Esse texto é uma resposta ao tópico abaixo, mas como fugi do assunto central, criei um novo tópico para se discutir a construção da imagem.
http://forum.mundofotografico.com.br/index.php?topic=34539.0Uma imagem descolada de uma série de fatores não é capaz de se sustentar sozinha. Ao contrário, ela dialogo com uma série de linguagens - visual, obviamente, mas também a narrativa e a poética -, além de uma gama de informações - de natureza sociológica, histórica, biográfica, técnica e estética.
Baseado nesse conjunto de elementos, a análise da fotografia não se sustenta apenas no que vemos de imediato (a informação visual direta), mas também no que está ali representado, mas que nem todos têm dimensão que existem (elementos implícitos, por exemplo).
Portanto, a análise de uma fotografia requisita uma abordagem interdisciplinar. Como afirmou Charles Perrone, num livro de análise sobre o registro musical, a análise de uma obra por apenas um viés (seja ele estético, técnico, biográfico, histórico etc.) pode ser válida em muitos casos, mas será sempre arbitrária e incompleta. O autor referia-se aos trabalhos que separam letra e música, aqui podemos pensar nas análises que supervalorizam a técnica em detrimento de outros elementos como a composição ou vice-versa.
A fotografia, por sua vez, não deve ser reduzida ou submetida ao contexto que a gerou, pautando-se por esquemas reducionistas e simplistas do tipo ação/reação, como se fosse uma conseqüência direta e sem mediação do contexto de produção simplesmente.
Portanto, o registro fotográfico, enquanto conjunto e complemento, deve ser analisado de acordo com os parâmetros visuais, poéticos e narrativos, aliados ao sentido cultural, social, estético e tecnológico.
No entanto, penso que a separação de tais vetores pode ser consentida para fins didáticos ou comunicativos.
Sem nenhum rigor, selecionei exemplos aleatórios para tratar de alguns desses parâmetros.
Vou dizer uma coisa aqui que pode parecer polêmica, embora pra mim não seja.
No meu modo de ver, a foto que deu origem ao tópico não teria nenhuma relevância se não estivesse atrelada ao contexto histórico, não fosse considerada as limitações técnicas da época assim como as especificidades da fotografia de guerra, nem tivesse inserida num conjunto maior que é a obra de Robert Capa. Uma análise dela, portanto, deveria eleger como elementos importantes, entre outros: o
contexto, a
técnica, o
fotógrafo e a
especialidade.
A foto abaixo é outro exemplo. Quando eu folheei um livro do autor dela, eu destaquei-a como uma das minhas preferidas. Se fosse eu quem a tivesse feito, uns iam gostar, outros iam achar sem graça, alguns até iam me chamar de saudosista porque estaria empregando uma técnica que não condiz com o meu tempo. De todo modo e apesar das opiniões divergentes, ela com certeza não entraria para a história da fotografia, por um simples motivo: se feita por mim, ela não faria parte de um conjunto de fotos importantes nem seria de um autor com uma trajetória destacada.
É por isso que eu não vejo sentido quando alguém pega uma foto aleatória, sem indicar o autor da imagem nem outro elemento qualquer, e pergunta aos colegas do fórum o que eles vêem de interessante naquela imagem, baseando-se ora na crença de que uma foto se encerra em si mesma, ora na tentativa de se autoafirmar. Em alguns casos, soa como se dissesse: "- Vejam vocês, como minhas fotos são superiores a esta (e às vezes podem até ser dependendo do que elegemos como "superior"), mas, no entanto, eu não integro a história da fotografia, mal consigo manter-me com o que eu ganha com ela" (quando ganha obviamente).
Não quero, ao dizer isso, constranger alguém (falo genericamente), mas mostrar o quão inconsistente é a iniciativa porque uma foto, assim como outras representações, está intrinsecamente relacionada ao universo que a compõe, um universo extremamente rico em se tratando de magia/arte/técnica/política (trocadilho com o livro do W. Benjamin), nem um pouco limitado a um único fator.
A foto abaixo, ao meu ver, é parente próximo da música "Samba de uma nota só" ou então da "Desafinado", pra fazer a analogia com a música novamente, embora seus autores fossem de nacionalidades diferentes e nem se conheceram.
Esta foto pode ser bonita para uns, feia para outros e não representar nada para muitos, do mesmo jeito que a canção não significou nada para aqueles que nunca ouviram falar ou ouviram vagamente sobre
metalinguagem. (Só pra lembrar, já vi uma análise bem interessante desta foto neste fórum, se não me engano).
A imagem abaixo também não significaria nada, nem pra mim nem pra ninguém, se não soubéssemos sobre que circunstâncias ela foi produzida, sobre as dificuldades técnicas, o caráter experimental e, principalmente, sobre a importância do seu autor na história da fotografia. Portanto aqui elementos como
técnica,
contexto e
fotógrafo são imprescindíveis para validar a importância dela num contexto mais amplo.
A foto abaixo talvez não representasse nada se fosse de uns bêbados comuns, feita por mim aqui no bar da esquina, mas como se trata de grandes nomes da MPB, feita num momento de descontração, por um importante fotógrafo brasileiro, ela adquire outro significado.
Enfim, nem vou tocar no assunto das
intenções do trabalho (se visa lucro, não visa, se foi feito por encomenda, não foi) nem do
público receptor que também são importantes, mas tenho a sensação de que comecei a fugir do assunto, como sempre.
Antes de concluir, gostaria de dizer que, mesmo considerando todos os elementos expostos acima, dificilmente a análise de uma fotografia será igual para mais de uma pessoa. O caráter polissêmico de uma foto, de uma imagem, pode sugerir múltiplos sentidos, dependendo de como é percebido e observado, por um determinado indivíduo, o entrelaçamento das instâncias que a compõem. Conseqüentemente, várias interpretações podem ser realizadas a respeito de um mesmo fotógrafo ou de uma mesma fotografia.
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Devo lembrar que isso é apenas um exercício de análise, não é resultado de um amplo conhecimento da área nem tampouco de leituras realizadas com algum rigor/disciplina, apesar de ter algum embasamento por ter, outrora, abordado um assunto afim.