Jack:
Fui olhar suas fotos no Olhares, para compreender o seu comentário.
Com base no que vi, vou fazer uma pequena digressão, se não for aplicável, por favor me perdoe.
Quando fotografamos, tenho observado que há pelo menos dos pólos, duas atitudes fundamentais do fotógrafo. Uma das atitudes é querer fotografar coisas extraordinárias. A fotográfia feita pretende espantar o observador, mostrando a ele um ângulo raro, uma cor dramática, um contexto estranho, um ser humano expressivo. Eu chamo isso, usando uma linguagem de computador, de "orientação ao objeto".
Uma segunda orientação é que não é bem o objeto que interessa, mas a fotografia mesma. Esse segundo tipo de fotógrafo não procura coisas extraoridárias para fotografar, procura sim fotografar as coisas normais de uma forma que as apresente com características tais que se tornem interessantes. Chamo isso de "orinação à fotografia".
Naturalmente ninguém está num pólo ou no outro puramente, uma fotografia real é uma mistura das duas coisas. Mas, sem dúvida, minhas fotografias são mais do segundo tipo que do primeiro. Eu não tento pegar um pôr-do-sol vermelhão, e lhe digo, correndo o risco de parecer pouco modesto, que não tento porque não me oferece desafio suficiente. É só fotometrar o céu e correr para o abraço. Posso tentar sim, se houver um contexto onde outros elementos de interesse constituam um conjunto maior, mas não busco em tal sorte de objetos fotogênicos a fontte do interesse das minhas fotos.
O que busco é, sim, tratar os objetos e situações normais com delicadeza, com afeto, digamos assim, fazer retratos onde o retratado seja humanamente interessante, não um símbolo de abandono, de vício, nada disso. Apenas alguém em sua vida própria.
As paisagens...bem, essas muita gente diz assim "Não vejo nada de interessante nisso, é só fotografia de mato!". Por que? Porque o que desejo não é mostrar algo dramático, mas sim algo que calmamente, como aliás é a vida mesma, seja percebido, e ao invés de espantar de primeira seja cada vez mais gostado a cada observação. Não faço fotos para serem vistas uma vez, mas muitas, e um truque forte é como uma piada repetida, perde a graça.
Um exemplo de uma paisagem minha de que gosto:
O seu comentário; estou acostumado com comentários desse viés e compreendo que no mundo atual onde as pessoas querem ser surpreendidas a toda hora por surpresas que na verdade são repetições, às fotos simples parecem à primeira vista faltar alguma coisa. "Por que esse cara fotografou isso?" parece ser a pergunta que surge naturalmente.
Confesso a você que tento podar minhas fotos de todo drama desnecessário, de toda espetaculosidade artificial. Procuro que seja simples, pois esse é o grande paradoxo: em um mundo cheio de espetaculosidade, o simples é o raro.
Se sei fazer coisas com espetáculo? Sei, Jack. Não é difícil não. Mas não tenho vontade. Minha vontade é só de fazer algo que visto pelo observador quase corresponda à sensação que ele teria estando lá. Visão natural das coisas.
Não chega a ser um pensamento muito original esse meu, pois fotógrafos como o Bresson tinham por regra fotografar com a câmera no nível do olho sem inclinações dramáticas exatamente para trazer naturalidade às fotos.
Quanto ao borrado da foto do Carnaval, acho que isso faz parte da narrativa. Uma foto narra alguma coisa, e aquela narra um momento em movimento, uma coisa no gerundio, "acontecendo". O acontecer é assim mesmo, um fluxo.
Não sei se conhece uma fotografia famosa chamada "O Beijo" do Doisneau.
Ela é um pouco assim. Tudo nela está meio borrado, e o que não está borrado não está no foco. Ela pega algo "acontecendo" e narra isso. Mesmo sendo uma foto em certo grau encenada, ele preferiu essa narrativa de fluxo em lugar da tradicional narrativa do congelamento.
Tudo isso tem nome: linguagem, narrativa, intenção.
É claro que gosto quando minhas fotos são gostadas, mas não é minha intenção principal fazê-las gostáveis. Se fosse eu também procuraria o espetáculo, e ouviria muitos "que incrível!", "Que fantástica captura!". Mas eu prefiro assim. Mostro fotos, alguns gostam e muitos desses alguns nem sabem bem o que os fez gostarem, atrinuem às cores, ao tratamento, enfim, a fatores parciais, quando na verdade é uma narrativa que subordina tudo isso.
Grande abraço, espero não ter lhe maçado com a explicação não do porque são gostadas -isso só cada pessoa que gosta poderia dizer- mas de porque eu as faço assim.
Ivan