As duas fotos tem uam geometria interessante. Na primeira, o quadro que a menina carrega, inclinado para a esquerda e bem no centro da foto, interage bem com a cerca, o poste e o "horizonte" inclinados para a direita, fazendo assim um "X" intuitivo. Na segunda, o guarda-chuva no canto inferior esquerdo junto com as retas convergentes a ele (orla, pessoas, pernas dele, corpo dela)geraram bastante dinamismo.
Tenho absoluta certeza que o Bresson não compôs as fotos assim (pelo menos não conscientemente), mas, depois que ele as viu reveladas, é certo que ele sentiu essas qualidades geométricas delas, senão não as teria divulgado (esse é o segredo dos grandes fotógrafos: mostrar as fotos boas e esconder as fotos ruins).
Agora, por que contar com a "intuição" ou o "acaso" para compor fotos geometricamente fortes, e não compo-las propositadamente, valendo-se de regras fundadas em leis naturais, que conspiram a nosso favor e que têm provado su8a eficácia desde a Antiguidade? Ter as rédeas na mão e levar o cavalo da "arte" (seja lá o que esse termo prostituído signifique hoje em dia) aonde nós queremos , e não deixa-lo solto em nome do clichê "a arte não tem regras", e esperar que alguma coisa que preste saia dali?
Acho que tem um elemente cultural nosso que ajuda isso aí. O brasileiro é um povo muito dado ao emocionalismo, ao sentimentalismo; dificilmente vemos uma discussão racional sobre algo sério (nossa arena política é prova mais que cabal disso). Quando muito, solta-se uam filosofia de pára-choque de caminhão e só. Uma prática racional, programada, com base em preceitos "testados e aprovados" é algo estranho ao nosso caráter. Acho que isso ajuda a essas marras de "arte não tem regras, arte é intuição", etc etc, encontrarem terreno fértil aqui.
Hum, vamos por partes...
Primeiramente, enxergar dinamismo na imagem acima como "convergência" de certo ponto é uma forma de interpretação lógica da imagem. Assim como ver um X supostamente geométrico na primeira, isso não quer dizer que a imagem se limite a isso, pode-se ter outras coisas além matemática pode detrás de tudo, isso não quer dizer que não é possível interpretar o mundo pela matemática, como a Antiguidade fazia.
Sobre escoder as piores e revelar ao público as melhores, é bem comum... mas gosto é gosto, e as vezes uma ou outra vez aparece algo, uma foto, por exemplo que o autor nunca mostrou, mas estava guardada. Um belo dia alguém descobre e gosta, e por incrível que pareça o público gosta também. É bem certo que se procura uma certa linearidade nos trabalhos, mas as vezes um erro pode-se dar ao luxo de estar presente e assim tornar-se, mais famoso do que a certa linearidade.
Agora não entendi regras fundadas sobre leis naturais... se é lei é humana, ou seja, é do homem, é uma interpretação humana, logo não é natural. O que é natural não tem lei, esse é um erro grave que os gregos e a modernidade cometeu, e que foi amplamente discutido por pensadores contemporâneos e ainda o é hoje. Afinal quando digo lei da gravidade, é uma forma de intepretação humana sobre o mundo de como a coisas funcionam, é um modo de se perguntar para se obter uma resposta. A vida é tal qual uma interpretação dos fatos e vivências, sem homem a gravidade não seria uma lei, não seria matematizada, não seria problematizada. Mas isso não significa que ela não possa ser... claro, e assim o é, afinal a matemática toma conta de todos os âmbitos da vida hoje, talvez, fossemos diferente se a coisa não fosse assim.
Por fim, discussão racional é racionalizar, é tornar o meio matematizado, problematizado para se chegar uma conclusão. Isso significa que estamos tomando apenas a arte unilateralmente, e mesmo esse dado emocionalismo e sentimentalismo dos brasileiros está ainda preso a muitos preconceitos, que não deixam de ser um modo também unilateral de interpretar as coisas.
Eu não sou contra a visão racional da arte, afinal é esse exatamente o ramo em que estudo, e pretendo seguir pelo resto da vida, mas ela não se limita a conceitos matemáticos e geométricos, tão somente, como regras e leis, razão vai muito além de racionalizar. Nenhum homem, nenhuma existência se limita a isso, a esse modo europeu de estar presente no mundo. Não sei se convém a palavra superação, mas é isso a que talvez pudéssemos buscar como algo que seja natural ao homem, se superar a todo instante.
Obs: outra coisa... a arte grega é vista como técnica τέχνη, arte como um saber fazer, um seguir determinados preceitos para fazer "bem feito", da onde vem a palavra artesão. Já há uma outra palavra se que pode traduzir como arte, mas daí mais como algo de livre criação, muito mais num sentido existencial de interpretar o mundo além da τέχνη, ah sim, esse termo é a poesia ποίησις.
Dai temos duas vertentes: τέχνη como um fazer bem feito, bem constituído, e humano e a ποίησις como uma forma de revelar ao mundo, trazer ao mundo, revelar, apresentar, não somente humano, mas também da natureza φύσης (física), como uma forma de ποίησις. Isso pode talvez significar que mesmo a física (natureza) é poesia, é arte...
Malheiros, talvez tenha te referido enquanto arte a primeira palavra grega para isso, a τέχνη, mas isso não significa que ela termina aí, essa discussão (no bom sentido, não só no fórum, mas em todos os âmbitos da vida, já que é o conteúdo do meu estudo e trabalho) não acaba nunca e se depender de mim nunca irá acabar.