O CROIX falou algo interessante:
Uma das coisas mais interessante eh ouvir narrativas de obras visuais historicas, o que envolve fatores historicos, culturais, biografico ate mesmo economico e social, tudo para explicar e entender o ambiente e motivo que se deu a foto e o que ela representa no contexto dela...
...e nao no contexto da tela de seu computador conectado a internet cheio de abas e propaganda, tendo o seu lar e seus bens em sua volta, e querem julgar uma obra descontextualizada como se fosse uma mera imagen com apenas valores esteticos para serem apreciados.
Para entender a importância de Bresson na fotografia, é preciso compreender o contexto em que ele vivia. E no fim, é esse contexto que nos ajuda a entender porque Bresson é um Bresson.
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Aqui vai uma rápida "biografia", com alguns detalhes que você certamente não encontrará na Wikipédia
Os pais de Bresson era donos de uma fábrica têxtil nas proximidades de Paris. Desde cedo Bresson teve contato com as artes. Seu tio foi uma das suas primeiras influências. Logo depois teve aulas com Andre Lhote, que embora também pintasse, era mais reconhecido pelo seu trabalho como professor e critico do que como pintor. Foi com ele que Bresson teve contato com a proporção aúrea. Lhote dava muito valor a composição na pintura. Bresson gostava muito da arte, estudava pintura e queria ser pintor. Certamente Bresson não se imaginava fotógrafo nessa época.
Vivendo em Paris, Bresson teve contato com todos aqueles intelectuais da época. Conviveu com vários artistas, conheceu muitas pessoas que se tornariam artistas influentes. Paris era o centro cultural do mundo na época. Dali surgiram muitos movimentos artísticos. O Surrealismo exerceu forte influência sobre Bresson - e não necessariamente o surrealismo dos quadros, dos pintores, mas a proposta de Surrealismo feita pelo escritor André Breton. Pois certamente Breton estava cansado daquela vida cheia de regras e norma impostas pela sociedade, lhe dizendo como você deveria viver sua vida, fazendo com que as pessoas sempre se censurassem sobre os seus desejos. Era uma busca por viver uma vida mais vívida e intensa.
VIDA
Certamente era pela vida que Bresson se interessava.
Mas como eu havia dito, a fotografia até então não era a prioridade para Bresson.
Certamente motivado pelos livros que leu, Bresson resolveu viver uma aventura na África, vivendo como caçador (e ele muitas vezes irá traçar comparações entre a sua aventura como caçador e sua atividade como fotógrafo).
Durante essa temporada, Bresson fez algumas fotografias, das quais não conseguiu aproveitar muita coisa, já que a umidade "destruiu" todo o seu trabalho. Talvez ele nem se importasse afinal.
Ao fim do primeiro ano, Bresson fica doente, e resolve voltar para a França. Ele fica internado em uma cidade do sul da França, e nesse momento que ele se depara com a fotografia de Martin Munkacsi dos três meninos negros correndo em direção ao mar. A fotografia que faria Bresson querer abandonar os pincéis e se dedicar a fotografia. O que Bresson viu ali? Certamente a VIDA. A VIDA ETERNIZADA.
Se me lembro bem, foi por volta de 1932 que Bresson e um amigo resolvem comprar um carro velho para viajar pela Europa. Bresson certamente estava interessado em muitas coisas. É interessante notar o equipamento que ele escolheu para a sua empreitada - a Leica. Pois na época, o filme de 35mm certamente era encarado com muitos poréns pelos fotógrafos profissionais. Era um formato muito pequeno, o qual não oferecia, segundo os fotógrafos da época, qualidade suficiente.
Mas para Bresson, a Leica era perfeita. Ela era pequena, leve, fácil de transportar, lhe permitia uma agilidade nos movimentos que certamente uma câmera de Médio ou Grande formato não poderiam lhe oferecer. E para capturar a vida é necessário agilidade, pois ela pode não esperar você.
Certamente Bresson estava muito interessado na vida simples e cotidiana. Direcionou suas lentes para o cotidiano, para as cenas de rua, para as pessoas normais. Não para os reis, não para as paisagens paradísicas perdidas em algum canto do mundo. Certamente esses temas não eram do seu interesse.
Interessante notar o fato de que nesse momento Bresson não era um fotógrafo profissional. Era ainda um jovem amante das artes querendo experimentar o mundo. Tinha ele aqui por volta dos 25 anos.
Pesquisem pelas fotografias de Bresson no Google e percebam que muitas das suas fotografias mais conhecidas fazem parte dessa primeira fase, quando ele ainda fotografava de forma descompromissada e "livre". A foto da bicicleta, a famosa fotografia do sujeito pulando a poça da água, e tantas outras, são todas feitas no inicio de sua carreira, e não ao fim dela. Tudo o que for próximo a 1932 pertence a essa fase.
Enfim..
Depois Bresson viajou para o México, e depois para os Estados Unidos, onde conheceu o fotógrafo (se não me engano) Paul Strand. Foi com ele que Bresson teve contato com os filme e documentários, e foi também nesse momento que ele achou que a fotografia já não conseguia dar conta da sua visão de mundo. Bresson queria ser cineasta.
A partir daqui, me confundo um pouco nos fatos, mas lembro-me que Bresson voltou para a França, fez um portfólio com as imagens que produziu e foi atrás de algum diretor francês para que lhe dessem uma oportunidade. Quem lhe deu a oportunidade foi Jean Renoir, filho do famoso pintor impressionista Pierre-Auguste Renoir, que contratou Bresson para ser seu assistente. Aliás, Bresson também atuou em dois filmes, como figurante. Renoir acreditava que era importante que sua equipe soubesse como era estar na frente das câmeras. Suas aparições foram rápidas, claro, mas o suficiente para que alguns criticos puxa sacos atribuíssem a profissão de "ator" como sendo mais uma entre tantas outras habilidades.
Mas com o tempo, percebeu que o cinema não era para ele. Queria fazer algo mais ... "real". Decidiu ser documentarista. Fez alguns documentários aliás, dos quais pouca gente ouviu falar, e certamente não impressionaram o mundo, e é bem provável que muitos fotógrafos nem saibam desse fato.
Sinceramente falando??
Não creio que até esse momento Bresson desfrutasse de grande reconhecimento. Ele tinha realizado só 2 exposições em algumas galerias (que alias eu já cheguei a pesquisar mas não encontrei nada sobre elas). Certamente a influência de Bresson se limitava a uma pequena "elite" e ao seu ciclo de amigos. O mundo, ouso dizer, até aquele momento não sabia quem era Henri Cartier-Bresson.
Mas veja só como são as coisas.
Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, Bresson se alista no exercito Francês. Ele futuramente é capturado e feito prisioneiro de guerra. Tentou fugir três vezes, mas só na última obteve sucesso. Começou a fotografar para a resistência e para alguns jornais parisienses.
Mas o que acho mais interessante é que em 1946/7 o MoMA realiza uma exposição "póstuma" em sua homenagem. Tudo levava a crer que Bresson não havia sobrevivido a guerra, mas ele estava vivo e muito vivo. Tanto que quando ficou sabendo da exposição que seria realizada em sua homenagem, ele não demorou a pegar um avião com destino a Nova York e ajudar na organização de sua exposição.
(Talvez eu esteja falando besteira mas, preciso reler novamente a biografia dele. Mas é bem provável que na época, alguns dos organizadores desta exposição já tinham conhecido Bresson pessoalmente de outra época. E isso é um fato importante a se considerar)
Minha opinião?
Certamente esse foi um "momento decisivo" em sua carreira.
Não creio que até aquele momento Bresson tivesse uma carreira consistente. Ele havia feito várias coisas, se dedicado a várias atividades além da fotografia. Todo o seu trabalho fotográfico mais relevante até o momento tinha sido realizado em um pequeno espaço de tempo entre 1932 - 1934 e logo após o fim da Segunda Guerra. E em 1947 lá está ele, indo direto para as paredes do MoMA, a maior e mais influente instituição dedicada a arte do lado de cá do Atlântico.
Porque não o Louvre de Paris, cidade natal do fotógrafo?
Certamente não foi por mero acaso.
Além do mais, nessa época, Paris deixava de ser o centro cultural do mundo. Depois de da Segunda Guerra Mundial, Nova York se tornaria o centro do mundo. E Bresson estava lá.
1947 - Bresson tinha então 39 anos.
No mesmo ano é fundada a Magnum. Detalhe: segundo o livro "O Século Moderno", Bresson não se encontrava no almoço em que foi discutida a criação da Magnum. De qualquer forma, ele é considerado um dos fundadores da Magnum.
Bresson então é deslocado para a Ásia e vai fotografar algum dos maiores eventos do século, como o funeral de Gandhi (evento esse que fez com que Bresson atingisse reconhecimento internacional), a Revolução Chinesa (ele viria a fotografar a China anos depois, registrando as transformações ocorridas no país após a revolução), fotografaria também a vida na União Soviética, numa época em que poucos sabiam o que se passava naquela nação (ele foi o primeiro fotógrafo ocidental a fotografar o país). Em 1952 seria publicado seu livro com o título de 'Images à La Sauvette', o qual foi incluído um texto de Cartier-Bresson contando um pouco do seu modo de fotografar (texto esse que foi escrito a contra gosto aliás). Esse livro receberia, nos Estados Unidos, o título de 'The Decisive Moment'.
Em 1975 Bresson considerou que já tinha dito tudo o que poderia ter dito com a fotografia e então passou a dedicar-se ao desenho.
Se me perguntarem, afinal, o que faz de Bresson um Bresson, eu diria:
- Bresson nasceu em uma família RICA, que lhe permitiu vivenciar muitas coisas. Morando em Paris, viveu toda aquela efervescência cultural. Pode estudar e se dedicar as estudos, comprar livros, tintas, almoçar em restaurantes, viajar para a Africa, comprar um câmera, viajar pela Europa. Ele teve uma segurança que certamente muitos de nós nunca tivemos.
- Foi uma época favorável aos fotojornalistas - afinal, a televisão praticamente não existia, e as pessoas conheciam e ficavam sabendo do mundo através de revistas como a LIFE (uma das revistas mais vendidas de todos os tempos) Harper's Bazar e Vougue (revistas voltadas ao público feminino, e que atingiam um público bem abrangente - e que muitas vezes levavam Bresson a fotografar assuntos "menos nobres") e os inúmeros jornais e publicações ao redor do mundo.
- Ele tinha CONTATOS. Muitos!!! Teve a oportunidade de conhecer todos, ou quase todos, artistas e intelectuais de sua época. Conheceu Capa e vários outros fotógrafos muito antes de começar a trabalhar como fotojornalista. (p.s. Foi Capa aliás que o aconselhou a se tornar um fotojornalista. Capa disse a Bresson que se ele se considerasse um fotógrafo surrealista, logo seria esquecido, mas que o fotojornalismo lhe permitiria fotografar o que quisesse). Algumas pessoas podem até considerar que o talento é algo importante para um artista - mas certamente que talento sem contatos não significa muita coisa.
- Pensem: Se você resolve abrir uma empresa de fotografia de casamentos, e esteja precisando de alguns assistentes, é muito mais provável que você contrate alguns amigos ou conhecidos do que uma pessoa totalmente desconhecida. Se você abrir uma galeria, ou for chamado a organizar uma exposição afim de apresentar "Os Novos Talentos da Fotografia Brasileira', as chances de expor o trabalho de um artista talentoso que você desconhece são menores do que o de expor o trabalho de um artista mediano que você conhece. Digo isso pensando na exposição do MoMA dedicada a Bresson em 1947.
- Depois ter suas fotografias expostas em um dos mais influentes museus do planeta, depois de fazer parte de uma agência de fotografias pioneira, de ter fotografado eventos da magnitude que fotografou (os quais tantos outros não tiveram a oportunidade de fotografar), depois de lançar um livro que seria muito aclamado pela crítica, quem ousaria questionar Henri Cartier-Bresson?
Eu já pesquisei bastante coisa sobre ele, e poucos críticos ou pesquisadores ousaram questionar sua autoridade. Todas as pesquisas são feitas para idolatrar e ressaltar ainda mais a genialidade do fotógrafo. O mundo entrou em automático - é o efeito manada. Aliás, quem é você para criticar o olhar do século XX seu fotógrafo novato que não conhece nada?!! Faça melhor antes de criticar!!
- Definitivamente as fotografias da primeira fase de Bresson são as minhas preferidas. Ele soube explorar as potencialidades que a Leica oferecia. Enquanto outros fotógrafos ainda estavam interessados em fotografia de médio e grande formato por causa da qualidade, ele aproveitou a liberdade que seu equipamento possibilitava para registrar cenas de uma forma que poucos fotógrafos tinham feito até então. Ele voltou suas lentes para o povo, não para os poderosos. Para as coisas simples, não para os castelos.
Enfim ..
Eu considero que sua fama tem muito mais haver com o contexto do que com os seu talento. Não que Bresson fosse alguém desprovido de talento, mas, certamente se fosse outro fotógrafo a ocupar seu lugar na Magnum, dificilmente estaríamos falando dele nesse momento.
Além do mais, só para deixar claro que não considero que talento tenha haver com foco cravado, exposição correta, horizonte alinhado, boa composição, etc. Tudo isso pode atrair nossos olhos num primeiro momento, e certamente comprova que o fotógrafo em questão possuí competência. Mas saber operar uma câmera e flashs não significa que você tenha talento. Não considero que habilidade técnica seja o que faz um fotógrafo se destacar entre os demais, nem mesmo composição. Eu particularmente adoro os fotógrafos William Eggleston, Stephen Shore, Luigi Ghirri, Antoine D'Agata principalmente. Fotógrafos que muita gente desconhece e considera suas fotografias feias e mal feitas, mas que me fazem sentir algo que Bresson não consegue me fazer sentir. E embora eu goste muito das fotografias da sua primeira fase, não posso apontar uma fotografia de Bresson que realmente me toque, me comova de fato e me faça pensar. De todo modo, não deixo de reconhecer sua importância e sua influência.
Enfim, tudo vai depender de um contexto, que muitas vezes fogem do próprio controle do fotógrafo.
E, mais uma vez, faço mais uma observação:
Qual o melhor video game? Atari, Snes, Mega Drive, PS1, PS2?
Qual o melhor desenho? Caverna do Dragão, Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball, Naruto?
Sei que essas perguntas parecem idiotas mas, certamente, se você é da mesma época que a minha, é bem provável que você não tenha deixado de gostar do Snes, mesmo com os gráficos ultrarrealistas do PS4.
Eu passei minha infância chegando da escola e assistindo Dragon Ball Z durante o almoço. Mas eu poderia citar também Tom e Jerry, Pica-Pau e tantos outros que fizeram parte da minha infância e sinto carinho enorme.
Agora, pode ser difícil para um adolescente de 14 anos entender afinal, o que tem de bom em um Atari, ou um nintendinho ou Mega Drive. Dificilmente um adolescente irá ver graça Caverna do Dragão ou Dragon Ball (meu irmão aliás nunca assistiu e faz cara feia quando eu digo pra ele assistir).
Esses dias fiquei reparando que fico ouvindo a trilha sonora do Medal of Honor, e eu gosto muito dela. Em compensação, embora muitos falem de Mozart, ou de Bach, eu quase não os ouço, e confesso que prefiro ouvir a trilha sonora do Medal of Honor do que os clássicos eruditos. Por alguma razão eu consigo "entender" essas músicas de forma que com as mais antigas não consigo. E talvez o problema aqui não sejam os compositores, mas eu que desconheço a história da música.
Os amigos, colegas e demais pessoas que Cartier-Bresson conheceu ao longo de sua carreira foram fundamentais para o seu reconhecimento como fotógrafo. Mas isso não significa que suas fotos não possuíam beleza ou que não comoviam as pessoas. É difícil para nós hoje compreender os efeitos que a fotografia de Bresson exercia sobre as pessoas.
É como o CROIX também lembrou:
...e nao no contexto da tela de seu computador conectado a internet cheio de abas e propaganda, tendo o seu lar e seus bens em sua volta, e querem julgar uma obra descontextualizada como se fosse uma mera imagen com apenas valores esteticos para serem apreciados.
Hoje nós já não vemos mais fotografias como elas eram vistas antigamente. Ver uma fotografia pela tela do computador ou celular em uma época de internet não é a mesma coisa que ver fotografias em revista em uma época sem televisão, sem computadores e internet.
Enfim..
Cansei..
Não digo mais nada..
Ainda farei um canal no Youtube só para contar essas histórias..
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