Meu diferencial ..
Meu diferencial anda perdido, sem rumo sem mapa e sem GPS. Tento encontrá-lo, em cada quina da minha foto, em cada canto do meu cérebro, lá no fundo do coração ... não sei não sei ... Talvez eu seja qualquer um – é, eu sou qualquer um - apenas mais uma merda boiando no oceano. Esgoto e lixo. O normal. O banal. É isso o que'eu sou.
Meu diferencial é lavar pratos! É ser pobre. É ter vontade de comer uma pizza e ficar só na vontade. Ser pobre por ser honesto demais. Pra que me tornar um fotógrafo profissional? Sinceramente?! – eu não recomendaria a merda do meu trabalho pra ninguém. Esse é o meu diferencial. E por ser diferente, por querer diferente, me misturei a massa, vago entre ela, e é por isso você não percebe a diferença, e me toma como sendo mais um igual aos seus vizinhos fracassados, a todos os sujeitos cabisbaixos que você vê passando na rua, os zumbis vagando nos shoppings segurando sacolas olhando vitrines. Isso é o que me torna diferente dos outros fotógrafos – ou melhor, me torna diferente DOS fotógrafos. Fotógrafos são ricos! Fotógrafos são famosos, felizes! Dão Workshop, são chiques, pop, cult. Eu sou só um covarde segurando uma câmera. Eu não sou fotógrafo.
Ser vegetariano é meu diferencial. Ter pelo no sovaco é meu diferencial. Ter uma unha torta, uma cicatriz na barriga, apanhar de vara quando criança, e comer goiaba no pé, e jogar girino no asfalto só pra ver os carros passando por cima deles e me arrepender amargamente disso 10 anos depois. E nessa mesma época, sair caçando passarinho com estilingue junto com o meu primo, mas a gente nunca acertava. Até que teve um dia que a gente acertou. Ficamos extasiados! – até se deparar com o bicho caído no chão, o pássaro se contorcendo sangrando pela boca, pelos olhos. Choramos feito crianças - como crianças que nós éramos. Entramos em desespero. Tentamos salvá-lo mas foi tudo em vão. Só nos restou enterra-lo em um caixão feito com caixa de papelão, coberto com flores que nascem no mato, e uma cruz de gravetos e orações de perdão.
Meu diferencial são meus olhos melancólicos, meu cabelo caindo aos 25, dormir às 3h da madrugada porque meus pensamentos não cessam não cessam não cessam, e pra onde eu vou? Aonde vai parar isso tudo? Eu vou morrer incompreendido por Deus e por meus pais, vagando solitário na beira da estrada, morrendo de frio num canto da rua, me masturbando num quarto vagabundo de cortiço com paredes encardidas e janelas remendadas com fita durex, e serei só mais uma manchete, mais um número nas estatísticas. Minha vida, minha história? Quem se importa? Quem se importará?
Perceber que eu não era dono do mundo, nem da vida nem do tempo. Que eu não era tão talentoso como imaginava, que não era tão inteligente como supunha, nem tão bom e bondoso como acreditei ser um dia.
Mas o maior, o maior de todos eles, esse é meu coração partido porra! É ter amado alguém verdadeiramente e verdadeiramente ter sofrido por ele. Esse é o meu maior diferencial, o maior de todos eles. Nunca mais ver a mulher que você tanto amou um dia, nunca mais ter ouvido a sua voz, nem mesmo ao telefone, ter esquecido o tom, ter esquecido o perfume, o gosto, e não saber mais nada dela, casada solteira com filhos, se está viva ou morta embora eu já esteja morto há muito. Juras de amor apagadas pelo espaço e pelo tempo, e tudo o que sobrou foram migalhas sopradas por ai carregadas pelo vento. Sem fotos sem recordações. Um fotógrafo sem sua fotografia mais valiosa. Do que adianta?! O mundo vai continuar seguindo sem essas preocupações. Mas eu vou, eu vou, e é isso que me torna diferente. Esse é o meu diferencial.
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Ah . . . e gosto de ler nos finais de semana .. é bom