Bem, Julio, vamos tentar ir em frente...
Quero que você saiba eu não pretender dar qualquer resposta cabal à questão, mas somente elaborar melhor a ignorância que não é minha nem sua, mas fundamental, essencial ao ser humano e que abrange sobre tudo o que interessa de fato. O homem nada sabe, mas comporta-se como se soubesse tudo. Nós aqui somente poderemos, em meu entendimento, explorar melhor esse território do não-saber.
Fotógrafos que me cercam e eu admiro? Digo logo que não vou citar nenhum colega de fórum, embora haja aqui também, mas iniciaria um processo de citações circulares prejudicial ao debate. Quanto aos outros, externos, bem seria mais fácil se todos eles tivessem página na rede. Um é o Emmanuel Valle Bitttencourt, fotógrafo de Belo Horizonte. Eu o conheci no antigo Mundo Fotográfico, não este fórum que tem o mesmo nome, mas um site que houve, com outras pessoas à sua frente, onde há pouco mais de três anos alguns fotografadores mostravam suas fotos uns para os outros. É até difícil falar assim, coisa de três anos, pois nesses três anos a fotografia na rede ganhou uma dinâmica extraordinária e pulou de sites pequenos, com 300 ou 1000 participantes como aquele (acho que nos últimos tempos havia pouco mais de 1000 pessoas, 300 quando eu entrei) para essa dimensão atual. Mas não havia ali, como não há nos fóruns, hierarquia ou sinais distintivos de excelência a não ser as fotos mesmas de cada um. As do Emmanuel chamaram minha atenção desde logo. Era diferentes das outras, tantas das outras meras estetizações. Eram humanas, falavam do interior de Minas Gerais, depunham de uma maneira mineira sobre a vida mineira, e assim mostravam uma verdade que me atingia, me encantava. Até hoje correspondo-me com ele e fascinado por sua fotografia durante mais de um ano esforcei-me para compreender sua abordagem técnica/estética, pois a mensagem, a estética e a técnica são interligada nas boas fotografias, somente distinguíveis para efeito de análise. O Emmanuel tem uma forma muito interessante e tridimensional de captura, com ele aprendi muito sobre o uso das Grande Angulares, e emerge da sua fotografia aquela verdade somente possível quando somos tão universais quanto mais estamos ligado à nossa aldeia.
Outro que admiro e muito, e cujas fotografias também servem de tema para pensamento é o Álvaro Vilela, fotógrafo baiano com quem também tive contado através da rede. Esse tem página Multiply, e recomendo especialmente as séries dele
Cuba dos Cubanos e
A Natureza do Homem no Raso da Catarina. Não falarei mais sobre ele porque as fotos falam sozinhas.
E ao apontar esses dois, descrevendo o Emmanuel, dando o endereço das fotos do Álvaro, na verdade já estou indicando algo. Em ambos há uma relato de certas verdades que os cercam, do mundo em sua volta, e esse relato não é de natureza midiática, louvativa, mas uma espécie de co-padecimento, uma espécie de relato compassivo, de "sentir junto".
Esse sentir junto, isso é um núcleo de afeto, uma estrada de identificação. As fotografias feitas assim são envelopes onde dentro delas está mais que a estética, está essa tradução da vida particular -e cada vida particular é um mirante para a existência. Se eu tivesse de buscar em alguma coisa o que me agrada nas fotografias, isso seria o núcleo principal. Aliás, identifico isso também nas fotos do Bresson, do Salgado. Não são fotos de fora, são fotos de dentro.
Uma outra suposição necessária a partir do dito acima é acreditar haver nessas imagens capacidade de impartir ao observado um sentir semelhante, uma aproximação à maneira como o fotógrafo experimentou a circunstância da fotografia, aquilo que ele viu nela de excepcional, mesmo sendo por vezes uma cena aparentemente banal.
Não pretendendo citar muita coisa, nem podendo lhe oferecer a bibliografia mencionada por você, citaria aqui as poéticas do Bachelard como importantes para ancorarem um entendimento racional dessa intersubjetividade possibilitadora de sermos sensíveis ao depoimento de outra pessoa. Basicamente na vida em comum há um núcleo de experiências afins e sobre essas experiências afins cresce um universo de representações mais ou menos estruturadas, que podem ser uma cor e o que ela nos desperta, e podem ser uma palavra altamente rígida em seu significado, como "cadeira" ou "não". Cadeira remete a uma experiência subjetiva de cadeiras, e por isso, mais do que por podermos tolamente criar uma definição de cadeira, por estar apoiada em uma experiência pessoal de diversas, infinitas cadeiras já vistas e usadas em nossa vida, a palavra cadeira ressoa em nós com significado. Como todos experimentamos "cadeiras", e todos mostramos uns aos outros que "aquilo" é cadeira, o termo para esse compartilhar é intersubjetividade.
Mas, fora dessa significação algo rígida, a foto de uma janela acesa de uma casa perdida no meio da chuva nos lembra o aconchego de uma sala, assim como a foto de alguém relaxadamente fotografado nos lembra os sentimentos que temos a respeito dos entes queridos em paz e, porque não, nós mesmos. Tudo ressoa, tudo reverbera.
A fotografia é em certo aspecto esse jogo de reverberações mais do que uma técnica. Nossas fotos pessoais podem reverberar em outros quando elas evocam nesses outros vivências análogas. Não é a pessoa retratada, mas algo nela e na maneira de descrevê-la.
Creio ser dessa fonte a origem da capacidade de nossas fotografias pessoais, ou de nossas fotografias felizes interessarem a mais alguém. Elas interessam por evocarem no observador as experiências de felicidade correlatas, e assim são felizes para além de nosso afeto familiar pelo retratado.
Grande abraço,
Ivan