Autor Tópico: Sobre aparelhos e programas  (Lida 1019 vezes)

RFP

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Online: 07 de Agosto de 2007, 10:48:30
Tendo em vista as recentes discussões sobre resolução e outros aspectos técnicos, senti falta de uma discussão sobre questões relacionadas à produção fotográfica amadora e os paradigmas de linguagem a que ela se submete. Este texto faz parte de uma série de três, sendo o primeiro publicado no Portal Photos (O Operador e o Referente na Fotografia Amadora), o segundo no Digiforum (Porque Você Não Precisa Trocar sua Câmera) e esse terceiro aqui e no Câmara Obscura.


© Cathzilla

A fotografia, para se estabelecer como forma de expressão e arte, precisa constantemente lidar com uma de suas características básicas: a de ser o produto de um aparelho. Este é um problema complexo, pois a maneira de funcionar do aparelho (ou o seu programa) delimita as possibilidades de criação. Ora, uma atividade artística, para ser plena, não deve encontrar na sua feitura limites tão fechados. Especialmente se considerarmos que os limites inscritos nas câmaras fotográficas são determinados por interesses econômicos e mercadológicos — nada mais distante do processo criativo.

Um caminho natural deste raciocínio seria discutir — como já fez Flusser — as formas de subjugar esses limites, através de uma atuação experimental e subversiva em relação ao programa. No entanto, olhando para o panorama atual da fotografia amadora, após a popularização do sistema digital, percebemos que ainda estamos longe de poder discutir o uso subversivo do aparelho. Isto porque o fotógrafo amador não chega nem a utilizar todas as possibilidades do programa — que dirá ir além dele. A produção média é tão homogênea que o uso das possibilidades inscritas no programa e que são menos comumente exploradas já quase configura um uso subversivo.

A maior parte dos fotógrafos digitais faz fotos em formato jpeg e não a modificam após sua produção na câmera. Alguns até dizem que não foi alterada com certo orgulho, como se isso fosse um atestado de competência do fotógrafo. No entanto, ignorar as possibilidades criativas (que ainda estão dentro das limitações) e contentar-se com a péssima qualidade visual de arquivos digitais inalterados — ou com alterações mínimas feitas na própria câmera — apenas denota falta de envolvimento necessário para criar uma produção de qualidade.

Afinal de contas, esse tipo de foto, pensando exclusivamente nos seus aspectos técnicos, é uma gota no oceano de fotos digitais feitas aos milhares a cada momento. A fotografia digital trouxe uma homogeneização gigantesca. Todas as fotos se parecem.

Outros amadores, entendendo a necessidade de melhora na qualidade e criação de variações dos aspectos visuais nas suas fotos, usam os programas de edição de imagem como o Photoshop e o Gimp. Esse procedimento multiplica as possibilidades criativas, ainda que essas ferramentas também tenham as suas limitações, por terem aplicações delimitadas, apesar de extensas. No entanto, a mesma homogeneização acontece aqui, de forma diferente: há uma valorização de alguns padrões estéticos, oriundos especialmente da imagem pública, seja ela publicitária, cinematográfica ou televisiva. O que ocorre é que se almeja constantemente esse mesmo referencial, e o uso dos softwares de edição também é pouco criativo, já que eles, na maioria dos casos, servem apenas para produzir imagens limpas, nítidas, contrastadas e saturadas. Ou seja, é um uso bitolado e mecânico, que também não abrange todas as possibilidades do programa.

Se entramos em uma galeria de fotos online e procuramos pelas imagens que mais agradam os visitantes, percebemos que elas obedecem esse paradigma estético vigente: são basicamente de leitura fácil, com composições simples e elementos destacados, com a nitidez, contraste e saturação citados acima. Raramente há, entre essas imagens, fotos cujo conteúdo se sobressaia aos aspectos estéticos. Há muito impacto visual e pouca narrativa, pouca elaboração, pouca construção.

Mas não nos afastemos da questão técnica. O que defendo aqui é que, se vamos nos envolver de tal forma com o aparelho, que ao menos o exploremos em todas as suas possibilidades. Sem pensar em trocar de câmera: quando se acha que precisa de uma câmera nova é porque a sua câmera velha está lhe impondo um uso mais criativo. Troque de câmera e você perderá a oportunidade de desenvolver sua criatividade e acabará fazendo as mesmas fotos que fazia antes, que o levará inevitavelmente a uma nova frustração no futuro.

Exploremos as lentes de plástico dos celulares, a profundidade de campo das compactas, as cores do filme, as objetivas das reflex, os grandes negativos do médio formato e além. Não há certo ou errado. Não se preocupe com um padrão estético engessado: se diferencie. Ouse no Photoshop: simule viragens, sobreponha fotos, inverta cores. O recado é um só: pare com tudo que está fazendo e comece a criar.