Recebi esse texto de um colega, então posto aqui para complementar a postagem anterior.
Conhecimento fotográficopor Fábio de Castro
Agência FAPESP – Embora seja uma fonte muito rica para a interpretação das relações sociais, a fotografia tem uso ainda restrito pela sociologia. Aprimorar esse uso por meio de uma nova "sociologia do conhecimento visual" é a proposta central do livro Sociologia da fotografia e da imagem, de José de Souza Martins, que será lançado nesta quarta-feira (8/10), às 19h30, em São Paulo.
Professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Martins é membro do Conselho Superior da FAPESP. O lançamento do livro incluirá a abertura da exposição fotográfica Carandiru – A presença do ausente. As fotos, tiradas pelo autor poucos dias antes da implosão da Casa de Detenção de São Paulo, correspondem a um dos capítulos da obra.
Segundo ele, uma sociologia visual propriamente dita é impossível. A fotografia em si não tem conteúdo sociológico, a não ser que se faça uma leitura dela. "O que existe, o que estou propondo, é uma sociologia do conhecimento visual. Ou seja, a fotografia, o vídeo, o filme como técnicas de conhecimento", disse à Agência FAPESP.
Para Martins, a imagem não tem conteúdo independente. "Mas ela apresenta indícios de relações sociais, de mentalidades, de formas de consciência social e de maneiras de ver o mundo que tornam possível uma sociologia do conhecimento visual. Uma das conseqüências dessa linha de pensamento é que o fotógrafo passa a ser encarado como um intelectual, um produtor de conhecimento", disse.
A obra reúne seis ensaios produzidos em diferentes circunstâncias, segundo o professor. "A idéia da sociologia do conhecimento visual foi exposta pela primeira vez em uma conferência na Universidade de Oxford, na Inglaterra, e publicada na revista Estudos Avançados. Este artigo corresponde ao ensaio 'A imagem incomum: a fotografia dos atos de fé no Brasil'", disse.
Os outros cinco ensaios que compõem o livro são "A fotografia e a vida cotidiana: ocultações e revelações", "Impressões de visita a uma exposição de Sebastião Salgado", "Carandiru: a experiência do ausente", "Mestre Vitalino: a arte popular no imaginário conformista" e "O impressionismo na fotografia e a sociologia da imagem".
De acordo com o sociólogo, o objetivo do livro é contribuir para que a sociologia se torne crítica em relação ao uso da imagem e melhore esse uso, tirando da fotografia o que ela pode dar. Sua proposta se contrapõe à linha do norte-americano Howard Becker, considerado o "pai da sociologia visual" e fundador da primeira revista da área, a Visual Sociology.
"Evidentemente, não pretendo combater um autor dessa relevância. Meu antagonismo em relação à linha de interpretação de Becker é que, como produto da cultura sociológica norte-americana, ele tem uma visão muito amarrada nos pressupostos do positivismo, preocupando-se com o factual, mas não com o simbólico. Isso empobrece a sociologia. A sociologia visual de Becker não é errada, mas é exageradamente cautelosa em relação à realidade e não abre perspectivas para aproveitar tudo o que a fotografia oferece", apontou.
Desconstrutores da imagem Para Martins, uma fotografia não é apenas uma imagem, mas um conjunto imenso de subimagens que podem ser lidas pelo sociólogo – que inevitavelmente poderá tirar também dessa leitura muita informação sobre a mentalidade do fotógrafo.
"O modo como as pessoas estão vestidas, como elas olham, como posam ou não, seus adornos, os cenários e a confrontação entre cada um desses elementos formam um conjunto imenso de fatores em uma imagem. Podemos fazer análises formais, como os especialistas em semiótica fazem com toda a legitimidade, mas não podemos pensar em uma análise sociológica que ignore as mediações sociais do ato fotográfico", destacou.
Para Martins, a sociologia tem se enriquecido nas últimas décadas, conforme aumenta a preocupação com as mediações nas relações sociais, sobretudo em relação aos símbolos e significados.
"Essas preocupações já estavam presentes na sociologia clássica, mas quando isso chega à questão da fotografia tudo se complica, porque em uma fotografia documental – sobre a vida em uma favela, no campo, ou centro da cidade, por exemplo – há um fato visual. Ou nos limitamos à descrição factual daquele conteúdo, ou tentamos interpretar outras coisas contidas naquelas fotografias que podem ser lidas sociologicamente a partir dos desconstrutores da imagem", disse.
O francês Pierre Bourdieu adotou uma linha diferente: em vez de se defrontar com a factualidade da fotografia, ele lidava com sua utilidade. O que ele analisa sociologicamente é o uso que as pessoas fazem da fotografia. Para Martins, Bourdieu fez observações importantes, como o uso ritual do registro fotográfico.
"No caso da França camponesa, a fotografia, em um batizado ou casamento, é substitutiva do dom, da dádiva. Ela entra em uma relação de troca. Não entra mais na lógica própria do que é a fotografia, que é uma forma de produção de imagens do mundo moderno, racional e industrial. Ela entra no sistema lógico da sociedade pré-moderna, transforma-se em outra coisa, como se ganhasse vida", disse.
A perspectiva proposta por Martins é a de uma leitura que englobe as linhas de Becker e Bourdieu, mas que mergulhe mais profundamente nas possibilidades de interpretação sociológica oferecidas pelo registro fotográfico.
"Proponho uma linha mais atrevida que consiste em explorar o que inevitavelmente está presente na fotografia popular. Essas fotos típicas de um parente que aparece, minúsculo, ao lado da catedral de Nôtre-Dame, por exemplo. Trata-se da foto do parente, mas não é apenas isso – é o parente explicado pela catedral. O sociólogo tem que saber lidar com os absurdos da fotografia", afirmou.
Martins acrescenta que, em relação à metodologia do uso da fotografia, há uma convergência entre o que se faz em história e sociologia. "Ambas têm usado a fotografia equivocadamente, subutilizando-a, relegando-a ao papel coadjuvante de ilustrar matérias. Escreve-se um artigo sobre favelas e coloca-se lá uma fotografia de uma favela para ilustrar a idéia de favela. Mas aquilo não serve para ajudar a compreender o que é uma favela. Quando vemos a foto, agregamos um novo conhecimento ao conhecimento do objeto fotografado, mas trata-se de outra coisa", explicou.
Livro: Sociologia da fotografia e da imagem
Autor: José de Souza Martins
Número de páginas: 208
Preço: R$ 37
Mais informações: www.editoracontexto.com.br Fonte: Agência FAPESP - 08/10/2008
http://www.agencia.fapesp.br/materia/9543/especiais/conhecimento-fotografico.htm