Semana passada aconteceu, no Memorial da América Latina, em São Paulo, o congresso de fotografia de casamento “Wedding Brasil”, com vários palestrantes brasileiros e estrangeiros da melhor qualidade.
Encontros, festivais, congressos e feiras de fotografia são ocasiões muito bacanas para respirarmos fotografia, encontrarmos amigos, fazermos amigos, convivermos, vivermos e vivenciarmos em um espaço determinado de tempo muita coisa ligada à área que amamos (ou na qual trabalhamos). É também uma oportunidade para aprendermos, participarmos de workshops, assistirmos palestras e dividirmos conhecimento. São momentos de bastante intensidade, muitos acontecimentos, gente boa reunida, uma boa oportunidade para contatos.
A fotografia de casamento entrou na minha vida pela porta ao lado, através de meu casamento com a Anna Quast, que atua nessa área, com paixão, dedicação e sucesso.
Não pretendo e nem vou aqui fazer um balanço do Wedding Brasil. Cada um teve suas experiências e vivências, cada um colherá seus resultados. Aliás, quem não leu ainda, pode ler a coluna da “marida”, no Blog Wedding, desafiando cada um dos participantes a estabelecer três metas – e realiza-las em prazo certo. Post bacana, voltado para aqueles que são “fotógrafos empresários” e que querem conduzir bem seus negócios. A Anna, certamente, definiu muito melhor do que eu, de forma pontual, esse balanço do congresso, então deixo isso para ela.
Aqui eu vou focar no congresso sob outra ótica e por um diferente viés. Tivemos vários palestrantes, brasileiros e estrangeiros. Dentre as várias boas palestras, quatro me chamaram atenção – e eu poderia escrever essa coluna com base em qualquer uma delas. O esloveno Samo Rovan nos colocou em camadas, com suas complexas composições, usando e abusando de lentes angulares e sempre de olho, também, no que acontece “ao lado” dos noivos. Outra das palestras que chamou minha atenção foi da dupla Davina + Daniel, que chamam atenção para a beleza, para a simetria e o equilíbrio. Mas não é deles que vou falar aqui. Vou focar no Edoardo Agresti e na dupla de José Guardia (pai e filho).
Pincei – não por acaso – duas das boas palestras que tivemos e que retratam cada uma delas, trabalhos quase que antagônicos, mas que de alguma forma acabam ligados (diametralmente ligados…). Numa manhã, abrindo os trabalhos do congresso no dia, tivemos o italiano boa praça Edoardo Agresti. E fechando o mesmo dia, no comecinho na noite, quem palestrou foram os dois espanhóis Jose Guardia (pai e filho).
Creio que analisando um pouco o trabalho de cada um deles chegamos a uma das grandes magias dessa arte que a todos nós encanta, a fotografia.
Enquanto Agresti nos trouxe imagens quase sem tratamento, sem cortes, sem muita pós-produção, mas repleta de sensações, sentimentos e emoções, a dupla Guardia nos brindou com imagens impactantes, bonitas, mas cheias de pós-produção e feitas com a frieza da composição estudada e dirigida.
As primeiras indagações são: uma das fotografias é melhor do que a outra? Há certo ou há errado? Claro que não. São coisas diferentes, que nos produzem sensações diferentes, mas não se pode dizer que uma seja melhor que a outra – ou pior que a outra. Podemos de acordo como lemos as imagens, gostar mais de um dos estilos do que do outro. Como podemos, também, gostar de ambos, dependendo da situação e do momento.
Agresti, com uma filosofia e cultura pura de fotojornalista, nos brindou com fotos de composições irreverentes, livres da pose ou do cuidado exacerbado com detalhes, mas que nos colocam dentro de cada um dos casamentos, nos trazem emoções, nos mostram o momento do dia mais especial de cada um dos casais que ele fotografou. De olho em sorrisos – e lágrimas também – ele nos mostra afeição, emoções e sinceridade, mas também nos coloca em situações irreverentes ou divertidas que acontecem em cada um dos dias. São imagens bonitas, que nos transportam e mostram uma realidade e nos colocam no nível de espectadores emocionais.
Já os Guardia, ao contrário disso tudo, nos colocam imagens de beleza significativa, com composições estudadas, luz aprimorada e pose detalhada. São imagens que nos impactam visualmente, mas que, por outro lado, são distantes de emoções ou sentimentos. Os noivos de cada uma das fotos poderiam muito bem ser modelos, que nada mudaria no resultado final. Eles mesmos assumem que o que buscam são imagens muito impactantes e de beleza inegável – e certamente conseguem isso.
O italiano foi muito claro ao dizer que suas fotos não tem quase nada de pós-produção, nem mesmo “crop”, que ele raramente faz. Voltado para o purismo da “faixa preta” ao redor do negativo, que Bresson consagrou como demonstrativa da imagem não cortada, ele coloca acima de tudo aquele momento que, com seu olhar e cultura, perpetua através de suas lentes.
A dupla de espanhóis nos mostrou imagens em que, além da riqueza da composição, sofreram bastante pós-produção. “Falso HDR”, com tratamento “por zonas” de uma imagem, com todo cuidado ao trazer do arquivo raw os detalhes, as nuances e até mesmo com alteração da cena, apagando pessoas e definindo uma imagem esteticamente “perfeita”.
Agora que vem a grande graça disso tudo, na verdade as grandes graças. A primeira é que cada um de nós, leitores das imagens, vai fazer essa leitura de forma muito particular, especifica e determinada por nossa cultura e nossa bagagem – e também pelo que pretendemos e esperamos dela. Para cada um as imagens falarão de formas específicas e pontuais. Mas, mais que isso, em cada momento as imagens terão sua leitura, que muda como muda a vida. E tem mais: certamente, o que mais importa em uma foto é seu conteúdo, não apenas sua forma. Forma serve para mostrar o conteúdo. E, assim sendo, a alquimia que fazemos nós os fotógrafos, nos leva à mágica final, que mostramos como reflexo do nosso eu e do que vivos, sentimos e fotografamos. A compreensão do incompreendido, ou incompreensível. O orgânico e o inorgânico, a mutação de como se enxerga ao depois o que se viu antes. A mudança do pensar e do sentir. As experiências, a vida. A soma e a subtração. E essa magia do eterno vivo, da alquimia, que faz todo sentido.
Voltando um pouco aos palestrantes Agresti e os Guardia, cada um de nós vai gostar mais de algumas das imagens, de seus conteúdos e da forma como esses conteúdos são mostrados, outros das diversas formas. A pluralidade e a liberdade encantam e precisam ser preservadas. É aí que entra outra importância de um congresso como o Wedding Brasil, que é a possibilidade de conhecermos. Sem conhecimento, sem experiência, sem competência, não se faz nem uma coisa nem outra. Então, o que resta é: quer ser um fotojornalista de casamento? Faça bem feito, seja o melhor que puder, dedique-se e mostre o resultado. Quer ser um mago da foto bem composta e bem tratada? Da mesma forma, estude, para fazer bem feito.
Entendo que a câmera não manda em nós. Nós que temos que mandar nela. E essa nossa soberania tem que se pautar pelo que desejamos mostrar, pelo que acreditamos e queremos. Se buscarmos a emoção, vamos mostra-la. Se buscarmos o impacto, vamos fazê-lo. A forma não pode e nem deve se sobrepor ao conteúdo. Temos que, conscientemente, escolher a forma, para adequadamente mostrarmos o conteúdo. O importante é essa consciência do que esperamos, pretendemos e queremos, e sua correta execução. Mas, creio eu, não devemos ficar presos a uma única forma ou receita. Vamos explorar, crescer, buscar todas as possibilidades e recursos. E para completar a mágica e a alquimia, o fim de tudo é que, mesmo na foto dos Guardia, onde em princípio não há a emoção da cena ou na cena, há sim a emoção daquele que disparou a câmera, daquela forma e com aquele enfoque. Ali o autor expressou sua emoção, sua forma de ver e o que quis retratar.
Para vocês que nos leem, achem seus caminhos e trilhem por eles. Para os que foram ao Wedding Brasil e estão “mordidos pela mosquinha azul” da instigação e do aprendizado, desfrutem disso como privilegiados.
Por Ricky Arruda