Qual a relação entre história grega, Xenofone e fotografia em preto-e-branco, filmes antigos? Italo Calvino explica: a narrativa. O escritor, numa passagem do livro "Por que ler os clássicos", escreveu:
"A impressão mais forte Xenofonte causa para quem o lê hoje é a de estar vendo um velho documentário de guerra, como os que são reapresentados de vez em quando no cinema ou na televisão. O fascínio do preto-e-branco, do filme meio apagado, com fortes contrastes de sombras e movimentos acelerados, vem espontaneamente ao nosso encontro em trechos como este (Capítulo V, do Livro IV):
Sempre em cima de muita neve acumulada pecorrem mais quinze parasangas em três dias. O terceiro dia é particularmente terrível por causa do vento tramontana que sopra no sentido contrário ao da marcha: sopra furiosamente por todos os cantos, queimando tudo e congelando os corpos...
Para defender os olhos da reverberação da neve, os soldados, ao andar, colocam alguma coisa negra sobre os olhos; contra o perigo de congelamento, o remédio mais eficaz é mexer sempre os pés, não ficar parado nunca e sobretudo desatar os sapatos à noite... Um grupo de soldados, tendo ficado para trás por tais dificuldades, vislumbra não muito distante, numa vala em meio ao manto de neve, uma poça escura: é neve derretida, pensam. De fato, a neve se desfez naquele ponto, pela presença de uma nascente que brota ali perto, exalando vapores para o céu.
Mas citar Xenofonte não dá certo: aquilo que conta é a sucessão contínua de detalhes visuais e de ação; é difícil encontrar uma passagem que represente plenamente o prazer sempre variado da leitura". (p. 25)
Para ele, o que amarra um ao outro é a narrativa, é ela que permeia universos distintos que não apresentam nem mesmo conexão temporal.
Criei esse tópico não só para incitar a leitura do livro ou trazer ao conhecimento de quem não leu nem pretende ler Calvino essa associação, mas e sobretudo para pensar a narrativa na fotografia que, vez por outra, é um assunto que me perturba.
Na passagem acima, a associação está, de certa forma, relacionada ao movimento do texto e dos filmes, além, é claro, de outros elementos como contraste, sombras, ritmo, etc.
A fotografia, por sua vez, é tida, por muita gente, como um artefato estático e, sondo assim, tem o movimento prejudicado. Essa frase é só um mote para a discussão, porque não acredito nela. Em todo caso, o que identifica movimento na fotografia?
O Ernesto Tarnoczy disse que existe dois tipos de movimento na fotografia. Um, o óbvio, de fotos que representam movimento de objetos/pessoas/natureza (aviões, automóveis, passeatas, ondas, aves etc.) Outro, o movimento que sugere deslocamento de pontos, linhas, planos etc. através de nudanças suaves de dimensões, formas e posições dentro do enquadramento escolhido. (p. 26)
Bem, estou satisfeita com a descrição de movimento, mas ainda assim diz pouco sobre narrativa. Afinal, o que é a narrativa na fotografia? Como podemos identificá-la?
Acredito que o Ivan tenha muito a contribuir nesse sentido, se é que já não tem algo escrito sobre isso que eu não li.
Bem, pessoal, faz tempo não posto nada no fórum, muitos afazeres me afastam da fotografia, além de buscar um desenvolvimento de fora pra dentro e não mais o inverso. Mas sempre esforço-me para não perdê-la de vista e, por isso, faço essas associações malucas.
Abraço a/em todos.