Só lembrando que retoques sempre foram usados na fotografia, desde os tempos mais remotos. Só não eram tão acessíveis e tão cheios de possibilidades, como hoje em dia. Na verdade muitos dos grandes fotógrafos de antigamente o eram por dominarem química e retoques (o PS do processo químico), ou por terem excelentes laboratoristas a eles associados.
Mas penso que o problema é que a popularização provocada pela facilidade de se dominar tal parte do processo fez surgirem os usos inadequados. A fotografia não deixa de ser fotografia por sofrer retoques e nem acredito que o fotógrafo seja pior por retocar (mesmo porque essa é uma parte importante do processo e o bom fotógrafo é aquele que domina todas as etapas do processo).
O que não pode acontecer são duas coisas. A primeira é uma parte do processo virar muleta da outra. No final da era química o que se via era exatamente o processo inverso. Muitos confiando no controle da luz e a crescente difusão das luzes e opções de estúdio e poucos com domínio sobre outras etapas do processo, como técnica (ofuscada pelos modos automáticos), cenografia e pós-processo, que eram conhecimentos mais difíceis. Com a entrada do digital o pós-processo (antes a parte mais difícil) se tornou a parte mais fácil da fotografia, em termos de aprendizado para a nova geração, e isso acabou provocando um desvio no outro sentido. Esqueceu-se a técnica, a iluminação a cenografia e tudo mais em detrimento do pós-processo, agora mais poderoso e acessível. Nenhuma das duas coisas é saudável, o bom fotógrafo é aquele que tem domínio consistente sobre todas as etapas do processo.
A segunda coisa problemática foi o uso inescrupuloso que tais recursos tomaram na fotografia, principalmente a de moda e publicidade, e que permearam até mesmo o fotojornalismo. Este tipo de fotografia acabou usando os retoques para vender produtos e conceitos que não existiam, enganando e ludibriando as pessoas através da fotografia. A coisa chegou a um nível tal que acabou sendo usada para o absurdo de manipular a verdade jornalística, coisa que vinha perdendo força no final da era química (que também sofreu com tais tipos de manipulação mas normalmente amparadas pela cenografia). Isso tinha que acabar, seja por exigência governamental, seja por uma transformação ética das empresas, ou até mesmo por pressão comercial (que é o que vem acontecendo).
Portanto o problema não é o retoque em si. É seu uso como muleta para os fotógrafos incompletos (assim como a luz foi usada no passado) e seu uso inescrupuloso como ferramenta de manipulação. Particularmente eu sou uma pessoa bastante feliz neste sentido, porque não usava retoques para mudar minha fotografia, mas apenas como instrumento para obter resultados tonais e retocar uma espinha e algo do tipo. Nunca me senti confortável para remover uma cicatriz da modelo ou o cúmulo de alterar a forma de seu corpo. Ou mesmo de tapar falhas e pequenos descuidos da produção. Em alguns casos até fui criticado por isso, mas me mantive fiel às minhas crenças de que a realidade possui uma aparente ordem e simetria, mas no fundo é formada por caos e assimetria. Veja que não é por não dominar esta etapa do processo que não o levo ao extremo, já mostrei por aqui alguns extremos de tratamento, e sim porque eu em particular não gosto do resultado artificial e acima de tudo não concordo com o uso que é feito deste tipo de trabalho.