Autor Tópico: Se toda foto pode ser considerada como arte, então decretamos o fim da arte.  (Lida 4624 vezes)

felipemendes

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Resposta #15 Online: 20 de Março de 2021, 14:31:21
Penso o contrario. Não adianta nada o autor dizer que fez uma obra de arte. Do ponto de vista dele, tudo bem, mas só será reconhecida como tal se os espectadores reconhecerem na foto características que possam validar como obra de arte.

"espectadores", quem? Porque pro nazismo, a "arte degenerada" não era arte (mas por que tinha esse nome?). Pra muita gente, pop art não é arte.  Parti do extremo da não-arte pra arte, mas posso perfeitamente fazer o contrário: posso dizer que, pra mim, a Mona Lisa não é arte, pois não me diz nada. Com isso, a obra deixou de ser arte?

Mas note que entramos na discussão sobre o que é e o que não é arte. Podemos falar sobre isso, mas é discussão antiga do fórum.


Lindsay

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Resposta #16 Online: 20 de Março de 2021, 14:43:41
"espectadores", quem? Porque pro nazismo, a "arte degenerada" não era arte (mas por que tinha esse nome?). Pra muita gente, pop art não é arte.  Parti do extremo da não-arte pra arte, mas posso perfeitamente fazer o contrário: posso dizer que, pra mim, a Mona Lisa não é arte, pois não me diz nada. Com isso, a obra deixou de ser arte?

Mas note que entramos na discussão sobre o que é e o que não é arte. Podemos falar sobre isso, mas é discussão antiga do fórum.
O espectador é a sociedade que consome a obra e que valida ou reconhece tal trabalho como obra de arte.
Mas sim compreendo, e veja que interessante, esse reconhecimento esta conectado com uma relação social, que contem a opinião de outros indivíduos que fazem parte dessa sociedade, e ainda, sociedade essa que pertence a uma determinada época. Conforme as décadas vão passando aquilo que "não fora reconhecido como arte", pode ser revalidado pelas futuras gerações.
Conhecimento importa mais que equipamento.


Lindsay

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Resposta #17 Online: 22 de Março de 2021, 11:59:43
Vamos continuar a conversar???

Eu acho importante esse conceito de o que ou quem valida as obras e eleva ao status de "obra como arte". São varias questões envolvidas, inclusive o nome e o histórico do autor, que se for famoso e já reconhecido pela sociedade, fica mais fácil.
Conhecimento importa mais que equipamento.


felipemendes

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Resposta #18 Online: 22 de Março de 2021, 14:06:09
Vamos continuar a conversar???

Eu acho importante esse conceito de o que ou quem valida as obras e eleva ao status de "obra como arte". São varias questões envolvidas, inclusive o nome e o histórico do autor, que se for famoso e já reconhecido pela sociedade, fica mais fácil.

Vou tentar chegar lá.

A sociedade é construída por meio de pactos sociais. Por exemplo, não são as leis de trânsito que mantém o trânsito fluindo. É o pacto comum entre motoristas e pedestres. Estes não vão se enfiar na frente dos carros (embora os carros tenham que frear caso um pedestre entre-lhes na frente) e os carros vão se manter na rua e não invadir calçadas e parques (idealmente). O motorista da faixa ao lado vai tentar não te dar uma fechada se tiver que pegar a próxima saída. Claro que há violações, mas a regra geral (e não escrita) vale na maior parte dos casos.

O pacto social também diz o que é aceito, o que é encorajado e o que é reprovável em uma sociedade. Então um indivíduo tende a buscar mostrar à sociedade o que é encorajado. Na nossa sociedade, seria mostrar algo belo - por isso vemos tanta gente preocupada com a aparência. Se eu faço algo que julgo belo, meu impulso é mostrar à sociedade; se eu faço algo feio, meu interesse é esconder.

Também estas regras são mais ou menos conhecidas pela sociedade. Então, ao tirar uma foto que eu ache bonita, isso é porque eu cresci em uma sociedade que tende a achar aquilo bonito. Logo, ao achar aquilo bonito (ou artístico), seria justo achar que alguém mais vai concordar.

Conhece a Janela de Johari?


O é a zona oculta: eu sei, mas não mostro. São meus segredos.
A é a zona aberta: Eu sei e todo mundo sabe. Nossa aparência, nossa voz, nossas opiniões explicitadas.
C é a zona cega: Todo mundo sabe, menos eu: É nossa casca de feijão no dente.
D é a zona desconhecida: ninguém sabe o que é.

Como indivíduos, avançamos da zona O pra zona A por manifestação. Por exemplo, colocando uma foto pra apreciação da sociedade. Isso é espontâneo, só fazemos porque achamos aquilo digno de aceitação. Imagine neste momento que a zona O fica um pouco menor, e a zona A fica um pouco maior.

Daí ouvimos crítica. Isso seria um movimento da zona C pra zona A, é a crítica da sociedade pra sociedade, ou seja, aberto a todos. Algumas críticas deixam a gente ofendido, porque no nosso oculto, o que apresentamos é muito melhor que o pessoal da zona C nos diz. Mas de qualquer forma, só crescemos em conhecimento quando aceitamos o que vem da zona C. Note que, neste caso, a janela C fica um pouco menor e a janela A fica maior ainda.

A beleza deste jeito de ver a coisa é que, por meio de manifestação e crítica, avançamos sobre a zona D, a desconhecida. Veja que, após este processo, a janela A é maior; a janela C é mais estreita; a janela O é mais baixa. Já a zona D é mais estreita e mais baixa.

Tentando resumir tudo, "arte" seria o que eu acho que é arte, mas que eu acho que o mundo também vai achar que é arte.



 
« Última modificação: 22 de Março de 2021, 14:08:38 por felipemendes »


felipemendes

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Resposta #19 Online: 23 de Março de 2021, 10:06:52
Daí ouvimos crítica. Isso seria um movimento da zona C pra zona A, é a crítica da sociedade pra sociedade, ou seja, aberto a todos. Algumas críticas deixam a gente ofendido, porque no nosso oculto, o que apresentamos é muito melhor que o pessoal da zona C nos diz. Mas de qualquer forma, só crescemos em conhecimento quando aceitamos o que vem da zona C. Note que, neste caso, a janela C fica um pouco menor e a janela A fica maior ainda.

Aqui neste ponto vemos claramente a diferença entre progressistas, conservadores e reacionários. Ao ver uma nova forma de expressão, seja na foto ou em qualquer outra forma de arte, os primeiros dizem "interessante! Por quê? Mostre-me mais.". O segundo grupo normalmente diz "Isso não é arte. Arte é o que eu conheço e entendo.". O terceiro grupo diz "O artista é um criminoso e deve ser preso". O primeiro quer aumentar a janela A, o segundo quer manter do jeito que está e o terceiro a quer diminuir.

Exemplos em outras formas de arte que já passaram por este processo seriam o funk e o grafite atualmente, mas já foram o chorinho e o cubismo.


Leoneves

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Resposta #20 Online: 30 de Março de 2021, 18:47:27
O que é arte? O que caracteriza uma obra como arte? Quem tem a autoridade pra determinar isso? Arte precisa ser algo belo, ou pode ser feio? Basta provocar reflexão, ou precisamos de algo mais? Se sim, o quê? A arte contemporânea, a arte performática, o penico de Duchamp e seus "filhos", são menos arte? E o hominídeo que rabiscou na caverna..., era arte?

Se voltarmos à fotografia, a confusão é grande; afinal qualquer um, principalmente nos dias de hoje, produz fotografia. O processo fotográfico, restrito no início, é hoje absurdamente fácil, acessível, disseminado. Em contrapartida, a fotografia ganha cada dia mais espaço em museus, galerias, instalações; não é novidade que há um mercado crescente, dentro do dito "mercado da arte", pra fotografia.

Isso tudo posto, refino minha impressão: fotografia pode ser arte sim, mas nem toda fotografia é arte; só é arte a fotografia que nasceu de uma intenção, de um "porquê", e que provoca espanto, discussão, debate. Notem que o mesmo objeto estético pode ter intenções e percepções diferentes. Tomemos o ideal masculino da beleza por exemplo; é exatamente o mesmo, o mesmo, no Davi que Michelangelo esculpiu, nos corpos "arianos" da olimpíada de Berlim que Riefenstahl filmou, e nos corpos masculinos que o olhar genial de Alair Gomes capturou. É a intenção do autor, e também nossa percepção, e a nosso modo, que os modifica. Iguais e diferentes, mas todos são arte. Assim, acho inútil discutirmos o "fim da arte" porque a fotografia se popularizou, ou por algo que o valha. A arte morre com o homem, e só aí.

Por fim, recomendo aos colegas um jogo que a revista de fotografia do Instituto Moreira Salles fez na sua última edição, com 2 artigos escritos pelo Man Ray - um pelo que a fotografia tem de arte, outro contra. Revista Zum. Fartamente ilustrado com a fotografia atemporal do autor, o artigo fica com a primeira opção, claro: é arte de primeira.
« Última modificação: 30 de Março de 2021, 18:58:24 por Leoneves »


Lindsay

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Resposta #21 Online: 31 de Março de 2021, 18:19:52
O que é arte? O que caracteriza uma obra como arte? Quem tem a autoridade pra determinar isso? Arte precisa ser algo belo, ou pode ser feio? Basta provocar reflexão, ou precisamos de algo mais? Se sim, o quê? A arte contemporânea, a arte performática, o penico de Duchamp e seus "filhos", são menos arte? E o hominídeo que rabiscou na caverna..., era arte?
Sim é sobre isso que estamos conversando aqui  :ok:


Se voltarmos à fotografia, a confusão é grande; afinal qualquer um, principalmente nos dias de hoje, produz fotografia. O processo fotográfico, restrito no início, é hoje absurdamente fácil, acessível, disseminado. Em contrapartida, a fotografia ganha cada dia mais espaço em museus, galerias, instalações; não é novidade que há um mercado crescente, dentro do dito "mercado da arte", pra fotografia.
Sim isso mesmo, muito bom!

Isso tudo posto, refino minha impressão: fotografia pode ser arte sim, mas nem toda fotografia é arte; só é arte a fotografia que nasceu de uma intenção, de um "porquê", e que provoca espanto, discussão, debate.
Sim perfeitamente, observe que aqui se faz necessário a validação, dos espectadores.


Isso tudo posto, refino minha impressão: fotografia pode ser arte sim, mas nem toda fotografia é arte; só é arte a fotografia que nasceu de uma intenção, de um "porquê", e que provoca espanto, discussão, debate. Notem que o mesmo objeto estético pode ter intenções e percepções diferentes. Tomemos o ideal masculino da beleza por exemplo; é exatamente o mesmo, o mesmo, no Davi que Michelangelo esculpiu, nos corpos "arianos" da olimpíada de Berlim que Riefenstahl filmou, e nos corpos masculinos que o olhar genial de Alair Gomes capturou. É a intenção do autor, e também nossa percepção, e a nosso modo, que os modifica. Iguais e diferentes, mas todos são arte. Assim, acho inútil discutirmos o "fim da arte" porque a fotografia se popularizou, ou por algo que o valha. A arte morre com o homem, e só aí.
Mas essa discussão não é inútil, estamos conversando aqui sobre os processos de validação, e pelo fato de que nem toda fotografia poder ser reconhecida como arte. Assim como vc mesmo colocou acima.

Por fim, recomendo aos colegas um jogo que a revista de fotografia do Instituto Moreira Salles fez na sua última edição, com 2 artigos escritos pelo Man Ray - um pelo que a fotografia tem de arte, outro contra. Revista Zum. Fartamente ilustrado com a fotografia atemporal do autor, o artigo fica com a primeira opção, claro: é arte de primeira.
Não li ainda, mas de antemão ja lembro que ManRay é um artista reconhecido e consagrado. Vou procurar para ler.
« Última modificação: 31 de Março de 2021, 18:23:12 por Lindsay »
Conhecimento importa mais que equipamento.


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Resposta #22 Online: 31 de Março de 2021, 18:22:05
Vou tentar chegar lá.

A sociedade é construída por meio de pactos sociais. Por exemplo, não são as leis de trânsito que mantém o trânsito fluindo. É o pacto comum entre motoristas e pedestres. Estes não vão se enfiar na frente dos carros (embora os carros tenham que frear caso um pedestre entre-lhes na frente) e os carros vão se manter na rua e não invadir calçadas e parques (idealmente). O motorista da faixa ao lado vai tentar não te dar uma fechada se tiver que pegar a próxima saída. Claro que há violações, mas a regra geral (e não escrita) vale na maior parte dos casos.

O pacto social também diz o que é aceito, o que é encorajado e o que é reprovável em uma sociedade. Então um indivíduo tende a buscar mostrar à sociedade o que é encorajado. Na nossa sociedade, seria mostrar algo belo - por isso vemos tanta gente preocupada com a aparência. Se eu faço algo que julgo belo, meu impulso é mostrar à sociedade; se eu faço algo feio, meu interesse é esconder.

Também estas regras são mais ou menos conhecidas pela sociedade. Então, ao tirar uma foto que eu ache bonita, isso é porque eu cresci em uma sociedade que tende a achar aquilo bonito. Logo, ao achar aquilo bonito (ou artístico), seria justo achar que alguém mais vai concordar.

Conhece a Janela de Johari?


O é a zona oculta: eu sei, mas não mostro. São meus segredos.
A é a zona aberta: Eu sei e todo mundo sabe. Nossa aparência, nossa voz, nossas opiniões explicitadas.
C é a zona cega: Todo mundo sabe, menos eu: É nossa casca de feijão no dente.
D é a zona desconhecida: ninguém sabe o que é.

Como indivíduos, avançamos da zona O pra zona A por manifestação. Por exemplo, colocando uma foto pra apreciação da sociedade. Isso é espontâneo, só fazemos porque achamos aquilo digno de aceitação. Imagine neste momento que a zona O fica um pouco menor, e a zona A fica um pouco maior.

Daí ouvimos crítica. Isso seria um movimento da zona C pra zona A, é a crítica da sociedade pra sociedade, ou seja, aberto a todos. Algumas críticas deixam a gente ofendido, porque no nosso oculto, o que apresentamos é muito melhor que o pessoal da zona C nos diz. Mas de qualquer forma, só crescemos em conhecimento quando aceitamos o que vem da zona C. Note que, neste caso, a janela C fica um pouco menor e a janela A fica maior ainda.

A beleza deste jeito de ver a coisa é que, por meio de manifestação e crítica, avançamos sobre a zona D, a desconhecida. Veja que, após este processo, a janela A é maior; a janela C é mais estreita; a janela O é mais baixa. Já a zona D é mais estreita e mais baixa.

Tentando resumir tudo, "arte" seria o que eu acho que é arte, mas que eu acho que o mundo também vai achar que é arte.

Bacana mesmo isso aqui Felipe, preciso ler com calma para conversarmos sobre isso, muito bom!!!
Conhecimento importa mais que equipamento.


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https://www.nytimes.com/2021/03/12/arts/beeple-nft-buyer-ether.html

A compra de “Everydays: the first 5000 days” por 70 milhões de dólares há alguns dias tornou essa a 3a obra de arte mais cara feita por um artista vivo.

O disruptivo aqui é que "Everydays" é um NFT derivado dos 5000 jpgs que o artista produziu nos últimos 5000 dias; alem disso, é a primeira obra de arte digital vendida através Christie's, fundada em 1776. O que ocorreu no início de março marca a entrada desse tipo de obra no, por assim dizer, alto mercado da arte.

A venda se deu por criptomoeda, em um mercado que cresce avassaladoramente: a criptoarte.

A propósito: se um JPG pode ser considerado arte, então decretamos o fim da arte?

https://www.esquire.com/entertainment/a35500985/who-is-beeple-mike-winkelmann-nft-interview/



felipemendes

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https://www.nytimes.com/2021/03/12/arts/beeple-nft-buyer-ether.html

A compra de “Everydays: the first 5000 days” por 70 milhões de dólares há alguns dias tornou essa a 3a obra de arte mais cara feita por um artista vivo.

O disruptivo aqui é que "Everydays" é um NFT derivado dos 5000 jpgs que o artista produziu nos últimos 5000 dias; alem disso, é a primeira obra de arte digital vendida através Christie's, fundada em 1776. O que ocorreu no início de março marca a entrada desse tipo de obra no, por assim dizer, alto mercado da arte.

A venda se deu por criptomoeda, em um mercado que cresce avassaladoramente: a criptoarte.

A propósito: se um JPG pode ser considerado arte, então decretamos o fim da arte?

https://www.esquire.com/entertainment/a35500985/who-is-beeple-mike-winkelmann-nft-interview/


Não conhecia este artista, obrigado por mostrar!

Ainda falando sobre arte, gosto do Átila Iamarino desde a época do Jovem Nerd. Tem esse vídeo dele, de 4 dias atrás. Como eu não indico o que não vejo, só vi o vídeo hoje. Muito interessante, do aspecto biológico/neurológico da coisa: