Autor Tópico: [ARTIGO] Os mitos da atividade fotográfica  (Lida 18536 vezes)

RFP

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Online: 05 de Outubro de 2009, 08:42:18
Publicado originalmente no Câmara Obscura.

A partir de uma conversa sobre um texto do Ivan, em que ele descreve o processo de fazer e selecionar uma foto, surgiu a questão de quantos mitos são cultivados pelas pessoas que se interessam pela fotografia de uma forma mais séria. Em especial, são cultivados por amadores, que idealizam o fazer fotográfico e os fotógrafos consagrados. Essas concepções muitas vezes limitam e dificultam a atividade criativa de quem fotografa, pois estabelece uma série de regras relativas a como as coisas devem ser. Os fotógrafos profissionais, em sua maioria, conhecem melhor o processo e não podem se dar ao luxo de limitar o próprio trabalho, e costumam cair menos nesse tipo de erro. Vamos pensar em alguns dos mais citados.

O mito do controle

Mostre uma foto para um fotógrafo amador e um dos comentários que você pode ouvir é: "está boa, mas esta árvore atrapalhou". Você pode responder simplesmente: "mas ela estava lá" ou "é que eu estava sem a minha retroescavadeira na hora, senão a teria tirado dali". A fotografia não é uma pintura. Não é possível controlar tudo o que vai sair na foto, mesmo quando se trabalha em estúdio. Pelo mesmo processo, mas da forma inversa, é possível ouvir elogios a uma foto que nada tem a ver com o trabalho do fotógrafo: "esta flor é muito bonita". Pois bem, o que é bonito é o objeto e não a foto. Não há muito mérito aí, apenas um reconhecimento. É preciso entender então, o que está de fato sob o controle do fotógrafo (o corte, o ângulo, a escolha da lente, a leitura da luz, o conceito) e o que é característica da cena, pois assim é possível reconhecer o que é criação e dar o valor correto ao trabalho que foi feito.

O mito da originalidade

Tem-se uma idéia de que para ser bom, é preciso ser diferente. Isso pode ter sido verdade um dia, mas no mundo de hoje, saturado de imagens de todos os tipos e em que milhares de fotos são publicadas a cada segundo na internet, preocupar-se com ser original é uma atitude masoquista. É muito difícil fazer algo novo, e mais difícil ainda fazer algo novo todos os dias. Faz muito mais sentido ter uma produção coerente, coesa e significativa, mesmo que seja apenas do ponto de vista pessoal, do que querer ser diferente. Até porque ser diferente sem conteúdo não quer dizer nada. Outra faceta do mito da originalidade é que não se pode "copiar" um estilo. Ora, todos os grandes artistas são conscientes da influência que sofreram. Dificilmente se vai longe quando se começa do zero. É permitido ser influenciado, é permitido reler o trabalho de outras pessoas. Isso faz parte da arte e não diminui o que você faz.

O mito da foto única

Eu gosto bastante de ver em uma exposição uma obra pronta, de qualquer tipo, junto com os diversos estudos e esboços que o artista fez preliminarmente. Isso mostra que as boas obras de arte não são fruto de um rompante intenso e apaixonado. Geralmente, são fruto de um trabalho árduo e sistemático em que diversas possibilidades são testadas, resultados organizados, elementos categorizados etc. Da mesma forma, é muito interessante ver contatos de fotógrafos famosos e ver o quanto de suas fotografias são descartadas. Bons fotógrafos não fazem apenas uma foto. Fazer muitas, e escolhem as melhores. Para fazer uma foto boa, é preciso fazer dezenas ou centenas de "ruins". E não há nada de errado com isso, faz parte do processo. E aqueles que olham para esse processo buscando o que deu certo ou não têm mais chance de conseguir bons resultados de forma consciente.

O mito da foto pronta

Este é um mito originário da época do filme e que, surpreendentemente, se mantém nos tempos digitais. Antigamente, fazíamos as fotos, deixávamos no laboratório e recebíamos cópias ampliadas perfeitas, bem equilibradas em relação à luz e às cores (salvo algum desastre). O problema é que não se via que o funcionário do laboratório fazia cortes, corrigia cores, equlibrava a exposição e outras coisas. E hoje, quando podemos ver e controlar esse processo nos programas de edição de imagens, temos uma idéia de que isso significa trapacear, e que os bons fotógrafos não precisam disso. Entretanto, um fotógrafo realmente bom procurará fotografar no sentido mais amplo, que é de processar as suas fotografias depois do trabalho com a câmera. Se negar a fazer isso significa jogar fora pelo menos 50% da possibilidade de criação envolvida no processo. Ao selecionar as fotos, ao cortar, alterar exposição, cores, luzes etc. ele está criando muito mais do que no momento em que aperta o botão da máquina. E a fotografia é apenas uma interpretação das coisas: ela pode ser reinterpretada de diversas formas sem perder o seu valor por causa disso.

O mito do instante decisivo

Muitos fotógrafos amadores se sentirão ofendidos se alguém qualificar a fotografia como um mero apertar de botão. No entanto, muitos deles confirmam essa concepção ao acreditar que a fotografia é feita exclusivamente na câmera. Tende-se a supervalorizar o equipamento e acreditar que toda a atividade fotográfica se resume à sua operação. Logo, um bom fotógrafo é aquele que sabe mexer numa câmera, que sabe usar controles manuais — ou seja, que tem o total controle da máquina no tal instante decisivo. No entanto, a fotografia é muito mais ampla do que isso. Ela começa a ser feita muito antes de se pegar na máquina e termina muito depois. O fotógrafo pode escolher reconhecer esse processo ou não. O planejamento, a escolha do assunto, a expressão de um conceito, a leitura da luz são exemplos da fotografia anterior à câmera. Selecionar e descartar fotos, processá-las num editor de imagens, selecionar o suporte, imprimir, ampliar, pendurá-las na parede ou vendê-las são elementos da fotografia após a câmera. Quem reconhece tudo isso e entende que operar a câmera é apenas mais um elemento nessa cadeia tem mais chance de conseguir boas fotos.

Esses são apenas alguns de muitos outros mitos possíveis. O fundamental é que essas crenças levam a uma visão distorcida da fotografia, em que se tem uma série de regras sobre o que é certo ou é errado. Mas, se tratando de processos criativos, é contraprodutivo se autolimitar de forma inconsciente, sem questionar as regras que se está obedecendo. Cada um é livre para entender a fotografia de qualquer forma, seja de uma forma mais restrita ou mais ampla, mas que isso seja feito a partir dos próprios interesses e objetivos,  não a partir de concepções rígidas e pré-históricas que nem se sabe porque estão sendo aplicadas.

A fotografia amadora deveria ser muito mais livre, uma vez que não é encomendada nem precisa seguir um determinado padrão. No entanto, ao se apropriar, sem questionamento, de regras que apenas cerceiam as possibilidades, ela se torna mais engessada do que a fotografia profissional. Não é paradoxal?


Ricardo Leite

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Resposta #1 Online: 05 de Outubro de 2009, 10:28:52
Artigo muito bom.

Lançou um pouco de luz sobre minha atual fase na fotografia; a da superação desses mitos, verdadeiros obstáculos no aprendizado. Estar consciente da incompetência me intimida a criatividade. Toda a carga de informações, teóricas ou práticas, todo o vasto material de fácil acesso na internet; de certa forma me incomodaram muito. Mas sob esta luz o caminho torna-se um pouco menos árduo. De ceta forma estou começando a visualizar tudo por aquela distância na qual inevitavelmente perco parte dos detalhes, todavia ganho muito na compreensão de onde realmente quero chegar no mundo da fotografia.

Abraço



Randal.Junior

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Resposta #2 Online: 05 de Outubro de 2009, 19:45:59
Me deparei com esse aspecto esse fds.
Dei minha câmera p/ minha namorada tirar algumas fotos, e foi nítido o bloqueio dela em como fazer a melhor foto, ou uma foto boa.
Estávamos fotografando algumas crianças em um aniversário e ela relutava a bater fotos. Olhava, corria, virava e nada de cliques.

Eu tive que soltar um "Senta o dedo!" aos berros fazer a primeira foto.
E ela ficou com uma cara de "Eu estava procurando o momento", mas mesmo assim perdendo as melhores gargalhadas.
Randal Junior
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raulsouza

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Resposta #3 Online: 05 de Outubro de 2009, 20:11:55
Muito bom, leitura obrigatória!  :clap: :clap: :clap:


Alexis Marinho

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Resposta #4 Online: 07 de Outubro de 2009, 16:59:47
Texto muito bom, parabéns!
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leonardo gabriel

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Resposta #5 Online: 07 de Outubro de 2009, 22:44:22
impressionante como os cliches estão em todas as areas...o texto foi muito importante p/ mim...parabens..


MIL_

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Resposta #6 Online: 14 de Outubro de 2009, 08:19:41
Excelente texto. Estou pensando seriamente em tirar várias cópias e manter comigo para entregar àqueles que pensam (será???) que só porque temos um equipamento fotográfico um pouco melhor que os normais é a máquina e não o ser humano por trás da foto. Ou o que fazemos não é mais que uma mera obrigação pela arte em que nos dedicamos.
« Última modificação: 14 de Outubro de 2009, 08:21:15 por MIL_ »
MIL_


phlinha

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Resposta #7 Online: 14 de Outubro de 2009, 10:38:07
Parabéns pelo texto.Já estava na hora de alguém mexer com muitos conceitos errôneos e crenças sem fundamento Complementaria citando uma frase do Ansel Adams: "fotografar é colocar ordem no caos".Aliás,quem se dedicar ao estudo profundo de seus três livros (Camera,Negative e Print - o Senac traduziu)saberá a diferença entre "fazer" e criar uma foto. :clap:


Douglas Tude

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Resposta #8 Online: 15 de Outubro de 2009, 20:27:46
Excele post realmente. :clap: Muitíssimo interessante! Me lembrei duma vez quando tirei uma das primeiras fotos do meu cão chamado Flash, um belo cão da raça Pastor Alemão. Ele ficou numa pose muito bonita. Mas tinha, ao fundo, um prédio com uma parede toda pixada. Daí, no Photoshop, removi aquela parede horrível e acrescentei uma lagoa de uma outra foto que eu havia tirado dele, cuja pose não estava tão bonita assim. Procurei tirar o melhor de cada foto. Depois que eu tive todo aquele trabalho de edição, me apareceu um expert dizendo que não gostou da foto por que o fundo tava muito bonito e tava chamando muita atenção! :hysterical:
Um forte abraço,
   Douglas Tude


Gil.Photo

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Resposta #9 Online: 15 de Outubro de 2009, 20:54:21
Excelente artigo! É de leitura obrigatória à todos os fotografos.


lucasaboudib

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Resposta #10 Online: 17 de Outubro de 2009, 02:43:39
olha no inicio não concordei com algumas coisas mas no fundo está certo. o mundo é esse mesmo sempre. repetitivo até, mas o ser humano precisa da diferença para evoluir. e cada qual faz a sua parte, porque agente não vive para o outro, vive para o proximo, menos erudito: o que "está" ai seu lado.


Ivan Mazzei

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Resposta #11 Online: 17 de Outubro de 2009, 06:10:21
Sou eu esse cara que pensava de forma limitada, quanto ao da foto perfeita nao necessita retoques, sempre faço alguns retoques nas minhas, mas fico sempre com a sensaçao de que estou trapaceando, e nunca me sinto bem com as minha fotos, valeu, muito obrigado mesmo.


Wallentina

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Resposta #12 Online: 19 de Outubro de 2009, 00:12:26
Muito bom o artigo. Algumas pessoas que eu conheço precisam ler esse artigo.
Valeu!


KDEWolf

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Resposta #13 Online: 19 de Outubro de 2009, 02:12:51
RFP, não poderia concordar mais!

Eu, como amador, já tive alguns "tabus pessoais" quando comecei a levar mais seriamente o hobby fotográfico. Com o tempo, fui percebendo tudo isso o que foi falado.

A coisa que me irrita, realmente, embora eu acabe relevando, é a supervalorização do equipamento e do objeto de fotografia. Qualquer foto que apeteça à pessoa logo ativa uma bandeirinha "nossa, a sua câmera deve ser muito boa", etc.

De qualquer modo, prometo linkar amigos ao seu artigo! Pegar um atalho na vida e derrubar logo esses tabus.
~MNovaes


rosa da caatinga

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Resposta #14 Online: 24 de Outubro de 2009, 12:17:05
Alívio imediato traz a leitura do seu texto. Nossa, quanto tempo levamos na frente de um computador estudando os resultados de uma foto. Pra que? Pra descartá-la ou descobrir o seu valor, embutido num detalhe ou outro.