Um astrógrafo nada mais é que um equipamento ótico pra fotografia dos astros. Normalmente possuem abertura maior que f/4, e a distância focal não é definida.
Passei as últimas semanas montando e aperfeiçoando um astrógrafo Tabajara baseado na lente Rokinon 135mm f/2 e na câmera ZWO ASI294MC Pro.
Começando pela Rokinon, é uma lente manual clara e de excelente contraste e baixa aberração cromática, mesmo em f/2 nas bordas. O fato de ser manual e o tipo de construção ajudam bastante também.
Por algum tempo, fiquei meio arrependido de comprar a lente Rokinon 135mm específica pra Fuji, pois o espaço que sobrou entre a lente e a câmera ficou meio pequeno, de 11mm. Se tivesse comprado, por exemplo, a versão pra Nikon F, teria o espaço de 35.5mm, que me permitiria fabricar um adaptador que pudesse receber gavetas de filtros ou outros acessórios. Mas o pescoço da lente pra Fuji tem formato ideal pro colar mencionado abaixo, que não existiria se eu tivesse comprado a lente pra Nikon ou Canon.
O colar da lente (cor de cobre na ilustração acima) já foi
comentado em outro tópico, eu projetei e imprimi em uma impressora 3d. Pra colocar em um contexto, o suporte permite que a lente seja girada livremente, tal qual um colar de tripé. Além disso, tem um encaixe pra acessório. Este acessório costumava ser um viewfinder, mas na foto acima aparece uma câmera guia.
Outro ponto positivo desta lente é que nada no formato externo dela muda quando se gira o anel de foco ou de abertura. Com isso, construí um sistema de foco baseado no
Ardufocus, que é um sistema de código aberto e hardware bem conhecido de curiosos em geral, como Arduino, controladores e motor de passo. Este tipo de conceito só foi possível por causa do formato da lente ficar sempre o mesmo (a Nikon 180mm f/2.8 que eu usava antes mudava bastante de tamanho durante o ajuste de foco). Projetei e fabriquei uma caixinha onde coubesse o Arduino, a placa de controle e o motor de passo. O conjunto todo é alimentado por um cabo USB, sem outra fonte de energia. Funciona lento, mas pra este tipo de operação, não faz muita diferença. A maioria dos programas de astrofoto possuem rotinas de autofoco baseado em diâmetro do meio-fluxo (basicamente o algoritmo move o focalizador pra diminuir o tamanho das estrelas).
No meu projeto, usei um sistema de engrenagem e parafuso sem-fim, dimensionado por mim, baseado em uma biblioteca que
encontrei no Thingiverse. O diâmetro da engrenagem foi selecionado pra entrar um pouco apertado no anel de foco da lente, e o parafuso sem-fim foi dimensionado pra caber naquele espacinho entre a barra de rabo-de-andorinha (verde na foto abaixo) e a engrenagem da lente.
Como eu não levava muita fé nesse mecanismo de foco, o fiz de tal maneira que ele pode ser removido rapidamente, mesmo no escuro. Mas usei o motor na minha última sessão, com sucesso, por várias horas. Funcionou tão bem que a próxima versão vai ficar totalmente por cima da barra de rabo-de-andorinha, que vai me permitir apoiar o conjunto em uma mesa (hoje o motor de foco fica pra baixo da barra rabo-de-andorinha, e não permite colocar sobre uma mesa), e vai interferir menos na orientação do conjunto montado na montagem equatorial. Por outro lado, vai ser mais difícil remover o mecanismo em caso de pane.
Câmeras de astrofoto são um tanto diferente de câmeras fotográficas tradicionais. A minha é fabricada pela ZWO. Apesar de desconhecida do grande público fotográfico, este é um fabricante chinês de bastante reputação em equipamento de astrofoto. A câmera tem um sensor Sony IMX294, tamanho 4/3, e resfriamento de sensor, de até -40 graus abaixo da temperatura ambiente. Como é sabido, o ruído do sensor é relacionado à temperatura então, quanto mais baixa a temperatura, menor o ruído. Além disso, a câmera tem alguns recursos bem interessantes pra astrofoto, tais como um hub USB embutido. O formato da câmera permite facilmente o giro em 360 graus.
Neste tipo de câmera, os detalhes geométricos são importantes, e são fornecidos pelo fabricante, pra que o fotógrafo monte seu sistema com a distância correta do sensor até quaisquer acessórios à frente da câmera, tais como field flatteners, seletores de filtros, etc. Como estou usando uma lente pro sistema Fuji, projetei e fabriquei um adatador T2 (rosca 42mm x 0.75mm, cor ciano na ilustração) pra baioneta Fuji. A baioneta propriamente dita foi “doada” por uma câmera quebrada que eu tinha aqui.
O uso de filtros é praticamente mandatório em astrofoto, na maioria dos locais urbanos e suburbanos. E filtros de astrofoto são bem caro$. Por isso, não faria sentido comprar filtros pra frente da lente (diâmetro 78mm) separados dos meus filtros pra usar com telescópios. Me aproveitei do sensor relativamente pequeno, e padronizei meus filtros em 1.25” (filtros de astrofoto são normalmente 1.25” e 2”, diferentes de filtros tradicionais, que são em mm). Estes ficam na frente da câmera, entre a lente (ou telescópio) e o sensor. O tamanho dos filtros causa um pouco de vinheta nas imagens cruas, mas o uso de quadros planos (flat frames) compensa 100% da vinheta. Pra posicionar corretamente os filtros na frente do sensor, adivinhe... projetei e fabriquei uma moldura que vai ao redor do filtro, e fica prensada entre a lente e a câmera. As dimensões desta moldura seriam muito difíceis de ser obtidas se não fosse o desenho geométrico da câmera ser bem conhecido.
Expliquei em outro tópico a
importância da câmera/telescópio guia. A montagem equatorial que usei nessas últimas semanas é o Skywatcher Star Adventurer, que é uma montagem bem simples, com capacidade máxima de peso de 11 libras, ou 5 kg. Pra astrofoto, normalmente se considera metade da capacidade, então cerca de 2.5 kg pra câmera, lente, focalizador, câmera guia, etc. Qualquer possível ganho de peso é bem vindo. Por isso, ao invés de usar o mini-telescópio recomendado pra minha câmera guia (uma ZWO ASI120MM Mini, e o telescópio recomendado seria um 30mm f/4. Lembrando que 30mm é a abertura, logo o telescópio tem 120mm de distância focal), usei um telescópio bem maior (50mm f/4, que dá 200mm de distância focal) e mais leve, porém não feito pra ser usado com câmera guia. Portanto foi necessário fabricar (mais) um adaptador que encaixasse na frente da câmera e traseira do telescópio (rosa escuro na ilustração). Além disso, fabriquei também o adaptador que acopla o telescópio+câmera guia ao colar da lente (azul). Esse conjunto ficou sensível demais pra lente principal, mas isso não foi problema.
Este kit me ocupou várias horas de projeto e fabricação, mas está sendo um prazer de usar. Apesar do ar de gambiarra, tudo funciona exatamente como deveria. Como essa semana chega uma montagem equatorial nova (mais sobre isso em outro tópico), esse conjunto deve dividir meu tempo com um enorme telescópio 800mm f/4 que não tive ainda oportunidade de usar este ano.