Bom, eu pensei algumas coisas e gostaria de compartilhar com vocês. Não se trata de algo acabado, mas de uma contribuição para o debate. É, nesse sentido, muito mais um exercício do que uma idéia final. Vamos lá:
É interessante como as duas obras jogam com a relação artista - "objetos" da arte - obra final. Nos dois casos, há uma estrutura formal muito semelhante, mas há também semelhança na questão da representação e do papel do artista e dos demais envolvidos na produção da obra.
Na estrutura formal, temos no primeiro plano, à esquerda, o que seria o "objeto" no qual os artistas estão trabalhando; no centro está aquilo que seria o objeto da representação, as meninas e a modelo; ao fundo, há o que poderia ser interpretado como o ponto de ligação da cena com o mundo circundante, a porta aberta com um observador no quadro e a janela aberta com um prédio ao fundo e os carros passando na foto; há, também, observadores localizados dentro da sala de trabalho nas duas obras, ambos localizados à direita no quadro.
Nessa estrutura formal, o olho seguiria sua rotina "normal" de leitura da esquerda para a direita - no Ocidente -, varrendo todo o quadro e, no final, seria instigado pelos olhares dos observadores a voltar ao seu ponto de partida. As duas obras estabelecem uma estrutura dinâmica com aquele que às observa, incentivando a análise de todo o quadro diversas vezes, sem que, no entanto, essa rotina se torne cansativa.
Mas existe, junto a tudo isso, a preocupação em trazer o artista para dentro da obra, de representar no quadro não só aquilo que seria o "objeto" inicial - ou final - do trabalho, mas a situação de produção da obra como um todo. É algo parecido com o que a escola pós-moderna propôs para a Antropologia na década de 80, onde se queria que o autor, no caso o antropólogo, fosse "transportado" para dentro do texto, explorando não somente as falas dos sujeitos pesquisados e a descrição das situações vivenciadas pelo pesquisador, mas trazendo à tona a própria relação intersubjetiva em que a pesquisa é realizada. O autor não apenas "apresenta" sua obra, mas interage com ela. Mais do que isso, o autor faz parte dela e não pode ser, portanto, excluído dela.
Nos três casos - na pintura, na foto e no texto antropológico pós-moderno - está presente a preocupação em representar uma situação, uma realidade social, uma pessoa, enfim, não apenas destacando os "representados", mas também aqueles ao qual caberia a elaboração da representação, além daqueles que seriam os observadores a posteriori da obra.
Autores, pesquisadores, modelos, espectadores, leitores, etc, são parte integrante da obra, co-autores daquilo que se pretende produzir. Nesse caso, nenhuma dessas "partes" poderia ser excluída do processo, pois seriam todas elas produtoras daquela realidade (não da realidade em si, até porque isso não existe, mas daquela realidade contextual que se busca representar). Há, com isso, uma valorização da subjetividade da relação sobre a objetividade da representação, onde a relação sujeito-objeto - comum na pintura, na fotografia e na ciência - é deslocada para uma relação sujeito-sujeito.
O "autor" não representa um objeto, mas constrói essa representação junto com ele, fazendo com que aquilo que antes era objeto passe a ser também sujeito. Mais do que isso, o próprio autor é, na sua subjetividade - já que o que é trazido para o quadro não é apenas um pincel ou uma câmera fotográfica, mas a própria pessoa que manipula esses instrumentos - parte integrande dessa representação, assim como aqueles que, em tese, apenas "observariam" o resultado final da obra. Portanto, a própria obra não é fruto de um trabalho "autoral" - ou, pior ainda, de um "gênio" ou "dom" particular - mas decorre de um conjunto de pessoas, de um contexto de produção. É, em suma, social muito mais do que individual.