Recebi do Fernando Aznar a indicação de um artigo interessante da revista americana Rolling Stone, intitulado
"The Death of High Fidelity" (A morte da alta fidelidade), de autoria de Robert Levine. O artigo fala sobre como os novos formatos de música, como o MP3, contém menos informações e menos qualidade do que um CD, que por sua vez também tem diferenças em relação ao som do vinil, que não sofre da compressão dos arquivos no sistema digital. Um trecho do artigo fala sobre a gravação dos MP3:
"Para criar um MP3, o computador lê a música do CD e a comprime em um arquivo menor excluindo a informação musical que tende a ser menos notada pelo ouvido humano. Grande parte da informação deixada de fora está nos extremos altos e baixos, fazendo com que alguns MP3 pareçam desafinados. Cavallo diz que os MP3s não reproduzem bem as reverberações, e a falta de detalhes nos tons altos tornam o som quebradiço. Sem os baixos, ele diz, 'você não sente mais o impacto. Ele diminui o impacto do bumbo e da distorção do auto-falante quando o guitarrista toca uma power chord'."
O artigo comenta ainda que as gravadoras parecem estar numa competição pelo volume máximo, deixando de lado as variações na intensidade das músicas e esquecendo os detalhes. Tudo soa alto e claro e as nuances são perdidas. Isso reflete o hábito dos consumidores, que "nos anos sessenta e setenta prestavam atenção nas músicas", mas agora a música é ouvida enquanto se fazem outras coisas e precisa competir pela atenção do ouvinte.
É irresistível fazer a comparação com a fotografia. No entanto, em vez de estarmos na época do alto e claro, estamos na do nítido e claro. Afinal de contas, há milhares de imagens competindo pela nossa atenção a todo momento, e as mais nítidas e claras são as que vencem. A fotografia digital se adequou muito bem a essa proposta, com o crescimento vertiginoso da resolução das câmeras e lentes cada vez mais afiadas. No entanto, será que, assim como no caso do som, tenhamos perdido a sensibilidade para certas nuances e detalhes que se perderam na transição do filme para o sistema digital?
Podemos encontrar na internet milhões de discussões e artigos comparando a fotografia analógica com a digital. Poucas, no entanto, levam em consideração esse tipo de detalhe ou investigam a questão da mudança na percepção das imagens. A maioria se baseia em critérios objetivos como a resolução. Esse é um aspecto no qual a fotografia digital levar vantagem é uma questão de tempo, se é que já não ocorreu. Mas será que isso dá conta da questão? Existem certos aspectos da qualidade das fotos que não vemos, em geral, bem reproduzidos no sistema digital, como a variação de tonalidades que temos em um filme preto e branco, a saturação forte mas íntegra de um cromo ou mesmo o volume que temos num negativo colorido barato. Ou seja, valorizam-se números, mas a percepção é deixada de lado, quando o prazer que temos em ver uma foto agradável ou uma música bem tocada é o que realmente importa, e não quantos megapixels ou bits por segundo tem um arquivo.
Não quero dizer com isso que o filme seja melhor, até porque acredito que um arquivo digital bem trabalhado pode trazer tranquilamente esses aspectos característicos da fotografia analógica. O que eu quero dizer é que novas tecnologias podem fazer com que percamos a sensibilidade para certos aspectos de qualidade, tais quais os graves perdidos num arquivo MP3. Não é a questão se o MP3 é melhor ou pior, mais ou menos prático, mas sim se a nossa percepção e o nosso julgamento do que é bom esteticamente continua intacto quando novas formas de fazer as coisas surgem. Isso não implica em rejeitar as novas tecnologias, mas ter senso crítico em relação ao novo e, quando possível, adaptá-las de forma que seja possível manter a qualidade com a qual estamos acostumados.
Preciso repetir para que fique claro: esse texto não é sobre filme contra digital, e sim sobre a nossa percepção e a nossa forma de fazer as coisas. Não importa como objetivos são atingidos, desde que se tenha consciência das possibilidades e não se aceite um determinado tipo de linguagem como único padrão de qualidade. Nesse sentido, vale a pena olhar para diversos métodos e seus resultados, não para imitá-los, mas para que se possa ter o máximo de referências de bons aspectos a se perseguir e para que a sua fotografia (ou a sua música) não seja apenas boa, mas tenha uma identidade própria.
Para ilustrar (e talvez provocar), a foto abaixo, de autoria de
Phil Hilfiker, é digital, mas contém as qualidades de uma foto noturna de filme. E foi feita com uma "reles" compacta de 3 megapixels da Olympus, a
C-3040.
Recomendo a leitura dos ótimos comentários a esse artigo feitos no
Câmara Obscura por Guaracy Monteiro, Nelson González Leal e Ivan de Almeida.
Autores das fotos que ilustram o artigo:
John ShappellIliasMugley