Transcrição de outro lugar onde este debate ocorre também:
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Em um fórum apresentaram-me questões sobre esse texto, entre as quais a das relfex existirem a mais tempo, e o das lentes sempre terem permitido desfoque (ceio até que isso se deveu a uma leitura atalhado do escrito, pois nunca disse o contrário).
Mas talez a resposta tranga algumas nuances importantes:
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Resposta no fórum www, fotografiabrasil.com
por Ivan de Almeida
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Eu não creio haver tanta discordância assim, talvez somente não tenha ficado clara a ênfase dada à coisa.
Os estudiosos da percepção humana, entre os quais o Merleau-Ponty, os gestaltistas, etc, desprezam o conceito de sensação como sendo inútil. Argumentam que percepção é sempre um ato coordenado, sempre algo que resulta inteligível para a mente, assim não havendo possibilidade de falar em uma sensação pura. Toda percepção é ATO não fato, de modo que ela é conformada desde sempre. A sensação é incognoscível, pois quando conhecida ela já é percepção, não sensação.
Se somente analisássemos o olho, cada visada, cada foco em um ponto seria mais que desfocado, pois o olho além de foco curtíssimo tem imensas aberrações. Mas a imagem construída na mente referente ao campo visual é uma colagem de inúmeras micro-visadas e essa colagem se faz varrendo o campo visual e alterando o foco à medida em que isso é feito, de modo que o cérebro compõe um mosaico significativo -isso sim percepção- que é todo em foco. A mente não deixa de perceber o desfoque por que o olho não o produz, ao contrário, o olho produz abundantes desfoques. A mente deixa de de perceber o desfoque por um motivo muito mais simples: falta de significação do desfoque.
O sistema reflex através de reflexão parcial por vidro tranparente é mais antigo que o RF. Contudoo desfoque não tem valor para a sobrevivência, e o desfoque não é significado. Por isso minha afirmativa de não ser o desfoque correspondente à percepção. Percepção é significação, não mero funcionamento dos sistemas. O próprio funcionamento dos sistemas é orientado pela busca de significação, é orientado pelas significações possíveis, prováveis E, PRINCIPALMENTE, FUNCIONAIS.
Quanto ao fato de ter havido ou não lentes capazes do desfoque, ou arquitetura reflex, a coisa não se resume à mera cronologia. Reflex sem espelho basculante (usando reflexão parcial em vidro transparente) é aliás uma arquitetura mais antiga que as RF. Mas isso não importa. Importa, isso sim, que a forma predominante de fotografia era com RF e médio-formato não single-lens-reflex, e ainda, que os fotógrafos perseguiam o paradigma da perfeita perspectiva cõnica, essa um fenômeno interessante, pois não corresponde a nada que o olho possa fazer, mas corresponde sim ao que a mente foi treinada a fazer na interpretação do campo visual.
Ainda quanto ás lentes capazes de desfoque, acho haver aí uma mistura de coisas. Há de se distinguir a lente ser capaz de desfocar -isso sempre foram- com ser projetada para desfocar. Até onde sei, lentes de retrato foram projetadas para foco suave, e isso não deve ser confundido com projetadas para desfocar. Desfoque não é foco. Foco suave é foco sem nitidez agressiva, mas foco.
Sobre a discussão a respeito de comprimento focal, diafragma, etc, veja, ninguém aqui está dizendo que os fotógrafos ignoravam a existência do desfoque. O que estou dizendo é que o paradigma dominante da fotografia até bem depois dos anos 60 é um paradigma do campo nítido, e não do campo focado. Os fotógrafos não ignoravem o desfoque, mas não o desjavam normalmente, embora, é claro, possam ser encontrados (melhor dizendo, pinçados) exemplos de uso dele. Não falo de casos isolados ou minoritários, falo do paradigma fotográfico dominante.
Contudo, o uso das reflex colocou o fotógrafo em condições de observar o desfoque enquanto fotografava, contrariamente ao que apenas o supunha (evidentemente, nas de grande formato o desfoque sempre foi visível, mas paradoxalmente, reforçando a idéia do paradigma orientador da fotografia, a experiência com grande-formato se orientou E AINDA SE ORIENTA para o campo todo nítido.
Falando de forma direta: o modelo da fotografia incuia a herança do paradigma renascentista da perspectiva cñica -da qual a cãmera escura é o instrumento captador por excelência- e os fotógrafos orientavam-se por ele, buscavam-no nas suas fotos, ignorando (não no sentido de desconhecer, mas de desprezar) outras possibilidades que a ótica acrescentava à fotografia. Digamos que o fotógrafo da primeira metade do século XX tentava fazer fotografia estenopédica usando uma lente para melhorá-la, mas com o mesmo tipo de nitidez de campo.
O uso massivo (não eventual, não exceção, mas massivo, pois o que cria as mudanças culturais são os movimentos massivos) das reflex colocu toda uma geração em contato direto com a visualização do desfoque. O paradigma do retrato, principalmente, sofreu brutal transformação, a tal ponto que hoje o ignoramento é da possibilidade de fazer retratos com fundo focado, retratos ambientais, e esse paragima dominante aparece quando se posta em uma comunidade de fotógrafos uma foto com fundo nítido sendo retrato, e IMEDIATAMENTE se começa a ouvir "você devia ter aberto mais a lente para desfocar o fundo". Hoje há um preconceito que é um rebatimento do antigo. Os fotógrafos da primeira metade do Século XX desprezavam o desfoque, os autuais desprezam o DOF fundo.
No meio, no ponto de transição, há a alteração profunda na maneira de fotografar provocada não pela invenção, mas pela DISSEMINAÇÃO das reflex de espelho, que se tornam verdadeiramente dominantes após a década de setenta. A predominância do desfoque como linguegem fotográfica é posterior a isso.
Veja, acho que é preciso distinguir aspectos técnicos de aspectos culturais. O meio técnico sempre foi capaz do desfoque. Eu tenho uma RF com projeto da déccada de 40, lentes com projeto Sonnar f2, e ela desfoca incrivelmente. Mas isso não é a questão. A questão é que a linguagem dominante da fotografia não incuia o desfoque como válido, mas sim como uma insuficiência do fotógrafo, uma quase imperícia. Isso é cultural, não técnico.
Contudo, foi, na minha análiise, a disseminação das reflex de filme que trouxe a linguagem do desfoque para o campo das linguagens válidas, a tal ponto que hoje a comunidade fotográfica considera ser problemática uma câmera que não tenha capacidade de desfocar fortemente. A disseminação das reflex de filme deu a uma geração inteira de fotógrafos a oportunidade de antever o desfoque, e isso fez toda a diferença.