Autor Tópico: A foto maior que o momento...  (Lida 1609 vezes)

Elmo

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Online: 14 de Novembro de 2010, 11:52:35
C'est l'artiste qui est véridique et c'est la photographie qui est menteuse : car dans la réalité, le temps ne s'arrête pas.

August Rodin


Essa frase de Rodin se destacou, pra mim, no excelente texto de Peter Galassi, no livro "Henri Cartier-Bresson - Tempos Modernos", o qual não pude me conter em compartilhar um excerto, onde ele analisa essa famosa foto de Bresson:



Segue infra:

"A excelente foto feita em um campo de deportados em Dessau, Alemanha, em 1945, durante a filmagem de The Return é um bom exemplo. Em um interrogatório improvisado ao ar livre, uma mulher que havia sido delatada à Gestapo denunciou veemente a informante que o fizera. (...) Na foto, a mulher delatada está no ato de agredir a informante, cuja abjeta humilhação habita o corpo inteiro, até o polegar nervosamente enfiado em seu punho. Como nas antigas fotos de parada do movimento de Hyères e na Gare Saint-Lazare, tudo está imóvel exceto pelo pedacinho vital da ação. Nesse caso, porém, um elenco de personagens de apoio emoldura e amplia o evento. O interrogador fecha a cena à direita; à esquerda está um prisioneiro parado em seu uniforme listrado; entre eles, um friso de observadores compõe um coro grego.

(...)

Opondo-se à autoridade de que era creditada às sequências de Muybridge e a outras fotos stop-action, Auguste Rodin clamava: "É o artista que é fiel e a fotografia que mente, pois, na realidade, o tempo não se imobiliza". É por isso que a foto de Cartier-Bresson do confronto em Dessau é muito mais poderosa que o breve surgimento do mesmo incidente em The Return - que mostra que o incidente em movimento, mas se esvai tão abruptamente quando chega. A força da imagem não se deve a ela ser muito real, mas à sua extrema artificialidade, conforme corretamente salientava Rodin.

Em tal foto, há dois momentos decisivos totalmente distintos, conforme sugeriu Cartier-Bresson em sua famosa observação: "Pra mim, a fotografia é o reconhecimento simultâneo em uma fração de segundo, do significado de um evento". O primeiro moemnto é o Climax do confronto - a raiva da protagonista, a culpa da outra, e entre elas, o golpe que está prestes a ser dado. Nos termos da definição de Cartier-Bresson, esse era um evento significativo. Esse significado não dependia em nada da presença do fotógrafo.

(...)

Nesse sentido, a foto de Dessau é muito rara. Em grande parte do tempo, o assunto não oferece nenhum momento decisivo; o climax de significado é criado pela foto e existe somente nela."

Aqui você poderá ver o momento, filmado em The Return, e conferir o que fala o texto acima.

http://www.youtube.com/watch?v=XCwvTGVCOJE
« Última modificação: 14 de Novembro de 2010, 11:56:33 por Elmo »


Mr. Hyde

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Resposta #1 Online: 14 de Novembro de 2010, 14:57:42
 :clap:

Excelente Elmo... Doses homeopáticas de história da fotografia.  :ok:

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rahmati

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Resposta #2 Online: 20 de Novembro de 2010, 18:45:20
Nesse sentido, a foto de Dessau é muito rara. Em grande parte do tempo, o assunto não oferece nenhum momento decisivo; o climax de significado é criado pela foto e existe somente nela."

É bem isso que diferencia uma imagem meramente pictórica de uma com significado, não é? Como por exemplo, uma oposição drástica: As fotos - em geral- do HCB e a que ganhou o World Press esse ano... Correto?
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jeff cann

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Resposta #3 Online: 22 de Novembro de 2010, 22:54:05
Obrigado por compartilhar, muito interessante a analise e impressionante como o HCB conseguia narrar toda uma história com apenas uma foto.


Elmo

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Resposta #4 Online: 29 de Novembro de 2010, 06:30:38
Mais uma:



Tenho estudado muito sobre Bresson ultimamente, e verificado que ele, como fotojornalista, era mais que completo.

Um exemplo disso é a foto acima.

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, em Nova Delhi, Lord Mountbatten, o vice-rei britânico se apresenta nessa foto, pomposo, ao lado de sua esposa, Lady Edwina. Entre eles, o Pandit Jawaharla Nehru, futuro primeiro-ministro da Índia livre, às costas do imponente Mountbatten, fica de gracejos com sua esposa.

Fato é que nessa foto, Bresson registra de forma magistral o que identificaria o conto público do maior corno real da história da Índia. Conta-se que Edwina não era fácil e tinha, além de Nehru, vários amantes. Mas no que concerne à fotografia de Bresson, era se o fotógrafo sabia ou não dessa fofoca real. De toda forma, a fotografia é pra lá de pertinente. Paparazzi com classe.

Vale observar que uma foto de outro fotógrafo presente no mesmo momento inclui uma outra pessoa, a qual Bresson resolveu "cortar" da cena. Seria uma prova que HCB sabia da história?



Outras fotos, da mesma época e de outros fotógrafos, não possuem a mesma... graça.



« Última modificação: 29 de Novembro de 2010, 06:31:30 por Elmo »