Olá, prezados.
Com o intuito de gerar uma discussão produtiva (e também um pouco de polêmica) acerca do tema do tópico, começo afirmando que o preceito “momento decisivo”, atribuído a Henry Cartier Bresson, não pode ter sua utilização plena atrelada unicamente a determinados tipos de câmeras, nominalmente as de visor direto, como as “rangefinder”. Essa condição é muito difundida e aceita por aí, a torto e a direito, servindo, inclusive, para enaltecer uma certa marca, colocando-a no pedestal supremo da arte fotográfica. Porém, após uma rápida análise da questão, ficará fácil concluir que esse tipo de câmera é um dos piores que existem para a concepção corrente sobre o tema, dependendo, é claro, de quem a utiliza.
Explicando: essa concepção afirma que o fato de o tipo de visor que essas câmeras utilizam permitir permanente contato visual com a cena a ser retratada, poder-se-ia escolher o momento exato de apertar o botão, capturando o tal “momento decisivo”. Reza ainda essa concepção que isso não seria possível, por exemplo, com as SLR’s, pois nestas o visor é momentaneamente escurecido no momento da exposição. Esse “black out”, portanto, seria o fator impeditivo para o pleno desenvolvimento do preceito em questão.
Então, analisando um exemplo clássico...
Um fotógrafo está com sua rangefinder ao lado de uma grande poça d’água, onde está uma escada, entre outras coisas. De repente, ele antevê que um cidadão que se aproxima efetuará um salto, tentando transpor a poça d’água sem molhar seus pés. Agindo rapidamente, ele aponta sua câmera para o local onde se desenrolará a ação, olha pelo visor e espera pelo exato momento em que deverá apertar o botão do obturador. Como é um fotógrafo experiente, acerta em cheio este momento, capturando com precisão o instante em que o pé do cidadão está prestes a tocar a água, sem, contudo, fazê-lo. Pronto, o preceito do “momento decisivo” terá nessa foto um dos seus maiores pilares de argumentação. Tudo muito lindo...
Isso posto, vamos tentar, então, nos aprofundar nessa teoria que tenta associar esse sucesso a um determinado tipo de visor. Presumamos que um fotógrafo, munido de uma câmera de visor direto, mesmo sendo muito experiente, perceba que o instante que ele escolheu para registrar o “momento decisivo” foi um equívoco, e que este momento está ocorrendo justamente agora, 0,35 seg. após ele ter disparado. Todo mundo que ler isso pensará: sem problemas, afinal ele está usando uma câmera com visor direto, portanto, ele não perdeu o contato visual com o desenrolar da cena (como teria acontecido caso ele estivesse usando uma SLR) e, como todo mundo sabe, esse tipo de câmera é o mais indicado para capturar o “momento decisivo”. Mas, e aí? Se o momento que ele julgou ser o “decisivo” não o foi, ele já terá feito o disparo e não poderá capturar nada que ocorra antes de, pelo menos, uns 3 a 5 segundos, que é o tempo necessário para ele avançar manualmente o filme. Não estou nem considerando que para fazer isso ele terá que, mesmo num gesto curto, tirar os olhos do visor para girar o mecanismo de avanço do filme, voltar a olhar pelo visor, re-enquadrar a cena e disparar novamente. No caso do exemplo, após o fotógrafo fazer tudo isso o cidadão já estará com os dois pés e metade das canelas molhados, tentando sair da enorme poça d’água. Ou seja, ele perdeu o verdadeiro “momento decisivo”.
Agora, vamos considerar que o fotógrafo em questão esteja munido de uma SLR, equipada com um “winder” capaz de proporcionar a obtenção de três fotos por segundo (essa situação, sendo fictícia, não leva em consideração a possibilidade de não existir ainda tal acessório, à época do exemplo aludido). Sendo um fotógrafo experiente, ele sabe que existe a possibilidade de perder o instante exato que ele deseja capturar, afinal, como qualquer ser humano, ele está sujeito a erros. Então ele, inteligentemente, ajusta sua câmera para avançar automaticamente a 3 quadros por segundo. Isso feito, ele aguarda o instante de apertar o botão do disparador e, julgando que este instante chegou, dispara sua câmera, mantendo o botão do obturador pressionado, capturando três fotos em sequência. Ao verificar seu trabalho, ele se deparará com diversos resultados, que poderão variar entre o sucesso e o fracasso, abrangendo vários “degraus” entre esses dois pontos antagônicos. Caso ele tenha sucesso em uma das fotos, o objetivo foi atingido, mesmo que sem sua completa interferência. Talvez seja melhor assim do que perder o instante exato e ainda ter a frustração de assisti-lo acontecendo através do visor, sem poder fazer nada.
Comparando as duas situações, podemos concluir:
- Se o fotógrafo é experiente e desenvolveu ao máximo as ações necessárias para a captura do “momento decisivo”, ele o fará com qualquer tipo de câmera (ressalvando-se aqui a restrição às câmeras que não disparam instantaneamente, ou seja, possuem um “lag time” no disparo). Claro, pois ele sempre (ou quase) disparará sua câmera no momento que ele escolheu como “decisivo”, pouco importando se ele teve o visor de sua câmera obscurecido por um brevíssimo lapso de tempo ou não. Mesmo porque, como foi demonstrado acima, de nada adiantaria ele perceber que o momento não foi o correto, e que este momento está ocorrendo agora, durante o disparo da câmera, se ele não poderá fazer nada, perdendo assim o “momento decisivo”.
- Se o fotógrafo não é nenhuma sumidade em capturar, por falta de aptidão, de treino ou de experiência, o “momento decisivo”, ele deverá utilizar não necessariamente uma câmera de visor direto, mas sim qualquer uma que dispare a, pelo menos, 3 quadros por segundo. Isso não significará que ele terá sucesso sempre, mas ampliará em muito essa possibilidade.
Não desejo discutir aqui a capacidade de um fotógrafo em acertar, na maioria dos casos, o exato instante de disparar sua câmera, obtendo o tal “momento decisivo”. Minha afirmação, agora mais do que uma conjectura, é de que o tipo de câmera consagrada como sendo a ideal para a obtenção desse momento só o será nas mãos de um fotógrafo excelente nesse conceito. Como, por exemplo, o Henry Cartier Bresson. Nas mãos de um fotógrafo comum ou, pelo menos, não tão bem treinado, elas são as piores; nesse caso, as melhores câmeras poderão ser qualquer uma que dispare a, pelo menos, 3 quadros por segundo.
Abraços.