Guto;
Posso não estar correto. Na verdade, sobre qualquer assunto, a única certeza que sempre podemos ter é que o nosso pensamento não é cabal.
Mas sobre composição, proporcionamento e percepção, esse conjunto reunido, mesmo não cabalmente correto, possivelmente sou das pessoas que mais tempo de vida dedicou a conhecer o assunto. Hoje, 2008, há pelo menos 35 anos passados com interesse nisso, prático e teórico. 35 anos não são dois dias, não são dois anos.
Há 35 anos atrás, primeiroanista de Arquitetura, assisti uma aula estranha, a única sobre isso que assisti em toda a vida, na qual um professor aposentado, o Del Negro, mostrava através de velhos (mesmo na época) slides em Preto e branco a Proporção Áurea, Divina Proporção ou Razão Áurea. Dos 85 alunos de minha turma, fui o único que foi tocado pela aula e que passou a usar isso no que fazia, e posteriormente passou a investigar o porquê disso funcionar, e posteriormente ainda passou a investigar as outras formas de proporcionamento e composição, e o processo perceptivo que dá substrato a isso. Há oito anos atrás, quando fiz mestrado, fiz sobre isso, em uma reunião de informações que são completamente dispersas, que não existem reunidas e nem articuladas. Dediquei o trabalho ao Del Negro, que saiu de sua aposentadoria pelo agudo sentimento de ser importante compartilhar aquela informação com os alunos primeiroanistas, os quais, como os fotógrafos, imaginavam e ainda imaginam que tudo o que criarem deve sair "de sua inspiração", de "seu dom", de "seu talento", de seu sentimento", e que essas coisas são "bitolas".
Assim, Guto, quando muitas vezes forço -sei que forço- esse assunto, quando o debato, quando o explico, quer aqui, quer entre colegas arquitetos, estou passando o bastão que um dia recebi do Del Negro. Ele não soube que me transmitiu o bastão, e eu não sei quem pegará o "anel de bamba" quando eu não puder mais sambar (ainda está longe esse dia, felizmente). É uma missão, quase.
E nesse caminho, venho percebendo que nada ofende mais o ser humano do que dizer a ele que não possui de nascença e dentro de si a inspiração genial, que não é um artista nato e mesmo que não existe nem nunca existiu nenhum artista nato. E que, ao invés do sentimento, a ferramenta das artes é uma mistura de razão e contemplação (instrospecção), e que sem a abordagem da razão, sem o aprendizado, tudo que se faz é arte naif, fotografia naif, arquitetura naif.
Você pode entender o que digo como manifestação de vaidade. É seu direito entender assim. mas não posso deixar de notar que ao preferir entender assim você está se atendo à forma, se atendo a quem disse o quê e como, e não se atendo ao que foi dito. Provavelmente, sei por experiências similares, é porque o que foi dito não agradou, e você também provavelmente gosta da idéia do sentimento e do dom.
Grande abraço,
Ivan