Pessoal, aí vai um trecho da matéria da Scientific American (Nº 52 - Set 2006). O xadrez é muito usado nas pesquisas porque permite a quantificação da habilidade. As "estruturas de memória operacional de longo prazo" estão, grossíssimo modo, ligadas ao tratamento da informação em blocos. Quanto maiores os blocos de informação conhecidos por uma pessoa, maior será a sua habilididade em um campo. Exemplo da matéria: A frase "Minha terra tem palmeiras ". Para quem fala português e conhece o poema de Gonçalves Dias a frase é parte de um bloco - o poema - que vem à memória com a sua citação. Para que não conhece o poema, a frase é só uma frase, um bloco autocontido. Para um estrangeiro que conhece as palavras, mas não conhece o seu sentido a frase tem 4 blocos e para quem só conhece as letras a frase tem 22 blocos.
Aplicando isso ao assunto fotografia/história da arte... acho que é óbvio. Uma fotografia pode ser uma referência a uma pintura clássica, por exemplo. Pode ser uma peça autocontida para quem não conhece a história das artes visuais mas conhece composição fotográfica ou pode ser uma mera quantidade de blocos desconexos para que não entende lhufas de composição.
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Trecho da Matéria
Proliferação de Prodígios
NUM PONTO TODOS OS QUE ESTUDAM a destreza humana estão de acordo: é preciso muito esforço para construir essas estruturas na mente [estruturas de memória operacional de longo prazo]. Simon criou uma lei psicológica própria, a regra dos dez anos. Segundo a qual é preciso cerca de uma década de trabalho duro para dominar qualquer campo. Crianças prodígio como Gauss na matemática, Mozart na música e Bobby Fischer no xadrez tiveram de fazer esforço equivalente, talvez começando mais cedo e se dedicando mais que os outros. De acordo com essa visão, a proliferação de prodígios do tabuleiro nos últimos anos meramente reflete o advento de métodos de treinamento por computador, que permitem às crianças de hoje estudar muito mais partidas de mestres e jogar com muito mais freqüência com programas no nível de mestres. Fischer foi uma sensação quando, em 1958, obteve o título de grande mestre aos 15 anos. O recordista atual, Sergey Karjakin, da Ucrânia, conseguiu o seu aos 12 anos e 7 meses.
Ericsson argumenta que o importante não é a experiência em si, mas o "estudo aplicado", que implica a superação constante de desafios que estejam além das competências individuais. Sem esse método, entusiastas passam milhares de horas jogando xadrez ou futebol ou tocando um instrumento musical sem nunca ir além do nível amador. O aprendiz bem treinado consegue ultrapassá-Ios em tempo relativamente curto. É interessante observar que o tempo gasto praticando xadrez, mesmo em torneios, parece contribuir menos para o progresso de um jogador do que o estudo aplicado. Como treinamento, o principal valor dessas partidas está em apontar fraquezas para estudo futuro.
De início, mesmo os novatos se engajam no estudo aplicado. É por isso que os principiantes costumam progredir rapidamente, seja no futebol ou na auto-escola. Porém, tendo alcançado um desempenho aceitável- por exemplo, o nível de jogo dos colegas de bairro ou a aprovação no exame de motorista -, a maioria das pessoas reduz os esforços. Seu desempenho, então, torna-se automático e impermeável a novos progressos. Em contrapartida, enquanto treinam, os experts mantêm a mente aberta e continuam a inspecionar, criticar e ampliar seu conteúdo - e assim se aproxi¬mam do padrão fixado pelos líderes em seus campos.
Entretanto, os padrões que indicam excelência estão se tor¬nando cada vez mais altos. Alunos de ensino médio conseguem correr uma milha (1,6 km) em quatro minutos, e alunos de conservatório se aventuram em obras antes executadas apenas por virtuoses. Mas é novamente do xadrez que vem a comparação mais convincente. John Nunn, matemático britânico e também grande mestre, usou recentemente um computador para ajudá-Io a comparar os erros cometidos pelos jogadores em todas as partidas em dois torneios internacionais: um disputado em 1911 e o outro, em 1993. Os enxadristas modernos jogavam com muito mais precisão. Nunn examinou então todas as partidas de um jogador de 1911 que estava classificado no meio do grupo e concluiu que sua classificação atual não seria melhor que 2.100 - "e isso num dia bom com o vento a favor", diz. Os melhores mestres antigos eram bem mais fortes, mas mesmo assim seu nível era bem inferior ao dos líderes atuais.
Capablanca e seus contemporâneos não dispunham de computadores nem de bancos de dados das partidas. Eles tinham de descobrir as coisas por si mesmos, como fizeram Bach, Mozart e Beethoven, e se estão aquém dos mestres atuais em técnica, pairam acima deles em poder criativo. A mesma comparação pode ser feita entre Newton e um típico Ph.D. em física nos dias de hoje.
Ao lerem isso, típicos céticos protestarão. Eles observarão que é preciso muito mais que prática, prática e mais prática para chegar ao Carnegie Hall. No entanto, essa crença na importância do talento inato, talvez mais disseminada entre os próprios especialistas e seus treinadores, estranhamente carece de confirmação factual. Em 2002, Gobet conduziu um estudo entre enxadristas britânicos, de amadores a grandes mestres, e não encontrou nenhuma correlação entre seu desempenho no jogo e as habilidades visuais-espaciais, medidas por testes de memória de formas. Outros pesquisadores descobriram que as capacidades profissionais que têm de prever os resultados de corridas de cavalo não tinham correlação alguma com sua habilidade matemática.
Embora ninguém até hoje tenha conseguido prever quem se tornará exímio em qualquer campo, um experimento notável mostrou que é possível criar deliberadamente um especialista. Lázló Polgár, educador húngaro, ensinou o jogo às três filhas, com treinamento de até seis horas diárias, e produziu uma mestre internacional e duas grandes mestres - as melhores irmãs enxa¬dristas da história. A mais nova, Judit, de 30 anos, é agora a 14'! colocada no mundo.
O experimento de Polgár provou duas coisas: os grandes mestres podem ser cultivados e mulheres podem estar entre eles. Não foi por coincidência que a incidência de prodígios do xadrez se multiplicou depois que Lázló Polgár publicou um livro sobre o ensino do jogo. O número de prodígios musicais passou por aumento semelhante depois que o pai de Mozart fez o equivalente dois séculos antes.