carlos e amigos,
essa remoção do polegar direito na sala escura é famosa... e, pro que pode hj a tecnologia, muito tosca mesmo
aqui um raro registro do original:
http://blog.corbis.com/wp-content/uploads/2011/12/23845u1.jpgmas note que, a despeito disso, essa é uma das fotos mais emblemáticas da história. isso é uma lição e tanto pra nós, qdo nos preocupamos demais com formalismos técnicos e abstraímos de analisar o conteúdo subjetivo, que é o de fato importa.
devo dizer que gosto muito dessa série da dorothea lange. não só pq firmou as bases da chamada fotografia documental, mas tb pelas referências que ela ao mesmo tempo possui e desperta. a foto que escolhi é a melhor composta e de maior impacto de toda a série - tanto que se tornou uma representação do próprio momento histórico da depressão de 30.
o que mais me chama atenção nela, à parte a forte denúncia social, é a forma como lange organizou os elementos numa composição triangular, com a figura principal ao mesmo tempo ocupando base e ápice do triângulo.
além disso, entendo que muito da força ali está em sugerir um arquétipo da arte que se repete através dos séculos e movimentos artísticos, e que encontra na foto de lange um representante que facilmente captura o observador (e talvez mesmo inconscientemente, aos que não o percebem de imediato): a representação da madonna.
o diferencial é que temos aqui uma madonna abstraída, com o olhar distante. com os sulcos na testa, as rugas no rosto e as feições marcados pela miséria. a mão no maxilar sugere-me alguma ansiedade, ainda que todo o resto sinalize desesperança. os filhos maiores, de costas para o fotógrafo, acrescentam dramaticidade à composição, como se fosse toda ela uma alegoria do vazio e da incerteza.
há os que observam na mãe migrante de lange exatamente o oposto: altivez, força de espírito, orgulho. ou por tudo isso reunido, dignidade.
não li em nenhum lugar, nem mesmo na ótima antologia de lange pela aperture, mas a mim ficou desde sempre a impressão de que havia outra referência, além da madonna, na cabeça dela qdo compôs sua foto mais famosa.
seja pq ambas são fotografias de uma madonna em comiseração miserável, seja pq ambas traduzem um contexto social e local muito próprio, seja pq ambas são absolutamente memoráveis e históricas. de fato, uma e outra são monumentos marcantes de seu tempo (e da fotografia, como F maiúsculo).
refiro-me a "as rastejadoras" (ou "the crawlers"), da série "streets of life", de john thomson, da londres de 1877. a quem interessar, a série original e quase completa pode ser vista no museum of london, nas galerias de arte fotográfica do século XIX.
a foto mais emblemática da série é esta:
crawlers_thomson2há uma nítida semelhança entre uma e outra, em muito mais que só a pose típica da madonna, não acham?
PS: caro carlos, recomendo-te e a quem mais possa interessar, o melhor livro sobre dorothea lange, da editora aperture (a foto na capa dele é minha preferida da autora):
http://www.amazon.com/Dorothea-Lange-Photographs-Lifetime-Monograph/dp/0893818356