Se considerarmos o aparelho fotográfico sob tal prisma, constataremos que o estar programado é que o caracteriza. As superfícies simbólicas que produz estão, de alguma forma, inscritas previamente (“programadas”, “pré-escritas”) por aqueles que o produziram. As fotografias são realizações de algumas das potencialidades inscritas no aparelho. O número de potencialidades é grande, mas limitado: é a soma de todas as fotografias fotografáveis por este aparelho. A cada fotografia realizada, diminui o número de potencialidades, aumentando o número de realizações: o programa vai se esgotando e o universo fotográfico vai se realizando. O fotógrafo age em prol do esgotamento do programa e em prol da realização do universo fotográfico. Já que o programa é muito “rico”, o fotógrafo se esforça por descobrir potencialidades ignoradas. O fotógrafo manipula o aparelho, o apalpa, olha para dentro e através dele, a fim de descobrir sempre novas potencialidades. Seu interesse está concentrado no aparelho e o mundo lá fora só interessa em função do programa. Não está empenhado em modificar o mundo, mas em obrigar o aparelho a revelar suas potencialidades. O fotógrafo não trabalha com o aparelho, mas brinca com ele. Sua atividade evoca a do enxadrista: este também procura um lance “novo”, a fim de realizar uma das virtualidades ocultas no programa do jogo.
Vilém Flusser - Filosofia da Caixa Preta