pasteurização? Alguém disse que aquele cara era bom e você acredita e repete o que ele diz, gosta do que ele diz. Mas não há exatamente uma reflexão profunda sobre o que ele falou, não há um diálogo entre o seu eu subjetivo e a subjetividade exposta daquele pensador. Não é um concordar com reflexão, veja bem, existia para aquelas pessoas uma diferença, a maioria não estava concordando e repetindo porque tinha refletido, mas sim porque tinham dito que era legal pensar aquilo, que a teoria era aquela. Daí a pessoa não conseguia aplicar aquele pensamento, dialogar com si mesma e com outros fatos. Simplesmente não conseguia pensar por si mesma. E é o que ocorre com a maioria absoluta das pessoas, aliás posso dizer até que com todos nós, em muitos ou poucos momentos de nossa vida, só vai variar mesmo a capacidade que podemos ter de pensarmos por nós, termos "auto-crítica" e uma crítica dos outros bem fundamentada num diálogo das subjetividades, isso sim acredito que seja uma crítica bem-feita.
Beijinhos