Texto que publiquei hoje no meu
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Como psicólogo, fico um tanto impressionado com a questão da identidade pessoal. Sem entrar muito em nenhuma teoria mais complexa, vendo identidade apenas como aquilo que vemos e pensamos de nós mesmos. O que me impressiona é a freqüência com que recorremos ao consumo, e aos materiais consumidos, para compor nossa identidade.
Já sabemos como essas coisas funcionam. Uma mulher pode pagar milhares de reais para poder ostentar uma bolsa Luis Vuitton, um homem pode fazer o mesmo para vestir um terno Armani. Mesmo um adolescente se presta facilmente de outdoor ambulante, ao vestir com orgulho uma camiseta com uma determinada marca, ou com o nome de uma banda.
Mas vamos nos restringir à fotografia, que tem sido o objeto de discussão nesse espaço. Não me chama atenção o fato das pessoas terem suas câmeras, gostarem delas e tudo mais. O que me impressiona é p fato das pessoas defenderem as marcas que usam como se fosse parte de si mesmos. É comum que se definam como usuários de determinada marca, como se aquilo fosse, de fato, um definidor de sua identidade. Muito disso é feito em tom de brincadeira. No entanto, é uma brincadeira tão freqüente que fica evidente que as pessoas realmente se preocupam demais com isso.
Nos fóruns, pode-se até xingar a mãe do outro, mas isso não será visto como uma ofensa tão mortal quanto falar mal da cãmera alheia — alguns têm até regras contra isso ou salas específicas para esse tipo de "brincadeira". As assinaturas geralmente contêm o equipamento que se utiliza. Ok, considera-se que seja útil saber como a pessoa faz suas fotos (outro ponto questionável, mas que não abordarei agora), mas o fato é que a assinatura nos identifica perante a comunidade e somos identificados pelo que temos, não pelo que pensamos ou fazemos.
Já vi pessoas relembrando sua trajetória fotográfica. Dez por cento falam sobre a forma como sua visão e sua concepção da fotografia foi mudando, olhando de perto sua produção em suas características, congruências e dissonâncias. Os outros noventa por cento dizem: comecei com uma câmera X, passei para a máquina Y, tudo mudou quando adquiri a lente Z, agora busco um equipamento N. É claro que a fotografia de uma pessoa pode mudar muito em função do equipamento, mas a questão é se o equipamento se submete às necessidades da fotografia ou a fotografia se submete às necessidades de se ter um equipamento.
Vejo que se troca de câmera muito rapidamente (para felicidade dos fabricantes, que além de terem defensores ferrenhos de suas marcas, têm consumidores para qualquer bugiganga nova que lançam no mercado), mas são poucos os casos em que se extrai o máximo do equipamento e aí percebe-se que com um diferente se pode fazer mais. Curiosamente, percebo que a troca faz mais sentido entre os que têm equipamentos simples, muito limitados, e querem mais possibilidades, do que entre os que têm equipamentos médios e de ponta, que na prática fazem a mesma coisa.
Há algumas pessoas, no entanto, fazendo um movimento muito interessante de auto-limitação, ao dispensar a tecnologia e fotografar com lentes manuais, lentes fixas, câmeras compactas, ou até mesmo voltando a usar o filme. Não que esse seja o único caminho, mas mostra que existe também uma preocupação com a fotografia, e não com o como se faz, que inevitavelmente cai na supervalorização da máquina.
Numa sociedade que valoriza muito o consumo, deslumbra-se com a ostentação e é tão desigual como a nossa, identificar-se com o que se possui serve como uma luva. Caímos muito facilmente na armadilha publicitária de que somos o que consumimos e, para sermos mais e melhores, devemos consumir mais e melhor. Entretanto, para aqueles que gostam de fotografia (fotografia mesmo), a frase de
Ralph Gibson diz tudo: "Hoje, basicamente ando pelo mundo só com uma câmera, uma lente 50 mm e muitos filmes. Acho que é só disso que precisamos."