Tenho me deparado com esses questionamentos agora que comecei a "lecionar". Tenho pensado muito em como transmitir para os outros aquilo que faço. A verdade é que quanto mais pessoal é o seu trabalho, menos reprodutível ele se torna. Vejo muitos fotógrafos preocupados em nao serem copiados. No meu ponto de vista, a cópia só acontece quando você trabalha com joguetes racionais. O campo da percepçao nao é possivel de ser copiado. Entao o que posso fazer para transmitir aquilo que faço é apontar caminhos, refletir sobre as coisas que eu acho que me ajudaram a chegar na minha forma de fazer a minha fotografia. Eu acho que isso é bem diferente do que o mundo das artes enxerga como originalidade. Vou dar um exemplo pessoal...muitas pessoas dizem que minhas fotos parecem com as da Sally Mann. Eu considero um elogio e fico feliz em saber que os meus resultados estéticos se assemelham com uma fotografia que aprecio. Provavelmente ficaria insatisfeito se me falassem que minhas fotos se parecem com as da Anne guedes . Bem, apesar de certa semelhança, nao percebo o meu trabalho como uma copia do trabalho dela. Seria impossível copiá-la. E alem disso, minhas motivações internas sao diferentes das dela. Portanto, para mim é essa diferença de essência que faz com que a nossa fotografia seja distinta. O mesmo acontece com o frances Alain Laboile. Ja vi muita gente comparando a obra dele com as dela ou até mesmo com as minhas fotos. As pessoas costumam se apegar somente aquilo que é estampado na frente delas, ou seja, crianças livres na natureza, sendo que o que se passa internamente na vida, na cabeça, no corpo de cada um é bem diferente e é o que importa. A Sally Mann tem um lado poético indescritivel. Vejo muita poesia nas fotos dela. Vejo seu encantamento pela poética da morte mesmo nas fotos de sua família. Vejo muita intuição e uma percepção muito pouco tangível em muitas de suas fotos. É o abandono da racionalização das coisas. O Laboile já tem um senso de composição extremamente apurado. Tem um lado humorístico muito forte e uma obra mais apegada a razão. Ou seja, mudam as pessoas, muda-se a obra. Provavelmente o campo da arte (falo da alta arte, que vende copias por milhares de reais) nao irá "adotar"o Laboile por ser contemporâneo a Sally Mann e por trazer em sua capa os mesmos conceitos...infância livre, nudez infantil, natureza, etc. Para a arte, o Laboile nao é original. Portanto, enquanto a Sally Mann está guardando algumas de suas copias para ter uma aposentadoria confortável, o Laboile terá que conviver com a sombra dela, mesmo tendo uma fotografia bastante distinta. É assim que a arte seleciona e descarta as pessoas, pela capa. Bem, nao sou nenhum especialista no assunto mas é o que me parece que acontece.
Esse artigo do Rodrigo é bem interessante e fala sobre essa questão da glamourizacao da originalidade
E esse aqui fala sobre o papel, de certa forma, "secundário" da obra e a valorização do artista e de seus conflitos: https://medium.com/@costalara/por-que-o-terry-richardson-%C3%A9-importante-242dc4f6951d
Eh exatamente isso. A originalidade esta no pessoal. E ninguem eh exatamente igual a ninguem. Quando a obra eh sincera e apurada ela eh original.
Por isso eu insistentemente recomendo tentar entender Heidegger. Acho que a filosofia dele explica melhor do que ninguem sobre o que eh arte, como ela acontece e o que ela significa no aspecto puramente artistico.
O mundo da "alta arte" tem mais a ver com investimento financeiro do que com arte. O mundo da Alta arte eh a principal fonte de lavagem de dinheiro de fortunas, por exemplo. Mas o que torna algo colecionavel e atrativo nesse mundo eh o potencial de valorizacao financeiro da obra no futuro.
E essa valorizacao eh meramente dependente do reconhecimento de quem rege tal mundo. A Sally Mann vem de uma universidade de artes, com contatos entre professores e demais pessoas com certa influencia. Fora a midia em vidro que ela usa que torna a obra mais "diferente". Mas principalmente o conceito sobre a morte, o fim, a materialidade do corpo e da vida bem clara e consistente durante os anos e criacoes dela. E para finalizar, a vantagem de nao ter ninguem ou ninguem importante com quem as pessoas digam que a obra dela parece com. E principalmente a atencao que ela recebeu com o livro das filhas nuas e o processo, trazendo muitas pessoas da comunidade artistica para o lado dela. Uma vez que alguem de nome nesse mundo coloca a sua obra na aparede dele, o seu nome ja comeca a ganha pedigree.
Ja o Frances que vc cita, apesar da qualidade, originalidade, etc... nao tem tais vantagens tao forte quanto a Sally Mann teve, apesar da popularidade dele nas midias sociais. Se eu nao me engano ele eh escultor e o forte dele esta na escultura. Mas talvez eu esteja confundindo com outro.
Outro que eu tambem insisto em recomendar eh Ways of Seeing documentario de John Berger produzido pela BBC e publicado em livro tambem. A,bos igualmente muito bom. E ele explica justamente como eh esse mundo da "Alta arte".
https://www.youtube.com/watch?v=0pDE4VX_9KkNo final das contas, arte nao eh um objeto que chama a atencao (seja pela novidade, pela raridade, pela qualidade tecnica, pela popularidade). Arte eh uma maneira de ser ou interpretar a sua propria percepcao do ser, refletida em algo que da tremendo prazer e sendido a pessoa. O que tambem nao significa que sejamos obrigados a admirar toda arte, mas somente as que nos interessa de alguma forma, assim como o mundo da alta arte faz.