Estava relendo as considerações de Peter Gay sobre estilo, que postei há tempos aqui, e julguei interessante postá-las de novo porque reli de outra maneira, complementar, porém diferente, e as dividi por tópicos.
1)
O estilo como algo maior que a genética de cada um. O estilo não é somente algo restrito à natureza do indivíduo, mas algo mais amplo surgido do cruzamento de instâncias diversas, tais como as relações entre indivíduo e sociedade, público e privado, costume e cultura, herança e continuidade, tradição e modernidade. O estilo, portanto, não é apenas uma manifestação espontânea do criador, mas uma construção social que agrega vários elementos.
2)
O estilo como parte de um processo. O estilo é uma construção, resultado dum processo, ou seja, não se nasce com ele, mas se adquire, se refina, se aprimora.
3)
Etapas do desenvolvimento. Na construção de um estilo (construção aqui é empregada para demonstrar, não traços de artificialidade, mas sim como parte de um processo), existe um caminho a ser percorrido. A admiração por trabalhos alheios assim como as tentativas de imitá-los são fases importantes no processo de autodescoberta.
Sobre esse assunto, Peter Gay lançou uma idéia da qual compartilho integralmente, isto é, a manifestação artística não provém inteiramente do coração, mas do contato com a produção precursora. Justamente por isso que questiono quando alguém diz que fotografa com a alma, que demonstra sentimento, que extravasa emoção, pois se são expressões que causam empatia no leitor distraído, não tem nada de concreto para a produção fotográfica, nem minha, nem sua, nem de ninguém. Afinal, pergunto de novo, como se identifica sentimento na fotografia? Pergunta para qual até agora não obtive resposta convincente. Veja bem, não quero com essa indagação tornar a fotografia fria, amorfa nem apática, mas sim tornar o processo de aprendizagem paupável, sem depender dos deuses do Olimpo, do gênio de Aladim nem tampouco do Espírito Santo como bem lembrou o Ivan. Aliás, eu gosto do Ivan porque ele diz as coisas que precisam ser ditas assim, sem meandros, evasivas ou chorumelas.
4)
Trabalho, trabalho, trabalho. Não se constrói um estilo nem uma carreira sólida sem dar duro, pegar no pesado, dormir pouco, acordar cedo, sem viver, comer, dormir com a fotografia. Como escreveu Peter Gay, numa frase que eu adoro,
"a singeleza mais elevada surge mais tarde, fruto de uma faina que oculta a faina" e, noutras duas frases, sintetizou todo o processo: o estilo é
“ato da vontade e exercício da inteligência", "o estilo, além de dote, é conquista e o estudo do estilo empreende a crônica e a análise dessa conquista”. Sem vontade, sem inteligência e sem consciência de tudo isso, graças a Deus resta-nos o Espírito Santo.
5)
Ninguém cria nada a partir do nada. Gênios não existem, são personagens da ficção, ninguém me convence do contrário. Justamente por isso podemos reconhecer uma linguagem recorrente que permeia um determinado contexto. Ninguém precisa me dizer, por exemplo, que determinada fotografia foi feita nos anos 1950 ou inspirada nessa época, porque existe uma linguagem comum que une a produção do período, seja ela técnica (aqui refiro-me ao sentido de técnica do dicionário e não a tudo e todos como vi noutro tópico), seja outro elemento.
Lembro que postei a foto "Nude", de Edward Weston, e o Ivan sublinhou a semelhança com o "Abaporu", da Tarsila do Amaral, quando ambos não se conheciam, provavelmente nem se conheceram, mas cujas obras, de universos distintos, não tinham nem uma década de diferença. Tarsila Amaral pintou o Abaporu no final dos anos 1920 e a foto é de meados dos anos 1930.
Enfim, existe uma espécie de vocabulário que permeia a produção de uma época. Se eu quiser fotografar como Cartier-Bresson, posso tentar e até ser elogiada na galeria, mas não serei reconhecida por caminhar por um caminho já caminhado, digo, consagrado, nem serei reconhecida "gênia", também porque o conceito de genialidade, além de atrofiar os meros mortais como eu, você e todos nós (desculpem-me os "gênios", estes estão excluídos da assertiva por natureza), é restrito ao universo masculino, afinal nunca vi ninguém se referir a alguma mulher como "gênio", até a palavra não tem flexão de gênero.
6)
Não se define estilo fotografando no automático. No automático, não com a máquina no automático, esse é tema de outro debate, mas ao reproduzir uma linguagem padronizada, permeada por chavões fotográficos. Como disse Peter Gay sobre a "balcanização" da produção literária, que aqui associo à automatização da fotografia, que “divide fatalmente o que se deveria unir; os produtos que tais métodos lançam no mercado são, como todos sabemos, mercadorias com embalagens atraentes, enfeitadas com trocadilhos obsessivos, superlativos gastos, episódios falsos.
O estilo, aqui, é um subproduto do empreendimento comercial não é de forma alguma o homem, e sim o sistema”.
Discussão derivada desse tópico:
http://forum.mundofotografico.com.br/index.php?topic=23910.msg228621#msg228621