Autor Tópico: [LIVROS] "Paisagem submersa" e "Fotografia de Palco"  (Lida 2117 vezes)

Kika Salem

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Online: 03 de Setembro de 2008, 11:21:43
Paisagem submersa, fotografias de cena

de autoria de Marcelo Coelho

Jogo entre memória e esquecimento aparece em dois livros recentes de fotografia

NO VALE do Rio Jequitinhonha, entre as cidades de Berilo e Grão-Mogol, sete municípios tiveram de ser inundados para a construção de uma usina hidrelétrica. Os fotógrafos João Castilho, Pedro David e Pedro Motta resolveram registrar o cotidiano de alguns dos atingidos, a demolição de suas casas e sua transferência para um novo conjunto habitacional.
As fotos foram tiradas entre 2002 e 2007, e agora compõem "Paisagem Submersa", livro da Cosac Naify lançado recentemente, com apoio do governo de Minas, do governo federal, da Cemig e da Usiminas, entre outras empresas.
Com tais patrocinadores, seria de esperar (em outros tempos, pelo menos) uma visão para lá de "oficial": algum texto, pelo menos, que mostrasse a necessidade de mais energia elétrica no Estado e a melhoria nas condições de vida das pessoas forçadas a sair do lugar em que viviam.
"Paisagem Submersa" é bem o contrário disso. As fotos, carregadas e trágicas mesmo quando feitas à luz do meio-dia, sucedem-se sem texto nenhum e narram uma história de abandono e luto. Certo, nas páginas finais aparecem algumas imagens do interior das novas casas; são melhores do que as deixadas para trás. Mas o livro inteiro supera, com muita inteligência e arte, o que pode haver de irredimivelmente suspeito num patrocínio oficial.
O "novo mecenato" de grandes empresas públicas ou privadas e o lugar que atribui à cultura de contestação são um assunto que dá pano para manga. O fato é que o patrocínio, antigo ou moderno, nunca impediu a qualidade estética das obras patrocinadas. Tudo seria péssimo, em "Paisagem Submersa", se o ponto de vista adotado fosse sentimental. As imagens se dão em outro registro, o do presságio, do insólito e do silêncio. O livro começa com imagens de pessoas mergulhando num rio; às vezes, num salto atlético, outras vezes, como se afogadas. Algumas páginas adiante, as associações se tornam menos óbvias.
Coisas que voam pelos ares (flocos de farinha, bexigas de gás) ocupam o foco fotográfico, enquanto a maior parte dos rostos dos moradores é encoberta. Homens são retratados de costas, com o estampado da camisa mimetizando o fundo (bambus, folhagens) do retrato.
O jogo entre o desaparecimento e a memória ocupa grande parte do livro; muitas fotos são como que perguntas deixadas no ar. O que fazer com a chave da antiga casa? E os mortos enterrados ali perto? E o altar da capela, feito de gesso? Roupas velhas e antigos cadernos escolares são queimados ou deixados na mudança. Uma porta, ainda em bom estado, é carregada até a margem do rio. E a canoa, para onde vai? O livro, de capa dura e negra, fecha-se sem dizer uma única palavra. Não se trata de uma contestação, mas de uma recusa: esse silêncio é o que o torna eloqüente ao extremo.
  
Outro livro recente de fotos traz essa sensação de presságio, de iminência, de um drama que não conseguimos penetrar. Em "Fotografia de Palco" (ed. Senac), Lenise Pinheiro, colaboradora da Folha e do UOL, reúne 25 anos de seu trabalho. São quase 450 páginas em grande formato, registrando desde as primeiras montagens de Gerald Thomas com Bete Coelho, na década de 80, até peças como "A Serpente", com Débora e Cynthia Falabella, até há pouco tempo em cartaz.
O livro não segue a ordem cronológica, e sim um encadeamento, digamos, mais "dramático". O primeiro conjunto de fotos retrata atores preparando-se nos camarins. Nada mais diferente dos anônimos moradores do Vale do Jequitinhonha que essas imagens de Paulo José, Kazuo Ohno ou Fernanda Montenegro. São capazes de transmitir, entretanto, uma angústia parecida: trata-se da idéia de que algo está prestes a acontecer, e que uma força sobre a qual ninguém possui verdadeiro controle está pronta a se desencadear.
Por certo, os retratados estão ali como profissionais, dominando o seu ofício. Entre o rosto real e a máscara de cada personagem, há entretanto um lapso, que Lenise Pinheiro sabe surpreender. No momento da foto, não se sabe o que virá. E todo o tumulto de uma peça, seu significado e alarido, fogem de nós, no silêncio de cada foto que se recortou do palco.
Para onde foram, agora, todos aqueles personagens? Restam as fotografias, mostrando seus acessos, convicções e medos. À eloqüência dos atores, Lenise Pinheiro contrapõe a cor das roupas, a umidade do olhar, o grão de cada pele. Algo ali se debate contra o esquecimento: é a humanidade de cada um.

Fonte: FSP - Ilustrada - 03/09/2008
« Última modificação: 08 de Janeiro de 2010, 14:31:21 por Kika Salem »


Chello

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Resposta #1 Online: 03 de Setembro de 2008, 18:17:41
Srta Kika!
Muito interessante!
Obrigado por compartilhar!
Abs
Chello
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