Folha de São Paulo, Ilustrada, 17 de outubro de 2007.
Parr vê excesso de nostalgia na foto latina
Fotógrafo diz que colegas da América Latina "devem correr atrás de lugar ao sol"
Vice-presidente da agência Magnum em Londres observa falta de ousadia editorial em publicações especializadas brasileiras
EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Conhecido pela irreverência e ironia que marcam tanto o seu trabalho quanto a sua atitude, o fotógrafo britânico Martin Parr, 55, da agência Magnum, esteve pela primeira vez no Brasil, no início deste mês, para ministrar um workshop e dar uma palestra no 1º Fórum Latino-Americano de Fotografia de São Paulo, realizado no Itaú Cultural.
Ao fim do evento, ele recebeu a Folha para uma entrevista exclusiva.
Parr é o atual vice-presidente da Magnum em Londres. A mítica agência, fundada por Henri Cartier-Bresson e Robert Capa em 1947, reúne boa parte dos mais importantes fotógrafos documentaristas do mundo.
A entrada de Parr na agência, em 1994, foi tumultuada. Seu trabalho de cores saturadas, com linguagem que remete à publicidade, plena de ironia, humor e enquadramentos nada convencionais, encontrou em Cartier-Bresson um ferrenho opositor.
"De fato, Bresson votou contra mim, mas tive 2/3 dos votos a favor da minha entrada. No fim, a polêmica foi boa. Fiquei conhecido rapidamente por causa disso. Até hoje, há resistências internas ao meu trabalho. Mas, como dou um bom faturamento para a agência, os ânimos estão mais calmos", afirma.
Em 2004, Parr lançou o "Photobook", pela editora Phaidon, obra de referência na qual cita cerca de 400 livros de fotografia entre os melhores da história. "Silent Book", de Miguel Rio Branco, editado pela Cosac Naify, esgotado há tempos, é a única obra nacional mencionada.
"Isso se deveu em parte à dificuldade em ter acesso aos livros brasileiros, mas também à falta de ousadia editorial e ao acabamento ainda ruim das publicações feitas aqui", disse. Ao se desculpar por ter, de alguma forma, compactuado com o que ele descreve como "marginalização da fotografia latino-americana na história oficial", disse que os fotógrafos da região "devem se mostrar mais, correr atrás de um lugar ao sol".
Nostalgia latina
Quanto à fotografia latino-americana contemporânea - que serviu de tema ao fórum em São Paulo -, disse perceber um excesso de nostalgia:
"Na América Latina, me parece que os fotógrafos estão mais preocupados com aquilo que está desaparecendo, como as comunidades indígenas e a arquitetura de uma determinada época. É a primazia da nostalgia. Não vejo muitos fotógrafos enfocando o Brasil contemporâneo. Se só fotografarmos voltados para o passado, daqui a algumas décadas não saberemos como foi o país neste momento", observa.E continua: "A fotografia de denúncia, na grande maioria das vezes, mostra a pobreza como o problema da humanidade. Em meu trabalho, opto por mostrar que o problema são os ricos. É a riqueza que, no lugar de pensar alternativas para o transporte público, enche as ruas de carros e causa a poluição, como ocorre aqui na cidade de São Paulo. O consumo desmesurado dos ricos também leva a uma degradação de valores na sociedade".
Parr aproveitou a viagem ao Brasil para fotografar praias cariocas. As fotos devem integrar seu 40º livro autoral, intitulado "Playa", todo feito em praias da América Latina.
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Grifei uma parte que achei mais interessante e resume a idéia de nostalgia do fotógrafo sobre a fotografia brasileira, por exemplo. Acho que ele conhece pouco o trabalho nacional, talvez por isso fale que a América Latina tem que se mostrar. É difícil encontrar publicações de fotógrafos brasileiros em livrarias fora do país. Aqui só vi do Sebastião Salgado. Aliás, vejam também, é o trabalho dele na África.
http://www.taschen.com/pages/en/catalogue/photography/all/01373/facts.sebastio_salgado_africa.htmVeja o trabalho de Martin Parr em:
http://www.martinparr.com/Dá pra entender um pouco as objeções de Henri Cartier-Bresson acerca do ingresso do fotógrafo na agência Magnum.
Não gostei da parte que o entrevistado menciona que agora é mais aceito na agência porque simplesmente dá lucro. É banalizar demais o trabalho do fotógrafo e reduzir a questão aos fatores materiais.
Sobre as nossas publicações na área de fotografia ele esqueceu de considerar que às encadernações rasteiras e ausência de ousadia do mercado editorial agrega-se um valor muito alto dos livros, um poder aquisitivo muito baixo da população e a não-formação de público para esse tipo de consumo. Esses são problemas específicos da América Latina que o primeiro mundo desconhece, mas ainda assim analisam com propriedade a questão.
Alguém freqüentou esse Fórum de Fotografia Latino-Americana em São Paulo?