Autor Tópico: Qual a Idéia?  (Lida 3193 vezes)

Ivan de Almeida

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Online: 15 de Setembro de 2007, 10:58:24
Prezados;

Postei hoje, no Fotografia em palavras um artigo sobre o mito da idéia na fotografia. Chama-se "Qual a Idéia".

O link é:
http://br.groups.yahoo.com/group/fotografiaempalavras/message/8


Miliandre Garcia

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Resposta #1 Online: 15 de Setembro de 2007, 16:52:34
Ivan!
Acabei de ler o texto, muito interessante essa reflexão que você levantou sobre a busca incessante por uma idéia e suas origens na Arte Conceitual e no mundo publicitário. Reflexões desse nível enriquecem muito o universo fotográfico. Tenho lido bastante sobre técnica, até para entender o equipamento que tenho, o que posso extrair dele e aplicar tais questões nas minhas experiências como iniciante (nessa área especificamente), mas meu interesse mesmo é pela fotografia enquanto manifestação artística que, claro, não está dissociada da questão técnica, do domínio do material, do equipamento, enfim.

P.S.: Li em outro tópico alguém dizendo que você era doutor em estética. Você poderia falar mais sobre sua formação? É pura curiosidade mesmo.

Abraço.
« Última modificação: 15 de Setembro de 2007, 16:53:43 por Miliandre Garcia »


Ivan de Almeida

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Resposta #2 Online: 15 de Setembro de 2007, 17:29:33
Olá, Milandre;

Sabe que assisti ao Miles ao vivo no Teatro Municipal do Rio de janeiro nos idos de 1972 ou 73?... Caramba, você não sabe que massa sonora...

Não sou doutor em estética. Sou arquiteto e mestre em arquitetura (MSc) pela FAU/UFRJ com trabalho voltado para a estética, melhor dizendo, voltado para a compreensão do uso dos métodos de composição por proporcionamento entre as partes de uma edificação a partir de uma visão do processo perceptivo.

Estudo, de forma não organizada mas interessada (e algumas vezes de forma organizada) a percepção há cerca de 30 anos, desde quando tive a consciência de ser a percepção o filtro que tornava o REAL real para nós, isto é, que percebíamos algo, dávamos a esse algo percebido o nome de REAL, mas na verdade nossa percepção tinha condicionantes não naturais, mas culturais. Desde então venho seguindo este fio, fiz mestrado no qual aproveitei a academia para desenvolver formalmente algumas idéias, e na fotografia essas idéias são o tempo todo usadas e a fotografia oferece oportunidades inúmeras de meditação sobre elas.

O mundo atual é viciado em idéias, embora o desenvolvimento cultural atual não tenha caráter de novidade. O mundo acostumou-se com a "vanguarda transgressora", e não entende que essa vanguarda só pode existir nas épocas de transformação social, e que nas épocas de continuidade ela é mero simulacro. Aí fica esse culto á idéia e isso contamina o fazer fotográfico.

Obrigado pela leitura e pela manifestção. Uma newsletter é coisa meio solitária, escrevemos sem saber como aquilo é recebido. Quando temos um retorno, isto é muito valioso pois nos mostra não estarmos "viajando na maionese".

Grande abraço,
ivan


Roberto O. Almeida

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Resposta #3 Online: 15 de Setembro de 2007, 21:31:18
Interessante, Ivan, essa colocação de que o mundo se acostumou com a idéia de vanguarda transgressora. A gente pode perceber sempre uma necessidade da transmissão de alguma "idéia" por parte de alguns fotógrafos, mais do que simplesmente a necessidade de transmitir arte, aquela mesma singela arte que pra Fernando Pessoa "tem valia por que nos tira de aqui".
Vejo uma importância, quando da interpretação de uma fotografia, pela busca do que propunha o autor, e a partir daí a gente pode refletir sobre a existência de arte ou não, quem sabe até pelo estudo de algumas correntes (generalizantes e inacabadas, ao meu ver) que ao longo do tempo tentaram explicar. Exemplo: transmitir uma idéia (talvez aí resida mais fortemente a idéia de Kant de beleza livre ou dependente / gosto puro e intelectualizado - a valoração vai depender do grau de conhecimento e percepção a que estamos condicionados), uma crítica ou reflexão (Hegel diria que a essência de toda arte consiste em confrontar o homem consigo mesmo - devo discordar do toda), ou simplesmente uma fotografia descritiva, que nos mostra algo por ser pura e simplesmente belo (e aqui retornamos a Kant, que acredita que para que algo possa agradar como obra de arte é preciso que seja sempre algo mais que agradável ao gosto; belo natural versus belo artístico; gosto x gênio; ) e por aí vai.
Assim, qualquer gênero da fotografia possui seu lado artístico, possivelmente atrelado a uma idéia ou não. O que ta faltando ao apreciador é abstrair, esquecer um pouco da busca incessante pela "idéia", pelo implícito, e partir do pressuposto que está diante de uma manifestação artística, apreciar como tal.
Como saber o objetivo do autor? A fotografia posta diante de mim me "diz" a que se propõe? Se a fotografia não me passa nenhuma reflexão é por que ela não deveria ou por que falhei em minha leitura? A grande sacada é proporcionar uma leitura simples, sutil e imediata ou atraves de mensagens bem mais ocultas?
Posso interpretar o O Quarto de Gogh como um ambiente aconchegante, ao mesmo tempo que o desassossego do autor é transmitido através das formas desproporcionais, dos quadros prestes a cair sobre a cama, como um monte de frustrações, medos ou mesmo pessoas. Mas esse sou eu falando através do quadro ou é o pintor?

E agora, José?
« Última modificação: 15 de Setembro de 2007, 21:33:05 por Roberto O. Almeida »


Ivan de Almeida

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Resposta #4 Online: 15 de Setembro de 2007, 22:57:15
Citar
O que ta faltando ao apreciador é abstrair, esquecer um pouco da busca incessante pela "idéia"

Isso. Não é proibido que haja uma idéia, mas não é a idéia que faz a fotografia. E a fotografia pode existir e ser mais que suficiente sem idéia explícita alguma.



Heber_Dm

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Resposta #5 Online: 15 de Setembro de 2007, 23:39:22
Bem, esse papo aqui tá cabeça demais...

Mas, apesar da vontade de enveredar pela parte filosófica, vou dar uma singela opinião mais restrita ao âmbito do título do tópico, por si só já bastante complexo.

A meu ver, a fotografia é uma arte, e não substitui nem complementa qualquer outra forma de manifestação artística. Ela apenas é, primordialmente, mais um "suporte" a atender a nescessidade humana de perpetuação, através de um registro perene, dos aspectos cotidianos, com base em uma idéia. A pintura possui a mesma característica inicial, e a transição do simples registro para a considerada manifestação artística consumiu vários séculos. Uma pintura rupestre, por exemplo, não foi feita como manifestação de arte, é apenas um registro baseado em uma idéia, e não deixa de sê-lo mesmo que reproduzida em uma tela e pendurada na parede de um palácio, pois a motivação da concepção não mudou. O aprimoramento das técnicas e materiais com que os registros eram feitos permitiu a evolução para a arte, incorporando (e não substituindo) à finalidade do registro a conotação "artística". Esse não foi um processo abrupto, e sim paulatino, e podemos comprovar isso comparando as pinturas feitas até o final da Idade Média com as feitas a partir da Renascença (para citar apenas uma das muitas transições). A fotografia trilhou o mesmo caminho, só que bem mais rápido. Enquanto os meios para se obter uma foto eram precários, não passava de um registro. Apenas com a evolução dos equipamentos, e também com o apuro da técnica, pôde ser aproveitada como manifestação de arte, permitindo, assim, o uso de idéias "artísticas" em sua concepção.

Dito isso tudo, chego onde queria chegar: para mim, a fotografia é mais um suporte para um registro, que pode simplesmente restringir-se à essa condição ou, dependendo da idéia, tornar-se manifestação de arte. Por ser extremamente subjetiva, essa manifestação poderia ser entendida até mesmo como oriunda da apurada habilidade técnica ou de conhecimento e manuseio correto de um equipamento (como é o dos pincéis, no caso da pintura). Técnica e manuseio são tangíveis, pode-se aprendê-los em escolas; porém, a sensibilidade e o olhar apurado, capazes de transformar o registro de uma idéia em arte, nem sempre.

Eu vejo centenas de fotos por dia, e a grande maioria são, para mim, registros. As que eu considero como manifestação de arte quase sempre também transmitem uma idéia. E isso, no meu entender, não implica nenhum demérito às fotografias que não são "arte" (nessa concepção), pois basta que ela seja bonita ou bem feita, ou as duas coisas, para me agradar, tanto quanto me agrada uma bela obra de pintura, mesmo quando sendo apenas um registro. Sendo assim, na minha opinião, ver uma bela foto ou o registro apurado de um fato não traz junto, obrigatoriamente, a necessidade de se encontrar uma idéia escondida na intenção do fotógrafo. Mesmo porque uma mesma foto pode conter, para uma determinada pessoa, uma mensagem, uma idéia, e para outra não.

Quanto à contaminação do "fazer fotográfico" pela necessidade do culto à idéia, penso que essa análise se aplica a determinados âmbitos. Acho que, no geral, fotografias são feitas com objetivo mais simples do que o de transportar uma idéia. A necessidade ideológica, parece, está restrita a alguns meios, como o publicitário, conforme citado.

No mais, parabéns pelo artigo!

Abraços.

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Roberto O. Almeida

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Resposta #6 Online: 16 de Setembro de 2007, 00:55:28
Eu vejo centenas de fotos por dia, e a grande maioria são, para mim, registros. As que eu considero como manifestação de arte quase sempre também transmitem uma idéia.

Veja bem como você coloca o papel do sujeito cognoscente. Pra você, fotografia enquanto arte é aquela que (quase sempre) te passa idéia e para outros tantos também. Para mim, a fotografia tem que me passar um sentimento, ou melhor uma lembrança (ainda que seja uma lembrança que nunca tive). Isso pode explicar minha falta de interesse no estilo que o Ivan tava falando. Tem que me fazer sentir o cheiro do lugar que eu nunca estive, ou imaginar a brisa, o calor ou a garoa, ou qualquer sensação que me remeta a minha infância. Com certeza uma influência bem pesada de Proust, mas acho que a fotografia vai ser sempre um registro, e para que seja um registro válido (em minha singela opinião), ele deve nos fazer sentir.

No final das contas, o papel do intérprete é bem maior do que imaginamos, por isso a necessidade dessa postura um pouco neutra, como quem contempla por contemplar, sem buscar um diálogo (ou leitura) com a foto necessariamente.

Ótimo tema...
« Última modificação: 16 de Setembro de 2007, 00:59:57 por Roberto O. Almeida »


Heber_Dm

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Resposta #7 Online: 16 de Setembro de 2007, 01:33:02
Sim, Roberto, ótimo tema, bom para refletirmos sobre percepção.

Por falar nisso, eu excluí do meu texto um pensamento que estava, digamos, acompanhando meu raciocínio. É sobre a mensagem principal da fotografia, que é óbvia, ou seja, a mensagem visual, a transmissão do que o fotógrafo viu e decidiu perpetuar. Nisso toda fotografia, desde que compreensível, é eficaz. O que a torna uma manifestação de arte, como eu tentei explicar, é quando ela transmite mais do que o que se pode ver num primeiro olhar. Muitas fotografias transmitem o sentimento ou lembrança que vc mencionou, mas não são todas as capazes de fazê-lo, e nem todas transmitem uma idéia. Quando não são assim, são, pelo menos, registros (na minha opinião, válidos).
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Ivan de Almeida

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Resposta #8 Online: 16 de Setembro de 2007, 08:59:25
Bem, vamos lá.

Em primeiro lugar, há de se concordar com o Heber. A Arte, como tal, não é toda manifestação estética visual. A Arte como tal é uma manifestação estética visual que despregou-se do uso decorativo e aasumiu-se como finalidade. Provavelmente, nesse sentido, as primeiras artes foram a arquitetura a poesia e o teatro, e não é absurdo entender o surgimento da arte visual paradigmática, a pintura, como tendo ocorrido tão somente no final da Idade Média e nas portas do Renascimento. Antes coisas eram pintadas, mas a pintura não era a finalidade de si mesma. O German Bazin advoga exatamente essa tese sobre a pintura, e em sua História da Arte chama os eventos anteriores de Artes Visuais Representativas. A pintura torna-se tal quando assume sua  problemática independentemente de onde será aplicada e a que serve.

O Flavio Damm, que cito no artigo inclusive com um link, fala da fotografia como arte visual autônoma, e eu não apenas concordo como apoiei-me nessa feliz formulação para alguns raciocínios. O que significa essa expressão arte visual autônoma? Singnifca uma arte capaz de gerar em seu interior um conjunto recíproco de práticas, temas, assuntos, linguagem, evidentemente sendo influenciada pelas demais artes mas com grau de autonomia que a faz ter uma identidade própria, e não mimetizar outra arte.

Que identidade é essa? Basicamente, a identidade da fotografia, como apontada pelo Barthes está em ser um depoimento sobre um referente. Ela faz do referente transformado pela captura seu assunto. Não é independente do referente, nem é uma máquina da verdade sobre ele. Essa transformação é o ato fotográfico.

A qualidade da mensagem poética da fotografia é derivada da qualidade da transcrição.  A fotografia é antes de tudo um comentário sobre o referente, podendo ser, no caso da fotografia publicitária, um elogio até (o eleogio é um tipo de comentário).

Todas as artes visuais podem servir para expressar idéias. Contudo, quando qualquer das artes SERVE, ela está a serviço, e o núcleio de interesse não é mais ela e sim a idéia expressa. Quando falo de idéias, falo de explicitações, do oferecimento em um quadro visual de uma mensagem com características de literalidade. Os linguistas, como o Jakobson, entendem que a capacidade de traduzir uma palavra em outra é exatamente o que dá o seu significado. Uma idéia traduzida em palavras, tem seu significado altamente verbalizado. Um significado verbalizado não se pode dizer completamente pertencente a uma arte visual autônoma.

Advogar a autonomia da fotografia como arte visual implica em reconhecer que quando ela está a serviço de idéias explícitas e verbalizáveis ela de algum modo está também se afastando de sua autonomia.

Gostaria, para evitar confusão, de deixar aqui bem claro que não estou discutindo se esta ou aquela fotografia é arte. Isso não é meu tema. Discuto sim se esta ou aquela fotografia é verdadeiramente pertencente a um gênero de arte visual chamado fotografia, ou se são tão somente meios fotográficos a serviço de outras artes visuais ou conceituais. Fazendo um paralelismo, é como compararmos a pintura com a ilustração. Ambas utilizam-se das mesmas técnicas e muitas vezes exatamente dos mesmos suportes, Porém a pintura é feita para inserir-se no diálogo de uma arte visual autônoma específica, e a ilustração é feita para portar uma determinada idéia a serviço de uma comunicação determinada (verbalmente tradutível). Não estou aqui dizendo que toda pintura é melhor que a melhor ilustração, absolutamente. Há péssimas pinturas, mas que se querem pinturas. E há maravilhosas ilustrações, mas que não são pinturas.

A fotografia portadora de idéias pode ser arte, mas não será "arte fotográfica". E a fotografia pode pertencer à arte fotográfica e ser ruim. Lá nos idos dos 70's havia aqui no Rio um salão anual de artes plásticas, o Salão de Verão no MAM. Lembro-me de uma fotografia exposta. Mãos em concha feitas de mármore ou louça branca sobre as quais havia uma gema de ovo e fundo preto. Isto é fotografia? Era legal, visual, etc. Mas não era fotografia. A fotografia aí era tão somente o suporte. A mesma, mesmíssima idéia poderia ser -e talvez ficasse até mais própria- executada com as tais mãos de louça dentro de uma caixa de acrílico com uma gema de ovo falsa sobre elas. A mensagem fita de signos altamente verbalizáveis (e capazes quase de serem logicamente operados, tal a precisão dos significados) era completamente independente do suporte.

Evidentemente estamos falando, em todos esses casos, de fenômenos que não permitem traçar uma fronteira nítida entre uma coisa e outra. Eu tenho perfeita consciência disso. Por isso, evidentemente também, é sempre possível dizer que o esquema proposto não se aplica a este ou aquele caso, e será verdade, provavelmente. Mas isso não deve impedir o esforço analítico nem desvalidá-lo, pois nas coisas humanas e culturais falamos sempre de regiões de maior significação, e não de verdade. A equação proposta é simples: se temos a fotografia como arte visual autônoma, então é conseqüência disso que ela gere dentro de si seus temas e sua tipicidade, a qual é relacionada a um comentário sobre o referente.

Idéias podem ser matéria para muita coisa, e em algum grau podem existir dentro da obra fotográfica. Mas se buscamos na obra fotográfica exclusivamente as idéias, não estamos de verdade observando fotografias, pois não estamos reconhecendo sua autonomia temática e de manifestação e a estamos subordinando a um fator externo.


Thiago Sigrist

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Resposta #9 Online: 16 de Setembro de 2007, 16:32:38
Muito legais os textos, Ivan!

Gosto muito de fotos de pessoas, e percebo, mais ou menos na contramão do que relata o Heber, que a maioria das fotos que mais me agradam são desprovidas de uma idéia verbalizável que se sobressaia.

Acho que as fotos de pessoas, os retratos, têm muito isso: falta "idéia" pra passar. E, para mim, as melhores fotos desse tipo evocam sentimentos, sensações, memórias etc que são muitíssimo difíceis de se colocar em palavras, de forma que qualquer tentativa que eu faça nesse sentido acaba sendo tosca. Não existe tradução.

Um exemplo que me vem à cabeça é a foto da mãe emigrante feita pela Dorothea Lange. Mas tem muitas outras, além dessa e do Bresson que você citou.

Acho sensacional o Garry Winogrand também, ele tem, na minha opinião, umas fotos que são muito "fotos", o enquadramento delas é totalmente fotográfico, cortando pessoas, capturando uma quantidade caótica de elementos, pessoas no fundo etc. Coisa que não apareceria, da maneira como eu entendo, em pinturas ou gravuras. E acho até que, se aparecesse, seria influência/reflexo/imitação do que ocorre com a fotografia. Acho que você deve conhecer 2 fotos dele que ilustram muito bem isso que eu disse:
http://www.gallery51.com/html51/graphics/garry_winogrand4.jpg
http://bitaites.org/wp-content/uploads/photos/2007/jun/18/07.jpg

Isso tudo que eu disse é, pra mim, um traço, um indício dessa autonomia que a fotografia tem como arte visual, e foi também outra coisa que eu lembrei quando lia seus textos. ;)

Por isso mesmo, obrigado pelo convite à reflexão!

Grande abraço,

 -- thiago
Thiago Massariolli Sigrist
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Ivan de Almeida

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Resposta #10 Online: 16 de Setembro de 2007, 16:39:16
Obrigado, Thiago.

Esta segunda eu conhecia. É uma foto interessantíssima e um momento decisivo, sem dúvida.

Eu também sou das fotos sem idéias. Foto-foto, somente. Não é falta de idéias, mas sim  as idéias atrapalharem a contemplação. Aliás, os Budistas já sabiam disso -risos.


Alex Biologo

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Resposta #11 Online: 16 de Setembro de 2007, 17:26:41
Ivan, interessante o texto, o li diversas vezes e tb a discussão que aqui se seguiu antes de me pronunciar, acho que o que acaba sendo o maior ponto da discussão é o conceito de idéia.

Veja, ao ver uma foto sua, percebo idéias escondidas, um padrão Ivan de qualidade que remete a uma maneira de produzir a imagem. A fotometria é feita sempre do mesmo jeito, o enquadramento segue padrões específicos e a sensação de não idéia que vc busca passar, relatando um ambiente que lhe é familiar e que vc o enxerga de determinada forma.

Esse trabalho todo não seria a idéia do seu trabalho? Valorizar a serra de uma forma que inicialmente só vc enxerga (ou pelo menos só vc reproduz), como um ambiente atemporal e tranquilo, algo que nunca seja desgastado pelo tempo e que se vá degustando aos poucos (li essa frase a muito tempo em um post seu onde explica suas fotos e confesso que adorei a frase, sintetiza bem a forma como vejo suas fotografias).

Vejo essa busca tanto nos retratos quanto nas paisagens que vc produz, veja vc saberia fazer enquadramentos, fotometria e tratamentos diferentes dos que faz, mas intencionalmente produz um efeito que é seu. Com isso transmite (mesmo que não queira) sensações a quem observe seu trabalho, não dá pra considerar isso a idéia de suas fotos? Nem sempre podemos analisar uma idéia por uma foto, mas sim através de uma série, não é? A idéia não está nessa foto específica, mas sim na totalidade de imagens que vc produz da Serra.
Alex Martins dos Santos - São Paulo/SP
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Ivan de Almeida

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Resposta #12 Online: 16 de Setembro de 2007, 18:37:08
Olá, Alex.

Você vê... estou condenado a propagar essas discussões malucas -risos. Acho que não me trataram na época certa, e fiquei assim ...

É importante frisar esse ponto, e, embora eu o tenha feito já várias vezes nos dois textos, tanto no primeiro quanto neste postado acima que também acrescentei à newsletter, percebo que muitas leituras do que escrevi não tomam em consideração essa ressalva.

Tudo o que fazemos inclui uma opinião geral sobre o mundo e a vida. Não fosse assim, todo depoimento seria igual. Evidentemente essa opinião geral é uma "ideologia" dando um sentido bem frouxo à palavra. Ela é um sistema de crenças, valores, treinamentos perceptivos, etc. que tem o condão de fazer do mundo algo previsível para nós, e tão previsível que chamamos nossa percepção desta previsibilidade de Real.

Você pode chamar isso de idéia? Bem, em um sentido bastante vago, sim. Mas no caso das fotografias, esta seria uma idéia implícita. Esse sistema de valores, crenças e atitude perceptiva não é tradutível em palavras e constitui algo bastante vago que é a "personalidade do Alex" ou a "personalidade do Ivan". Isso é expressado nas fotos, é claro.

Mas não é disso que falo ao usar a palavra idéia, até mesmo porque isso seria usar a palavra com vagueza, e não é assim que a uso. Chamo de idéia uma construção significante de signos verbalizáveis, ou quase-verbais. Esses signos quase-verbais são REPRESENTAÇÕES convencionais de determiadas atitudes ou mesmo representações convencionais de coisas ou atitudes.

Uma mão sôfrega emerge da borda da foto... Alguém está carente, pedindo. Isto é uma idéia. A interpretação disso é quase obrigatória, pois a mão sôfrega vem sendo usada como símbolo de carência, de desamparo, pela comunicação (poderia dizer, pela mídia, mas não quero dar um caráter determinado ao que digo) reiteradamente, de modo que é um signo estabelecido.

No exemplo dado na mensagem anterior, da foto com a mão de louca segurando uma gema de ovo em fundo preto. Mão = cuidado. Gema = frágil. Branco = clara do ovo. Há um código claro aqui, sem nenhuma ambiguidade, somente um trocadilho branco-clara-louça. Isto é uma idéia.

Outra foto, bastante conhecida e uma das preferidas do site Olhares. Pregos flutuando. Na verdade fotografados sobre um vidro tornado invisível pela iluminação. Pregos = ferro = peso. Flutuando = paradoxo... resultado... surpresa. uma idéia, uma clara idéia.

Mas veja as fotos postadas pelo Roberto acima. O que há nelas? Uma idéia que pode ser assim descrita? Não. Nelas há um contexto, uma cena, uma situação vista pelo fotógrafo que permite muitas leituras, muitas explorações mas nunca retornarão um significado unívoco como as idéias antes citadas.

Quando falo de idéias, falo do que explico nos parágrafos sobre foto da mão e a foto dos pregos, e não de um sistema ideológico.

Nas minhas fotos há um sistema ideológico. Isto é evidente. Eu o refirmo a cada foto. Mas tudo o que você pode dizer dele é "isto aí é aquele velho ponto de vista do Ivan...", mas não pode pegar de cada foto uma idéia explícita e decompô-la em operadores lógicos como fiz acima.

Não estamos aqui, acho que você sabe disso, debatendo a minha maneira de fazer, mas, sim, é claro que sei fazer tudo diferente, e não me faltam idéias também. Só que as idéias afastam-me da contemplação. Fotografia para mim é um Yoga.

Obrigado,
Grande abraço,
Ivan
« Última modificação: 16 de Setembro de 2007, 18:42:19 por Ivan de Almeida »


joseazevedo

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Resposta #13 Online: 16 de Setembro de 2007, 22:50:03
Oi Ivan,

gosto dos seus tópicos pois você divide brilhantemente conosco a sua cultura, seu conhecimento, ilustrando com teorias o que, para muitos como eu, é conhecido e até praticado, mas nunca foi "pensado", "racionalizado", "teorizado".

Acho que tem horas em que uma idéia atrapalha mais do que contribui. Não acho que a fotografia ou a arte fotográfica precise de idéias. Dificilmente você encontrará uma idéia numa foto de qualquer grande mestre da fotografia.

E para contribuir com um exemplo de como um artista pode produzir "arte fotográfica" e apenas usar a mídia fotografia para expressar uma idéia, cito Robert Mapplethorpe. Sua imagens de flores estão entre as mais belas que alguém poderá ver na mídia fotografia. A composição, luz, testuras, cores, tons (PB), produção das flores, tudo está beirando a perfeição. São fotos lindas, cobiçadas por colecionadores ao redor do mundo por sua beleza estética, domínio e conhecimento da mídia fotografia em todo a sua extensão - do filme ao papel na qual foram ampliadas.

Esse mesmo conhecimento e domínio foi usado na execução brilhante da sua exposição "post-mortem" (aquela das fotos "chocantes"), na qual ele usou a mídia fotografia para questionar os valores da sociedade em que vivia. O que tem valor - o assunto fotografado ou a sua qualidade técnica? Mas isso é outra discussão, por favor. A intenção, ao mencionar essa série de imagens é apontá-las como exemplos onde um artista usa a mídia que domina para expressar idéias que poderiam, perfeitamente, ser expressas em outras mídias também.

Fatalmente, e desculpem o trocadilho, quanto mais se fotografa, mais nos revelamos. Para uns isso é estilo. Acho que é mais o aperfeiçoamento da capacidade de nos aproximarmos, através da fotografia, do nosso ponto de vista sobre as coisas, o que inclui as nossas referências, cultura, gosto, preferências e toda a nossa personalidade e visão das coisas. É o nosso jeito único de ver tomando forma.

Grande abraço,

José Azevedo


Ivan de Almeida

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Resposta #14 Online: 17 de Setembro de 2007, 08:41:51
Olá, José.

Há assuntos difíceis, e os assuntos que envolvem atividades humanas, classificação, atividades artísticas são dos mais difíceis.

Quando proponho essa polaridade idéia/não-idéia, é preciso sempre ressaltar que não é uma taxonomia binária, isto é, não são duas categorias nas quais e possa colocar uma ou outra coisa sem nenhuma dúvida. Prefiro, então, ver como uma espécie de dois atratores, dos pólos, e os eventos (as fotos) podem ficar mais perto de um ou de outro.

Em um dos pólos, estaremos perto do conceito e do projeto básico da fotografia, em outro estaremos cada vez mais distantes desse projeto e mais submetidos ao mando da idéia.

Ao expor esse assunto, tenho consciência de não poder ser tomado como regra. Mas a alternativa é não analisar, não investigar. Falar disso é pisar em solo pantanoso, mas não falar não é mais seguro.

Artistas como o Robert Mapplethorpe viveram na transição POP, e sua produção é fotográfica mas é também POP (como a do Richard Avedon). O POP tem como característica a dissolução das fronteiras entre as artes, e não por acaso vários dos artístas do movimento usaram mídias variadas. O Mapplethorpe usa a mídia fotografia com bastante fidelidade à fotografia mesma, e somente seu depoimento é ideológico.

Nada disso seria importante se não estivéssemos sob uma ditadura contrária. Hoje, a ditadura é da idéia, não de um dogma fotográfico que pode parecer -e não é- ser o assunto deste artigo. Hoje lutar contra a idéia dominante é exatamente defender o dogma, mesmo se não achamos que seja o caso de cumpri-lo. A forma POP infiltrou-se de tal maneira em todas as artes que todas tentam todo o tempo servirem apenas de meio, e na verdade todas apresentam-se tão somente como Arte Conceitual representada e simplificada para gosto popular.

Não sei se respondi á sua mensagem. Acho que não -risos.

Obrigado pelo comentário,
Ivan