Roberto:
A crença, ao meu ver errônea, da "espontaneidade da arte", crnça essa exclusiva do Século XX e desse início do XXI, mas que não se encontra absolutamente em nenhuma outra época, faz com que muitas pessoas achem que a arte é mais verdadeira quando produzida sem consciência.
A crença do século é ser a arte uma emersão de pulsóes recônditas, não conhecidas, uma expressão do inconsciente.
Contudo, ao nos aproximarmos de fato dos processos criativos o que observamos em todos eles é método, é sistema. O típico artista plástico de calibre tem plena consciência das implicações perceptivas do que faz, e não acredita no espontaneísmo. Ele persegue sua caça metodicamente, dia após dia, em uma trabalho que fica oculto no ateliê, e por isso, como só se vê a obra final, parece espontâneo.
A mesma coisa se dá com a fotografia. Embora o resultado final seja o importante, esse resultado final se quisermos que seja uma produção espontânea será raro.
Vou contar uma história. Sou mestre em arquitetura (MsC) pela FAU-UFRJ tendo exatamente produzido um estudo sobre esse tema, qual seja, os métodos de proporcionamento imemorialmente utilizados na arquitetura e suas razões perceptuais. O problema na arquitetura é o mesmo, e é a mesma atitude de muitos arquitetos, quererem a cada projeto criarem beleza por inspiração.
Depois de minha defesa, nos dois anos seguintes, fui convidado pelo meu orientador para fazer uma palestra aos mestrandos do programa. Eram turmas de 10 a 12 alunos, todos arquitetos, todos cursando o mestrado. Eu começava a expor o assunto assim: perguntava a elas qual era o método ou o procedimento que adotavam para garantir que um projeto produzisse uma construçãobela, pois inegavelmente a beleza é um requisito implícito de um projeto de arquitetura.
Pois bem, em duas turmas não ouvi uma só resposta. Aí dizia: pois bem, nesta escola, a melhor do Rio de Janeiro e das melhores do brasil, formam-se 200 arquitetos por ano. Digamos que cada um deles faça 5 projetos por ano, são 1000 projetos. Pois bem, o Espírito Santo da Inspiração terá de descer à Terra 1000 vezes por ano? Isso é razoável? Isso é provável? Ou na verdade não há nenhum prognóstico científico de desempenho estético das edificações na fase de projeto?
Naturalmente tinham de concordar com a segunda opção, pois é evidente que não se formavam 200 Michelângelos todo ano (e o Michelângelo usava os métodos de composição clássicos).
Aí então eu começava a expor o que é a composição do ponto de vista científico, como ela pode ser cientificamente compreendida. Por que cientificamente? Pois bem, Roberto, cientificamente para mostrar não haver essa subjetividade que todo mundo acredita ser característica da arte, e que é apenas uma idéia errada do Século XX. A característica do pensamento científico é a explicação de um efeito por uma causa, então a abordagem desse fenômeno deve dar conta de por que há impressão de beleza quando se usam determinados esquemas de composição.
Ter consci~encia da composição não diminui em nada a criação, é tão somente uma ferramenta. Ignorar isso é o mesmo que dizer: bem, escolho ao acaso abertura e velocidade, e uma parte das fotos sai boa. É verdade. Uma parte sai boa. Mas haverá muito mais bons prognósticos se houver consciência do processo.
Abraços,
Ivan