Autor Tópico: [ARTIGO] Fotografia é discurso  (Lida 9285 vezes)

RFP

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Online: 01 de Julho de 2010, 18:58:28
Imagine uma folha de papel em branco. Com uma simples caneta, você poderia encher essa folha de papel com uma história, um poema, seus pensamentos, seu ponto de vista. Se você consegue ler este texto é porque foi treinado, durante anos a fio, na habilidade da leitura e da escrita. Você pode, através de sinais especiais e combinações — letras e palavras — organizar qualquer discurso que o idioma permitir.

A fotografia também é uma espécie de discurso. Como qualquer arte visual, ela oferece, através da imagem, a possibilidade de se contar uma história, mostrar uma cena poética, expressar a sua opinião e a sua forma de ver o mundo. No entanto, nós não recebemos anos e anos de treinamento nos elementos do discurso fotográfico como recebemos no uso de palavras e frases. Isso torna a construção e a leitura de fotografias uma tarefa que, embora pareça fácil na prática, é difícil ao se considerar as possibilidades que o idioma da câmera nos permite.


Dave R

Ao ver boas fotos, nem sempre é possível identificar os porquês de tal julgamento. Geralmente, diz-se que a foto é bonita quando aquilo que ela retrata é bonito. No entanto, a imagem é uma construção do aparelho, que tem a sua própria linguagem, podendo ser mais ou menos controlada pelo seu operador. Quanto mais o fotógrafo conhece essa linguagem e a utiliza em prol das suas intenções, maiores serão as possibilidades criativas e, provavelmente, melhor será o seu discurso. Fotografar ignorando a construção da câmera e apenas retratar o mundo é como escrever apenas copiando.

Bons fotógrafos podem trabalhar de forma que essa construção não seja percebida, fazendo com que o observador mergulhe na cena. Da mesma forma, bons escritores podem elaborar seus textos de maneira que o leitor mergulhe na história. No entanto, enquanto escritores experimentais podem ressaltar aspectos da construção do texto a fim de explicitar esse processo, criando uma espécie de metalinguagem, fotógrafos também podem tornar claros os mecanismos de ação do aparelho, impedindo que o observador caia direto na imagem e, antes, perceba a sua natureza. Na fotografia, pode-se considerar que essa conduta é importante justamente pelo fato de não sermos treinados no seu discurso.


Miles Tsang

O que chamamos de elementos da linguagem fotográfica são os aspectos técnicos implicados na construção da imagem pela câmera. Alguns, como o enquadramento, o movimento e a resolução já foram abordados em detalhes. Mas há outros, como o foco, as cores, o formato, a distância focal. Há um modelo de discurso tido como mainstream na fotografia, ou seja, uma forma de fazer consolidada. Geralmente prega-se que as fotos devem ser nítidas, o enquadramento mostre uma cena fácil de ler, o foco esteja pelo menos num ponto da foto, as cores sejam equilibradas ou sejam substituídas por tons de cinza e por aí vai. Esse modelo é difundido porque é efetivo em mostrar as coisas. As câmeras geralmente são configuradas, manual ou automaticamente, a fim de se manter dentro desse modelo. No entanto, aquele que quer exercitar a fotografia como atividade de criação, precisa entender cada um desses elementos como um leque de possibilidades, um conjunto de palavras pelas quais pode ser optar.

Valorizam-se muito, entre os amadores avançados, as câmeras que têm modos manuais de controle, ou seja, que permitem controlar foco, abertura do diafragma, ISO e tempo de exposição. Ou seja, há uma maior possibilidade de combinações, permitindo variar mais o discurso fotográfico. No entanto, muitos amadores usam o modo manual apenas para fazer eles mesmos o que a câmera faria automaticamente, ou seja, montar o discurso do mainstream. A grande vantagem dos controles manuais e permitir que cada elemento técnico seja visto como uma opção.


Joshua Gardner

Algumas pessoas se incomodam com fotografias que não usam o discurso convencional. Isso ocorre porque a fotografia, quando feita de forma a evidenciar o processo, através, por exemplo, de um corte não convencional, com a aparência dos pontos que a compõem ou com "defeitos" óticos, parece errada. Parece errada porque não obedece o mote de se criar uma ilusão quase perfeita e porque é diferente da grande maioria das fotos, que apenas mostram. Também incomoda porque  a leitura é mais difícil: não basta simplesmente "ver" a cena, coisa com a qual já estamos mais do que acostumados: os elementos fora de lugar saltam aos olhos, e é inevitável dar atenção a eles, que quebram a simples ilusão e a leitura fácil. É preciso entendê-los, tais quais as palavras, e pode ser incômodo passar por esse processo.

Por certo, pode-se ser muito bom no discurso convencional, e pode-se ser muito bom sem conhecer ou experimental outros modelos. Entretanto, parece-me lógico que decodificar a construção da imagem fotográfica e recompor os seus elementos a favor do sentido que se pretende atribuir pode tornar a fala fotográfica muito mais eloquente. Ou seja, em vez de pensar em um modelo único, vale a pena conhecer as palavras e montar o próprio discurso.

Publicado originalmente no Câmara Obscura.


sedassari

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Resposta #1 Online: 02 de Julho de 2010, 10:20:43
Caro Rodrigo,

pegando carona em seu brilhante discurso - como reforço de alguma opinião-discurso que tenho - gostar ou não, achar correto ou não e 'outras coisas a mais' ou não estão sempre intimamente ligadas ao que podemos alegóricamente chamar de estado de espírito, ou seja, algo belo aos nossos olhos hoje poderá não sê-lo noutro dia, quando nossos sentimentos estiverem diferentes.

Por este motivo a análise de uma fotografia, assim como de um clássico literário ou uma tela, vai depender primeiro daquilo que nos cativa e que nos foi transmitido por aquela arte e, também, do momento em que isso ocorreu. Creio ser impossível padronizar sentimentos e como consequência a arte. Podemos até dividir as análises em técnicas e subjetivas, que, respectivamente considerem a ortografia/gramática e a mensagem de uma fotografia.

Tenho convicção que as críticas são essenciais, pois com elas cresci e continuo evoluindo. Considero este Fórum um verdadeiro laboratório de idéias onde até me atrevo a colocar minhas análises técnicas, claro que sempre contaminadas pela minha emoção.

Por fim, humildemente digo sempre que foto boa é a que emociona. Essas eu não consigo criticar.

Parabéns e forte abraço!

Ricardo Sedassari
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Komodora

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Resposta #2 Online: 14 de Julho de 2010, 22:07:25
Poxa cara...q texto...

fotografia realmente é isso..

pena não ser tão valorizada..
Nikon D40 - 18-55 AF-S (Kit) + 50mm 1.8
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e uma porrada de pinholes =D


augustobt

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Resposta #3 Online: 02 de Janeiro de 2012, 19:04:09
UP  :clap:
Um tópico desce merece muito destaque.
Parabéns pelo seu artigo


LEANDRODIOGENES

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Resposta #4 Online: 03 de Janeiro de 2012, 14:03:43
Muiiiito bom!


FeLopes

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Resposta #5 Online: 06 de Janeiro de 2012, 14:20:01


Adorei o texto, apesar de ter algumas críticas com relação a ele, como a minha foto(?) acima mostra.

Acredito na fotografia enquanto linguagem autônoma, independente (em teoria) de outras linguagens, assim como outras artes, e por isso, tem qualidades, necessidades e problemas distintos de outras artes, o que faz dela um tanto ruim em criar determinadas imagens e muito boa em outras.

Quando digo isso em imagem é porque é o que a fotografia produz: imagens. Parece óbvio, mas não é tanto assim pelo fato de construirmos nossos pensamentos em palavras (como esse texto). Ao pensarmos em palavras uma fotografia sempre estaremos dependentes de que possibilidades de significados em palavras uma foto vá significar, não que isso seja ruim, mas me parece muito restritivo a linguagem da fotografia. Ter um olhar de fotógrafo é justamente fugir um pouco desse universo das palavras e perceber o mundo pelos seus órgãos perceptivos e por vezes, motivado pela sua intuição

Fazendo um juízo de valor, considero boas fotografias aquelas que tem algum tipo de construção de imagem que só a fotografia, e todo seu contexto técnico/simbólico e nenhuma outra linguagem mais, possa construir.

Quanto a crítica ao discurso convencional, eu adorei, pois é justamente o que penso de fotografia e foi o que me motivou a comprar uma dSLR, justamente para ter uma qualidade e controle técnico daquilo que quero fotografar e ter a possibilidade de criar de maneira mais livre

Abs


LeandroSartori

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Resposta #6 Online: 06 de Janeiro de 2012, 14:35:56
 :clap: :clap:
Novo site no ar: www.leandrosartori.com



nepo.sousa

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Resposta #7 Online: 08 de Janeiro de 2012, 14:52:47
Artigos como este sempre nos faz refletir e ver algo que as vezes não enxergamos.
Valeu Rodrigo.
Sony alpha a55v
Sony lens -18-55mm - Sigma 70-300mm - Minolta AF 28mm f2.8 - Sony SAL 11-18
Tamron 18-200mm RX Di-II LD - Pentacon 50mm f1.8 + adaptador m42
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priscilabonatto

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Resposta #8 Online: 09 de Janeiro de 2012, 11:52:11
Excelente texto!
Como já disseram, é uma pena que nem sempre a imagem seja assim tão valorizada.
É o que acontece em outras formas de artes visuais, as quais muitas pessoas não compreendem que podem, precisam e devem ser "lidas" tal qual um texto escrito.


caiobr

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Resposta #9 Online: 19 de Maio de 2012, 09:42:37
Muito bacana, estou começando a estudar fotografia, e é exatamente o que o professor falou... concordei com ele e com vc também1
 :clap: :clap: :clap:


gguerini

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Resposta #10 Online: 30 de Maio de 2012, 17:27:00
Que belo estímulo!! Excelente artigo. Valeu!!


zerobertomk

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Resposta #11 Online: 22 de Junho de 2013, 22:27:04
Eh se todo mundo tivesse essa visão nosso trabalho ficaria muito facil
Quando eu penso que já sei alguma coisa ...


visobreira

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Resposta #12 Online: 06 de Setembro de 2013, 17:14:09
Se me permitem, farei um singelo adendo. Se eu estiver delirando, me corrijam  :ok:

hehehe

Há diversas formas de expressarmos a realidade, ou aquilo que idealizamos. Uma delas, e bastante contundente, é o uso do discurso através de símbolos, ícones que conduzem o sujeito a um conjunto de idéias e valores que representam a ele mesmo, ou até mesmo algo superior a ele. Cabe aos amantes da fotografia aderir a esse entendimento da simbologia. Sem dúvida isso só tem de ampliar a nossa capacidade de expressão. É a dimensão poética da já famosa teoria dos quatro discursos.

Através dessas 4 possibilidades de discurso (que não só podem, mas devem ser transportados para a prática da atividade da fotografia de forma consciente), o homem exprime a unidade do objeto mediante o uso dos discursos Poético, Retórico, Dialético e Lógico (ou científico).

Em linhas bastante gerais, explico com brevidade o que é abordado com mais elementos no texto linkado - http://www.olavodecarvalho.org/livros/4discursos.htm

- Discurso Poético: No discurso poético, a argumentação não tem compromisso com a realidade concreta. É o discurso das possibilidades. Aqui, estão sintetizados em contos, fábulas, pinturas e no nosso caso fotografias, aquilo que constitui a base fundamental de valores de uma cultura. O desprendimento da realidade factual permite ao emissor do discurso articular as idéias de forma bastante didática. Nesta linguagem o discurso é mais acessível às camadas mais populares, crianças, e entre os que não possuem instrução para um discurso científico, modelos complexos de abstração, etc ...

- Discurso Retórico: tem como característica a verossimilhança (que se parece com o real). É o discurso que busca envolver emocionalmente o espectador e colocá-lo em situação de assumir uma crença com firmeza. Vai além da imaginação e coloca como juiz o critério da vontade. Neste discurso, uma decisão é adotada, com a crença de ser mais conveniente, sendo a manipulação do emocional uma constante.

- Discurso Dialético: diferente da retórica, o discurso dialético coloca a razão como juíza da decisão, com finalidade de atingir a verdade, não apenas conquistar a opinião do ouvinte. A vontade já não domina o discurso, mas a colocação de argumentos que sustentem uma idéia “A” diante de uma idéia “B”, ambas em contraste. A idéia com argumentos mais fortes vence.

- Discurso Lógico: é o discurso da verdade indiscutivelmente certa. Transcrevo as palavras do autor,

“Finalmente, no plano da lógica analítica, não há mais discussão: há apenas a demonstração linear de uma conclusão que, partindo de premissas admitidas como absolutamente verídicas e procedendo rigorosamente pela dedução silogística, não tem como deixar de ser certa. O discurso analítico é o monólogo do mestre: ao discípulo cabe apenas receber e admitir a verdade. Caso falhe a demonstração, o assunto volta à discussão dialética” (Olavo de Carvalho)
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« Última modificação: 06 de Setembro de 2013, 17:32:54 por visobreira »


Joel Alves Efigenio

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Resposta #13 Online: 26 de Setembro de 2013, 00:04:26
ótimo mesmo  :clap:
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LRS

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Resposta #14 Online: 20 de Abril de 2014, 10:44:54
Muito legal!