Respeitar o próximo. Faça ao próximo o que gostaria que fizessem por você. Meu respeito começa quando o do outro termina.
Cresci ouvindo estas frases, desenvolvi empatia, assistia muito He-man, no final dos episódios, tinha sempre uma moral da história, li muito quando criança, entendia toda essa teoria de amar o próximo, entretanto, na vida real, o buraco era sempre mais embaixo.
Hoje me sinto um trouxa, mesmo conformado em ser um doutrinado, aceito minha ideologia de que o cooperativismo é melhor que a competitividade, embora, certas situações faça com que nós devemos ter outras atitudes diante de certas situações.
Alienado em meu mundo utópico, onde as pessoas se respeitam e seguem determinadas regras de convivência, vira e mexe, aparecem exceções as premissas básicas de comportamento em sociedade, confesso que é necessário conhecer as regras para poder quebra-las, principalmente diante certas circunstâncias onde o caos impera.
Dia destes, as 4:00 da manhã ou madrugada, somos acordados por um barulho ensurdecedor, meu filho assustado chora desesperado, minha filha em prantos, corre do seu quarto para o nosso, atordoados, parecia o fim do mundo, sem saber exatamente a origem do barulho infernal, vou até a garagem, e escuto novamente o ruído demoniaco aumentando, abro o portão, e vejo algumas motos acelerando, competindo, e percebo que é delas a origem do estrondo que nos acordou, escapamento aberto, logo, outros vizinhos saem de suas casas.
Tento conversar com alguns motoqueiros, sou ignorado por completo, meu vizinho chama a polícia, pasmo, me informa que não tem viaturas para este tipo de ocorrência no momento, cachorros latem desesperados, crianças choram e os arruaceiros riem da situação...
— Por que estão fazendo isso? Pergunto, estão assustando as pessoas! Ele ri, gargalha e diz:
— Ah seus velhos de merda, nóis curte barulho, nóis arregaça memu, ceis divia é morre, ceis i essas criançada fila da puta, vai toma é no cú, coroa do caraio! Percebo que o cidadão está "trincado" (louco de pó), encanado, volto para dentro de casa, ele chuta o portão, me ameaça, fala que vai moer minha família e que eu tô é fudido, nisso, vejo que um dos garotos motoqueiros é um conhecido do bairro, que me olha com vergonha e começam a ir embora, nisso, já era por volta das 05:00 da manhã.
As 07:30 chega uma viatura, com má vontade, os policiais questionam o acontecido e dizem que se quiser podemos fazer um B.O, lhes dou as imagens das placas das motos, ele nem anota e diz como devo proceder.
Procedo como dito, saio da delegacia as 10:00, vou trabalhar e dou o dia por encerrado.
A noite, quebrado e cansado, vou dormir lá pelas 21:00, as 23:00 minha esposa me acorda dizendo que alguem chutou o portão com muita força, desnorteado vou ver quem foi, pelo barulho das motos sem escapamento, me dou conta que são os mesmos, peço para que ela ligue para a PM, enquanto isso vou lá fora ver qual é, antes de abrir o portão, pego uma escada e vejo por cima do muro entre as folhagens da árvore da calçada, que são os mesmos motoqueiros do dia anterior, e pelo que pude constatar, são menores, pois lá estavam eles fazendo toda essa anarquia, outra vez, só que com mais empenho, fotografo algumas placas.
Os vizinhos desta vez ignoram, com medo, ninguém sai, nem eu, vou lidar com isso do meu modo.
Dia seguinte, entrego os números das placas a um despachante conhecido meu, com o endereço dos responsáveis, consigo saber onde ir.
Penso por alguns dias e decido o que fazer.
Crio um pérfil falso em uma rede social, com meus conhecimentos de Photoshop, crio uma menina motoqueira e dentro de uma semana já tenho mais de 200 seguidores, sua maioria homens, logo, começo a seguir meu "amigo" do escapamento aberto e a partir daí meu plano começa a dar certo.
Como a garotada hoje é rápida e não perde tempo, em menos de uma semana ele me chama para dar um "rolê", digo que sou tímida e lhe passo um local reservado, a isca funciona.
É impressionante como essa garotada é idiota, ele topou, sem ao menos averiguar, deve ser comum trepar sem ao menos perguntar o nome, mas enfim, bom pra mim, ele chega com sua moto barulhenta, o local é um beco escuro, deixo uma manequim de costas no beco e me escondo em uma fresta entre os muros e a lixeira gigante.
Enquanto ele chega por trás deste, eu vou por trás dele, dou um mata leão e faço ele dormir, o levo para um local isolado, bem longe da cidade, zona rural.
Ele acorda, está amarrado, vendado de bruços em uma cadeira, atado a cadeira, tenta se livrar, mas não consegue, essas braçadeiras de nylon são excelentes, utilizei corda de algodão também, só para garantir.
Ao lado de sua cabeça, está a moto dele, bem ao lado do seu ouvido, o escapamento aberto, ele grita, xinga, tenta se libertar por vários minutos, passa uma hora, cansado, ele desiste, seus pulsos e articulações devem estar doloridos, bom, agora é minha deixa.
Com o capacete dele e capuz de motoqueiro para manter meu anonimato, ligo a moto, já equipado com os protetores de ouvido, começo a acelerar, bem devagar, logo, começo a puxar a manopla para trás, até "esguelar" (até o final) e seguro, o barulho é forte, mesmo com os protetores, aquilo é uma sinfonia para destruir timpanos.
O choro dele e o barulho da moto se misturam, seus gritos de misericordia são abafados pelo ronco ensurdecedor do escapamento, logo, ele desmaia.
Assim que acorda, repito o processo, até que me canso disso, e o coloco para dormir outra vez.
Deixo ele e sua moto em uma rodovia e vou embora, após essa atitude, curiosamente, o incidente com as motos na rua de casa nunca mais se repetiu, isso me custou dores nas costas, carrega-lo comprimiu meus discos das vértebras lombares, o preço foi pago com algum tempo de dor e pilates, mas confesso, fiquei com aquele sentimento de ter protegido os meus e valeu cada segundo.
Se tenho pena do garoto? Nenhuma, se sou pior que ele? Quem sabe, mas uma coisa posso dizer, a lei é linda, mas sua eficácia é questionável, será que ele ficará traumatizado com isso? Não me importo nem um pouco! Mas posso dizer que o tesão dele por acelerar motos na madrugada perturbando a paz alheia deve ter diminuido, e muito.
E foda-se o natal.