Autor Tópico: [BIBLIOTECA] Fotografia em verso e prosa  (Lida 8747 vezes)

Alexandre Lourenço

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Resposta #15 Online: 10 de Outubro de 2008, 09:53:30
Outra do Tom, com Chico Buarque:

ANOS DOURADOS

Parece que dizes, te amo Maria
Na fotografia estamos felizes
Te ligo afobado e deixo confissões no gravador
Vai ser engraçado se tens um novo amor
Me vejo ao teu lado
Te amo, não lembro
Parece dezembro de um ano dourado
Parece bolero, te quero, te quero
Dizer que não quero
Teus bei jos nun ca mais
Teus bei jos nun ca mais

Não sei se eu ainda te esqueço de fato
No nosso retrato pareço tão linda
Te ligo ofegante e digo confusões no gravador
É desconcertante rever o grande amor

Meus olhos molhados, insanos dezembros,
Mas quando eu me lembro, são anos dourados
Ainda te quero, bolero, nossos versos são banais
Mas como eu te espero, teus bei- jos nun- ca mais
Teus bei- jos nun- ca mais

(Tom Jobim e Chico Buarque)


Paulo Machado

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Resposta #16 Online: 10 de Outubro de 2008, 09:57:32
Fotografia de Mallarmé - Ferreira Gullar

é uma foto
premeditada
como um crime

          basta
reparar no arranjo
das roupas os cabelos
a barba tudo
adrede preparado
- um gesto e a manta
equilibrada sobre
os ombros
cairá - e
especialmente a mão
com a caneta
detida
acima da
folha em branco: tudo
à espera
da eternidade

           sabe-se:
após o clique
a cena se desfez
na rue de Rome a vida voltou
a fluir imperfeita
mas
isso a foto não
captou que a foto
é a pose a suspensão
do tempo
     agora
     meras manchas
     no papel rastro

mas eis que
teu olhar
encontra o dele
(Mallarmé) que
       ali
do fundo
da morte
            olha
When words become unclear, I shall focus with photographs. When images become inadequate, I shall be content with silent.  - Ansel Adams


Alexandre Lourenço

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Resposta #17 Online: 10 de Outubro de 2008, 17:38:37
Tem uma música também, gravada pelo Paulinho da Viola (figura simpatissíssima, diga-se de passagem), que acho válida em postar aqui. A letra não tem nem de longe a sofisticação Tom Jobim nem a métrica de Drummond, mas fala de fotos e o fato de ser cantada pelo Paulinho cria uma atmosfera mais "polida" à música.

FOTOS E FATOS (Elton Medeiros / Otávio Moraes)

Teus retratos, saudade colecionou
De um grande amor, guardado
Entre os guardados a que o coração se acostumou

Colados por dentro da porta do armário
Horário de um tempo feliz que passou

Fotos e fatos o que passou não mudou
Nem mudarão teus atos
Só nos retratos teu sorriso lindo amarelou

Colados por dentro da porta do armário
Horário de um tempo feliz que passou

Homem nenhum se envergonha
Se guarda o que sonha
Se é sonhador
Guarda os sorrisos nas fotos
E os tempos remotos em que ela me amou

Colados por dentro da porta do armário
Horário do tempo em que ela me amou


Kika Salem

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Resposta #18 Online: 11 de Outubro de 2008, 11:04:16
Valeu gente por apresentar-nos tais poemas e músicas. Vou deixar mais um aqui para tornar mais agradável o fim de semana.

Paulinho da Viola, além de artista talentosíssimo, é uma pessoa admirável. Como tietes, minhas amigas adoram Chico Buarque, eu confesso que ele tem uma obra que eu também admiro, mas na união do artista com a pessoa eu sou muito mais Paulinho da Viola. Na minha lista dos 10+ está "Bebadosamba", lançado em 1996.

Já li muita coisa do Ferreira Gullar, sobretudo a literatura de cordel escrita no tempo do CPC da UNE e os ensaios sobre cultura brasileira nos anos 1960 e 1970. Eu tenho as primeiras edições de "Violão de rua" (com poemas dele e de outros, até do Oscar Niemeyer), "Poema sujo" e outras coisas, mas esse poema eu não conhecia. Obrigada Paulo.

Bem, mas vim aqui para deixar outro poema dentro da mesma temática escrito por Leonardo Crescenti que, até quinta, eu não conheci nem o poema nem o fotógrafo.

Tem uns filmes legais que vi quinta e sexta sobre a mesma temática que depois posto lá no tópico dos filmes.

***

O olhar fotográfico
percorre caminhos
distantes da realidade
explícita.
Fotografar é um prazer
interior, como se moldasse
um mundo meu.
Uma paisagem não é
apenas uma paisagem.
Uma parede, não é uma
parede. É o tempo
desgastado nas tintas e nas
chuvas.
Roubo da realidade o que
não existe no mundo real.
É aí que estampo meus
sonhos, e que os sonhos
saídos de mim, façam
alguém outro sonhar.

(Leonardo Crescenti)

[Não sei qual a divisão original dos versos.]


Guigo_Mr

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Resposta #19 Online: 11 de Outubro de 2008, 11:41:55
Leoni - Fotografia

Hoje o mar faz onda feito criança
No balanço calmo a gente descansa
Nessas horas dorme longe a lembrança
De ser feliz

Quando a tarde toma a gente nos braços
Sopra um vento que dissolve o cansaço
É o avesso do esforço que eu faço
Pra ser feliz

O que vai ficar na fotografia
São os laços invisíveis que havia

As cores, figuras, motivos
O sol passando sobre os amigos
Histórias, bebidas, sorrisos
E afeto em frente ao mar.

Quando as sombras vão ficando compridas
Enchendo a casa de silêncio e preguiça
Nessas horas é que Deus deixa pistas
Pra eu ser feliz

E quando o dia não passar de um retrato
Colorindo de saudade o meu quarto
Só aí vou ter certeza de fato
Que eu fui feliz

O que vai ficar na fotografia
São os laços invisíveis que havia

As cores, figuras, motivos
O sol passando sobre os amigos
Histórias, bebidas, sorrisos
E afeto em frente ao mar.


 :ok:


Alexandre Lourenço

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Resposta #20 Online: 17 de Outubro de 2008, 17:18:48
Chico Buarque

FOTO DA CAPA


O retrato do artista quando moço
Não é promissora, cândida pintura
É a figura do larápio rastaqüera
Numa foto que não era para capa
Uma pose para câmera tão dura
Cujo foco toda lírica solapa

Era rala a luz naquele calabouço
Do talento a clarabóia se tampara
E o poeta que ele sempre se soubera
Claramente não mirava algum futuro
Via o tira da sinistra que rosnara
E o fotógrafo frontal batendo a chapa

É uma foto que não era para capa
Era a mera contracara, a face obscura
O retrato da paúra quando o cara
Se prepara para dar a cara a tapa


Rodrigo U.

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Resposta #21 Online: 12 de Dezembro de 2008, 17:41:17
O que Alécio vê

A voz lhe disse ( uma secreta voz):
- Vai, Alécio, ver.
Vê e reflete o visto, e todos captem
por seu olhar o sentimento das formas
que é o sentimento primeiro - e último - da vida.

 

E Alécio vai e vê
o natural das coisas e das gentes,
o dia, em sua novidade não sabida,
a inaugurar-se todas as manhãs,
o cão, o parque, o traço da passagem
das pessoas na rua, o idílio
jamais extinto sob as ideologias,
a graça umbilical do nu feminino,
conversas de café, imagens
de que a vida flui como o Sena ou o São Francisco
para depositar-se numa folha
sobre a pedra do cais
ou para sorrir nas telas clássicas de museu
que se sabem contempladas
pela tímida (ou arrogante) desinformação das visitas,
ou ainda
para dispersar-se e concentrar-se
no jogo eterno das crianças.

 

Ai, as crianças... Para elas,
há um mirante iluminado no olhar de Alécio
e sua objetiva.
(Mas a melhor objetiva não serão os olhos líricos de Alécio?)
Tudo se resume numa fonte
e nas três menininhas peladas que a contemplam,
soberba, risonha, puríssima foto-escultura de Alécio de Andrade,
hino matinal à criação
e a continuação do mundo em esperança.

Carlos Drummond de Andrade


Alécio de Andrade, ilustre desconhecido... Impressionante que um monstro como Alécio não tenha quase nada em domínio público na internet - e mesmo no mercado editorial brasileiro, só uma brochura vagabunda do final da década de 70, e agora esse belo resgate através do catálogo da recente exposição do Instituto Moreira Salles. Evoé Alécio.
« Última modificação: 12 de Dezembro de 2008, 17:42:00 por Rodrigo U. »


Kika Salem

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Resposta #22 Online: 13 de Dezembro de 2008, 00:32:39
Esses dias eu postei esse poema num outro link sem ter visto que já existia um tópico com ele. Legal conhecer outras passagens da obra de Drummond que tratam da fotografia e por ser temas complementares, uni os dois tópicos.  :ok:
« Última modificação: 17 de Dezembro de 2008, 22:45:48 por Kika Salem »


Kika Salem

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Resposta #23 Online: 18 de Março de 2010, 16:29:36
Só mesmo um poema...
Cecília Meireles também compôs imagens belíssimas.

Encomenda
 
Desejo uma fotografia
como esta — o senhor vê? — como esta:
em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.
« Última modificação: 21 de Março de 2010, 12:14:15 por Kika Salem »


Elmo

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Resposta #24 Online: 24 de Março de 2010, 11:59:57
A Fotografia

Da hora feliz guardai a grata imagem
Não confieis tão somente á retentiva
Os encantos fugaces da paisagem.
A scena amavel, intima, emotiva.

Vôa veloz o tempo e, de passagem,
Do som, da côr, ouvido e o olhar vos priva.
E, um dia, refazendo a mesma viagem,
Não revereis a mesma perspectiva.

Fixai, amigos, na fotografia,
Os aspétos das horas de alegria
Que em sombra e luz nos fogem, num repente.

E, na imagem, gravada em claro-escuro,
Gozareis, redivivos, no futuro,
A beleza e dulçor da hora presente.

Bastos Tigre

Em tempo: Manuel de Bastos Tigre lançou, em 1934, junto com Ary Barroso, a marchinha "Chopp em Garrafa", que promovia o que hoje conhecemos como Brahma Chopp.

(A grafia está conforme publicado)
« Última modificação: 24 de Março de 2010, 12:01:32 por Elmo »