Desde 1994 eu frequentemente visito as paisagens do local geológico conhecido como “aparados da serra”, que é a aparente ruptura entre os continentes sulamericano e africano, aqui no sul do Brasil, notadamente visível nos paredões e cânions que compõem esse lugar, resultado da divisão dos continentes e todas as intempéries planetárias que agem desde a 150 milhões de anos para criar o cenário atual.
Essa serra aparada se dá desde o nordeste do Rio Grande, entre o município de Tainhas ( RS ) e Praia Grande ( SC ), e vai no sentido norte até entre os municípios de Bom Retiro e Alfredo Wagner ( SC ). Quase metade do conjunto geológico compreende a divisa entre RS ( alto da serra ) e SC ( planícies ), passando a ser totalmente catarinense a partir de Bom Jardim da serra ( alto da serra ).
Mais precisamente a 4 anos, a convite de um conhecido, hoje amigo, viemos percorrendo as diversas gargantas, cânions, escarpas, planaltos e montanhas dos Aparados, além das pesquisas e estudos sobre a geografia, biologia e história do lugar, em busca de conhecer e registrar esse cenário único no planeta, e compilarmos esse conteúdo em dois livros impressos ( um sobre a formação no RS e outro sobre ela em SC ), um projeto totalmente novo para ambos, difícil, trabalhoso, complexo e que ainda possui muitos desafios que nem sabemos como vamos desbravar. Por se tratar de um livro técnico, com dados oficiais e tudo mais, não há margem para erros, já que é o primeiro livro especificamente sobre esse lugar, então a responsabilidade é grande, e confesso: assusta!
O conteúdo está sendo escrito por Douglas Hecher, idealizador do projeto e quem me convidou para participar, me deixando a cargo das imagens e design gráfico, layouts e estilo.
Estamos na reta final em se tratando de reunir conteúdos para iniciar a diagramação do primeiro livro, e nessa postagem gostaria de compartilhar uma pequena fagulha de toda essa empreitada ( mais coisas da nossa busca ou making off ), como disse, ainda muito nova e experimental para nós.
Até aqui foram 12 incursões, sendo a maioria delas cada uma de 48 horas in loco, muitas atravessando diversos cânions. Testemunhamos de tudo: calor, secura, chuvas, tempestades, fortes nevoeiros, frios insuportáveis e muito, muito vento. Para se ter uma ideia, na última incursão, em maio desse ano, no ponto onde estivemos os meteorologistas registraram rajadas de até 130 km/h.
Cada expedição foi aproveitada ao máximo dentro do que o clima permitiu, restando pouco tempo para descansos, sono ou descontração, priorizando silhuetas, astros e estrelas a noite, paisagens e grandes cenas nas luzes laterais ( amanhecer/anoitecer ) e detalhes com luz a pino ou difusa ( nublado/escuro ).
Ainda há muito a ser feito, mas podemos dizer que agora o projeto já começa não só a ter cara, mas também corpo.
Então aqui vai um pouco dos bastidores e também algumas imagens.
Araucária desgarrada da floresta no início nos campos que circundam o pico Monte Negro, local mais alto do RS com 1.403 m, antes de um amanhecer estupidamente gelado. São José dos Ausentes - RS.
Formações do cânion da Coxilha com o topo do Monte Negro ao centro ( formato baú coberto de mata ) em uma tarde onde a “viração” ( fenômeno em que o ar quente das planícies sobe os penhascos e em contraste com o ar frio se condensa, formando nuvens ) começa a se formar. São José dos Ausentes - RS.
Travessia entre platôs da serra do Realengo. São José dos Ausentes - RS.
Acampamento no cânon do Realengo, como o pico Realengo ao fundo ( lembra um submarino ) e as luzes do município de Criciúma nas planícies de serra abaixo. Em muitos locais de borda de serra houve a tentativa de cultivo de reflorestamento de pinus, porém nas proximidades dos peraus o solo raso e pedregoso, aliado ao clima severo, não permitiram que essa espécie “vingasse”. Ficam lá, abandonados, em muitos pontos todos crescem inclinados por causa do vento muito forte ( não é o caso da foto ). São José dos Ausentes - RS.
Borda em frente a Pedra da Catedral praticamente tomada pela viração, na primeira tentativa ( maio de 2018 ) fomos surpreendidos por uma virada de tempo que se antecipou, trazendo tempestades e uma chuva que ficou. Tivemos que abortar a missão. São José dos Ausentes - RS.
Fim de uma noite de lua minguante no cânion Encerra, também conhecido como “Amola-facas” pelos diversos penhascos estreitos que avançam em direção ao abismo. Ao fundo, atrás da outra borda, espia o pico Realengo. São José dos Ausentes - RS.
As águas de uma cachoeira sendo lançadas pelo forte vento que sobe contra os paredões, um fenômeno comum nos Aparados, aqui no cânion da Cruzinha. São José dos Ausentes - RS.
Douglas Hecher contempla a paisagem nas bordas do cânion da Coxilha em uma tarde seca de agosto.
O efeito no céu não é edição, havia uma nuvem de fumaça das queimadas de campo, comum entre os meses de julho e setembro. São José dos Ausentes - RS.
Acampamento no cânion da Coxilha com as luzes do município de Criciúma nas planícies litorâneas. Nessa noite, enquanto executava fotos noturnas, minha câmera, touca e luvas ficaram cobertas de gelo ( uma leve geada ).
São José dos Ausentes - RS.
Momento de prosa ao pôr do sol entre os amigos Douglas Hecher e Diego Angeli no cânion Realengo. São José dos Ausentes - RS.
Acampamento próximo a borda do cânion Encerra, justo no momento em que o forte nevoeiro que se estabeleceu ao fim da tarde começa a se dissipar. São José dos Ausentes - RS.
Mar de nuvens sobre as planícies litorâneas vista no cânion Boa Vista antes do nascer do sol. São José dos Ausentes - RS.
Araucárias de uma mata nebular na encosta do pico Monte Negro em uma tarde de chuva e clima muito fechado. São José dos Ausentes - RS.
Douglas Hecher aquecendo água para o jantar em nosso mais recente acampamento no cânion Tabuleiro. São José dos Ausentes - RS.
Eu fazendo “panca” no vértice do cânion do Tabuleiro. Foto de Douglas Hecher. São José dos Ausentes - RS.
Cascata das Andorinhas, localizada próximo ao vértice do cânion Itaimbezinho, ao pôr do sol.
As nuvens amarelas que aparecem ao fundo, em frente ao sol, são fumaça de queimadas nos campos ao redor, fora da área do Parque Nacional dos Aparados da Serra. Cambará do Sul - RS.