Prezados:
na verdade eu gostaria de postar quatro ou três desses exercícios, cada um deles centrado em um tipo de fotografia, a saber
1) Retratos Familiares
2) Retratos de terceiros
3) Paisagem Urbana/humana do Rio de Janeiro
4) paisagens da Serra.
Por que? Bem, porque em cada um desses tipos há uma modificação na narrativa. Eles têm elementos comuns, é claro, mas há também uma modificação.
Vou começar pelos Retratos de terceiros. Eles são um bom exemplo para começar, pois guardam algumas características dos retratos familiares, mantém essas características, o que é extraordinário pois são de pessoas menos afetivamente ligadas a mim.
Basicamente, um retrato meu é um ato de afeto com a pessoa retratada. Eu preciso gostar da pessoa, preciso ter com ela uma relação boa onde haja certa confiança, o retrato acontece no meio de uma interação mais vasta,
Retrato da VivianeCromo Provia 100F - Zenit 12XS.
Observa-se a naturalidade e confiança da retratada, e observa-se também a admiração do fotógrafo pelo extraordinário do ambiente cor de laranja onde entrara convidado pelo tip dela com quem estava conversando quando chegou.
Há certa mágica nessas conversas no interior. São agradáveis, surgem a troco de nada. Eu estava na estrada fotografando umas lindas flores azuis quando o tal tio, César, passou e comentou algo. Pegamos na conversa. Fui acompanhando a ele por pequeno trecho estrada acima. Ele me disse "Moro aqui!'. Olhei e era uma casa com uma varanda extraoridinária pintada de laranja com nomes escritos (nomes femininos) em tinta na parede, com um forno de carvão que recebera uma pintura decorativa louca. Pedi para fotografá-lo naquele contexto. Ele consentiu, entrei na varanda e comecei. Conversávamos enquanto isso, sobre frutas, sobre terras, etc. Sua sobrinha entrou para falar com ele e a incuimos na conversa e nas fotos. Haviia alguma vaidade dela ao posar, mas a pose não era ensaiada ou estudada, somente certa graça natural.
Retrato do Jaime da SerrariaCanon 300D, Lente Carl Zeiss Jena 29mm (na verdade uma Pentacon 29mm, na verdade mesmo uma Meyer. As fábricas alemãs trabalhavam em cooperação e marcavam lentes das outras, de forma que a lente é marcada como CZJ mas é idênctica à Pentacon 29mm que na verdade é Meyer. Naturalmente marcavam segundo critérios de qualidade)
Eu havia fotografado a Serraria Nova Friburgo. Toda vez que vou lá pagar madeiras que uso para ampliar ou fazer pequenas modificações na minha casa aproveito e fotografo o ambiente, de incrível plasticidade. Nesta vez levei a CZJ 29mm. Na saída encontre os dois donos, o Cabecinha e o Cabeção, e um empregado da serraria, o Jaime. Ficamos conversando sobre um gambá que havia entrado no meu telhado na noite anterior e feito um barulhão e como eu faria para tirá-lo. Lá no final, o Jaime estava encostado nessa pilha de assoalho de Garapa e pedi para fotografá-lo. Ele fez essa pose incrível, e eu me preocupei em colocar a única vertical da foto em uma boa posição além de fotometrar com cuidado para não estourar sua comisa branca.
Retrato no barKiev IV, Lente Jupiter-8 50mm, filme Ilford HP5 ISO 400 (PB)
Em São Pedro, cidadezinha bem pequena, já sou conhecido na minha mania de fotografar. Por outro lado também sou bastante conhecido mesmo por quem não sabe meu nome. Cumprimeito as pessoas -hábito de cidade pequena- e troco camaradagens e gentilezas com quem encontro.
Estava fotograafando um portão velho que há ao lado deste bar quando essa camarada, cujo nome não sei ainda, brincou comigo "Vou cobrar cachê!" como se eu tivesse fotografando ele. Aí brinquei e falei "Manda seu agente falar comigo para combinarmos!". Aí ficamos brincando numa conversa solta, e percebi em determinado momento que ele gostaria de ser fotografado, que aquilo era uma espécie de oferecimento sutil. Entramos na varanda do bar. Pedi que ele sentasse numa cadeira e sentei-me em outra mesa, mais perto da borda da varanda. Apoiei os cotovelos na mesa para dar firmeza, pois a velocidade foi baixa e compus a foto com os elementos do fundo, isto é, fiquei procurando o ãngulo em que eles criassem a melhor paginação. Há uma adequação do retratado com o ambiente, pois geralmente o vejo nos bares.
Retrato da Ana CeridanZenit 12XS, Fuji Provia 100F, Helios 44m6 58mm.
Esta varanda onde está a Ana é a varanda da Pousada da Ilka administrada por sua irmã. Lá há um salão que é o salão de exposições da cidade, e na ocasião desta foto eu havia feito (novembro de 2005/dezembro) uma exposição de 12 paisagens no tal salão. A Ana e sua irmã me ajudaram muito, e tivemos uma relação muito carinhosa e gentil. Quando passei lá um dia elas estavam na varanda (uma varanda comprida) sentadas nessas cadeiras onde costumam ficar conversando com quem passa. Pedi para fotografá-las, pois queria muito registrar as duas. Fotografei primeiro a Ana Rita, a irmã, aliás uma foto ótima com a 300D. Esta, mais vaidosa entrou e penteou o cabelo e se ajeitou -risos. O retrato inclui o ambiente da varanda, que é ensombrada, e as cores do Provia ressaltaram magnificamente o cabelo quase cinza e deram uma secura interessantíssima às madeiras marrons da cadeira, que enriqueceram a composição com desenho nítido.
Bem, e aí?
Aí é o seguinte... Olhando todos, vemos que o tratamento da pessoa, sua captura, nunca a torna objeto. Em todas as fotos transparece confiança, transparece calma. ninguém é apresentado de forma ridícula, grotesca, de ninguém é retratado sofrimento ou mazelas. As pessoas estão ali afetivamente tratadas, carinhosamente tratadas. Eu de fato gosto de cada uma delas, mesmo do cara de quem não sei o nome mas cumprimento toda vez que encontro. Assim, o primeiro elemento de minha linguagem é
tratamento afettivo do fotografado/
O segundo elemento notável é que o fundo não é qualquer. O fundo informa algo sobre o personagem, ela habita esse fundo. Então, ao mesmo tempo em que são retratos, são fotografias ambientais. Resumindo, o segundo elemento é: o ambinete é trazido na foto com suas sombras, seus desenhos, contribuindo para a impressão de intimidade, de ter estado lá, em um ambiente real e habitado.
O terceiro elemento notável é o uso da luz natural e as características de fotometria. Todas as fotos são com luz natural. O retrato é um todo de pessoa, do ambiente em que está e da luz que há no ambiente. É uma imersão, não uma separação. o ambiente denso em suas sombras é importantíssimo para torná-lo profundo. Os ambientes são profundos, não rasos, não planos.
Quanto à fotometria, as pessoas claras são retratadas com a parte clara do rosto exposta quase ao limite. O rosto pode ter sombras, mas não está em tons médios no mais das vezes (exceção do cara no bar, pela tez dele e por ser ambiente uniformemente sombreado). Essa opção de fotometria repete-se em praticamente todos os mesus retratos. a fotometria é para o rosto, e o rosto é colocado em uma zona mais clara que a zona V do sistema de zonas
Creio que as fotos têm uma identidade clara. Tenho muitos outros retratos de terceiros, mas esses quatro foram os primeiros que achei, e servem para mostrar as linhas principais da minha fotografia de gente.
A NARRATIVA das fotos é a de uma vida calma, compassada, sem esforços imensos, sem heroismos, sen nada muito dramático. Isso é uma característica de narrativa que perpassa todas as minhas fotos, que talvez por isso sejam chamadas de "simples".
Optei por colocar a imagem inteira por achar mais fácil ler a explicação junto com a imagem.
Abraços,
ivan