No auge dos meus 18 anos, estava bem aparentemente, o constante assédio das clientes e das colegas de trabalho indicavam que 4 anos de esforço na academia e alimentação haviam dado resultado, nesta mesma época, troquei meus óculos fundo de garrafa por lentes de contato.
Trabalhava em uma empresa famosa, um supermercado que levava o nome de uma cidade da região de Campinas no plural. Era caixa, bem, ao menos era o que dizia no contrato, entretanto, por ser forte e por ter mania de organização (muita habilidade no Tetris, vai saber) estava sempre no estoque, organizando as entregas, entrava as 13:00 e saia as 22:00, raramente o horário de saída era esse, como a maioria dos jovens, queria ir pra balada, e 23:30 já era meio tarde pros padrões da época.
Certa vez, uma garota me abordou no caixa, eu estava namorando, e sempre fui tranquilo, nunca curti chifrar, achava desleal, preferia romper e arriscar. Educadamente recusei, após este dia, minha vida se tornou um inferno no mercado, me colocaram para ajudar a descarregar caminhão, depois ajudar no estoque de carnes, e quando faltavam 15 minutos para as 22:00 me chamavam no caixa, e lá ficava até depois das 23:00.
Descobri que a menina que recusei era filha do gerente local, o gerente do meu setor, pois um amigo que trabalhava na tesouraria me pos a par do acontecido.
Precisava me safar daquilo, não queria treta, pois estava aprendendo a controlar minha raiva, havia tido muito problemas com brigas e agressões, foi então que surgiu uma vaga na "ilha" de eletrônicos, o que eu dominava bastante, pois curtia muito games e fotografia, era minha chance.
Me candidatei, era apto, muita gente me incentivou, pois direto dava dicas de compras de equipamentos eletrônicos pra galera.
Dia seguinte ao prazo, anunciam a pessoa ganhadora, bem, não foi dessa vez, uma menina com traços orientais foi eleita, pensei, justo, essa aí deve entender bem mais que eu.
De volta ao estoque "lombando" caixas, carnes pesadas, escuto: Fulano comparecer a ilha de eletrônicos, estranho, será que ela havia faltado? Estava concentrado, fingi que não ouvi e fiquei onde estava, logo veio o gerente fdp que me fodia sempre e ordenou que fosse a ilha, perguntei se a oriental estava doente, ele disse que não, que estava lá, e precisava de ajuda, aí eu disse que não iria, pois ela foi a eleita, que dê conta do recado, ele então subiu o tom da voz e me disse: Isso não é um pedido, é uma ORDEM.
Depois dessa "sutileza" toda, fui até lá, a contra gosto, mas fui, chegando vi que o cliente era o filho do gerente geral regional querendo saber sobre cartuchos e consoles 16 bits, entendi então o desespero do gerente local.
Foi então que comecei a falar com o garoto, ele, alegre em me ver, pois na época, eu era um dos melhores jogadores de Street Fighter 2 de SP, começamos um bate papo, e perguntei, seu pai está por aí? Sim, ele está na praça de alimentação, por que?
Bom, preciso de um favor, se me ajudar te ensino uns truques para jogar melhor, ele, sem titubear, aceitou, contei a ele uma parte da história, e lhe disse o que fazer.
Voltei ao estoque, 2 horas depois me chamam na diretoria, pensei, é hoje que sou demitido, chegando lá estavam o gerente local, o gerente regional, a oriental, o garoto e a diretora da empresa.
Notei uma semelhança entre a diretora e a oriental, agora tudo estava claro, ela, a diretora, rispidamente me diz: Nesta empresa somos família, minha sobrinha foi escolhida para trabalhar na ilha, você não foi escolhido pois apesar de saber muito sobre eletrônicos é muito insubordinado, arrogante e nervosinho, não é só questão de habilidade, mas de hierarquia e saber onde é seu lugar.
O garoto nos contou que ele deveria ir até a ilha com o pai e por a prova a aptidão da funcionária eleita, para testa-la e desqualifica-la, mas, aqui somos família, e o diretor regional é meu amigo e jamais faria algo assim, seu moleque, está pensando o que? Vai ficar uma semana suspenso e quando voltar vai trabalhar só no açougue carregando carne.
Muito, mas muito puto, minha vontade era socar todo mundo ali, traqueia, maxilar, articulações, mas, como estava com dois processos por lesão corporal na berlinda, me contive, engoli a raiva e fui pra casa.
Tive uma semana para elaborar minha retaliação, nesse meio tempo, fui convidado para dar aulas em uma academia.
Após uma semana, voltei, havia uma reunião geral, aquela merda corporativista, lavagem cerebral, papo de vestir a camisa e o caralho.
Aguardando o início daquela porcaria, fico sabendo que um de nossos amigos fora demitido, por justa causa, pois trocar tickets alimentação por dinheiro era contra as regras, ele, era o arrimo de família, sua mãe doente, seu pai falecido, com 3 irmãos menores, um deles com paralisia cerebral, o dinheiro do ticket, seria para comprar alimentação parenteral... quem o despediu? O gerente local, que sabia de toda sua história.
Começa então a reunião, depois de muito blablabla, soltam essa frase: "Por que esta empresa é uma família, somos todos família, devemos ver esta empresa como uma mãe". Então, com a frase clichê proferida, perguntam: Alguém quer comentar algo? Vamos pessoal participem, todos tem direito de opinar na família.
Me levanto, todos olham pra mim, dou uma pausa bem longa, e a diretora, grossa como uma tora diz: Vai demorar muito?
Digo, não, é que estou aqui pensando, como ousam comparar essa porra de empresa a família, aqui só é familia se for nepotismo ou máfia, no caso de sua sobrinha e dos seus favorecidos, como se atreve tal comparação a essa corporação podre e corrupta?
Ela tentou falar mas aí vociferei, "família é sagrada, quando há um problema na família, não mandamos um de nossos entes pra rua, em uma família de verdade, se divide o pão, se coloca água no feijão, mas jamais expulsamos a um dos nossos, mesmo cometendo erros, são perdoados, punidos sim, mas não com o exílio, então minha senhora, não me venha com essa comparação ridícula e imbecil que o pessoal do RH inventou."
De lá ela gritou, está demitido, nem precisa cumprir o aviso, suma daqui agora, seu atrevido, moleque, vagabundo...
Peguei minhas coisas e fui embora, ótimo, não queria pedir as contas, mas isso não ficaria assim, aguardei a noite chegar, ela saiu, sempre a última, fique atrás do seu carro, ela estava só, apareci derrepente, bufando, com sangue nos olhos, disse a ela: Bom, olha só quem está aqui, a poderosa, e agora senhora diretora, onde está seu poder? Não tem mais poder sobre mim, que vai fazer? Me demitir? Você é toda valente lá dentro e agora, cadê sua coragem? Fala alto comigo agora, vai, grite, quero ver!
Os olhos dela demonstravam o medo, o terror, toda sua arrogância desapareceu e deu lugar a súplica, fui chegando perto, do rosto dela, baforando e soltando perdigotos de saliva em seu rosto, subitamente um barulhointerrompe minha atuação,escuto, Prrrrrrrrrrr, blooooooololololo, olho para baixo e vejo todo seu medo materializado em forma sólida e liquida, me afasto, sorrio e digo: Acho que sua coragem escorreu pelo chão!
Jamais bateria em uma mulher, mas confesso que ve-la assim saiu melhor do que o susto de lição de moral, rapidamente tirei uma câmera da mochila e bati umas 4 fotos, na época era filme, só para garantir.
Olhei para ela e disse, bem, garanta um ótimo "acerto", com indenização e tudo mais, se eu não achar justo, envio essas fotos pra matriz e pros jornais locais.
Assim que recebi minha indenização, liguei para ela pedi seu endereço e lhe entreguei as fotos e o filme, obviamente, fiquei com uma cópia, caso ela quisesse retaliação, e disse isso a ela pessoalmente.
Com o dinheiro comprei uma parte na academia e fui feliz por muitos anos.
A vingança só é doce porque a injustiça é amarga. (minha primeira frase)