Autor Tópico: Sobre olhar  (Lida 4775 vezes)

bluebell

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Resposta #15 Online: 06 de Agosto de 2015, 02:55:06
http://www.costalara.com/blog/terry/

Certo, ele poderia ter dado milhoes de exemplos melhores, mas o fato de ser ele um ser repugnante nao invalida a tese.
Gostei quando ele diz que “fotografia de fotógrafo não interessa” e que o que interessa é a vida das pessoas. Achei o que ele diz bem interessante. Fui ler outros textos do site mas não entendi muito qual é a dele. Ok, confesso que não tive paciência pra ler todos os outros, mas mesmo assim ele me deixou bem confusa. Mas o que importa é que o que ele defende no texto em questão faz sentido e eu acho válido. Só que que eu fiquei curiosa pra entender qual é a desse cara, fiquei. :shock:


pkawazoe

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Resposta #16 Online: 06 de Agosto de 2015, 20:43:40
o tópico está muito bom,
e gostei de todos os comentários..

acho que independente do tal “olhar fotográfico” ser inato ou inerente
ele é fundamental para quem trabalha ou aprecia artes em geral
viver tal experiência nos torna mais ricos, pq ele não é o objetivo,
mas um caminho

ver, perceber, compreender

para aquele que faz ou observa
o olhar fotográfico se torna um exercício de reflexão


djonart

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Resposta #17 Online: 12 de Agosto de 2015, 11:30:53
Muito legal, uma das coisas que acho que agregam ao olhar fotográfico é a convivência com pessoas de diversas áreas culturais, quando se senta com um fotografo, por exemplo, para falar sobre vida em geral só para criar laços e conversar, já se consegue ver como ele leva a vida e o seu compreender do sentir, isso nos ajuda no nosso auto conhecimento.

(Meu vêr, desculpem os erros de português.)

PS: As vezes é difícil fazer amigos fotógrafos ( hehe).
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André Luis Jacob

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Resposta #18 Online: 12 de Agosto de 2015, 16:40:13
ao meu ver "olhar" nada mais é do que a bagagem que carregamos. Todas aquelas cenas de filmes, todos as fotos que julgamos serem belas, todas as paisagens que vemos, a forma como avaliamos a luz. Pra mim é algo meio técnico, algumas pessoas se preocupam com isso, outras nao, algumas desenvolvem este lado, outras nao tanto.

Um exemplo prático pra mim é: http://www.buzzfeed.com/danieldalton/there-will-be-scrolling#.ku2anXQVo

Esse post do buzzfeed foi mais enriquecedor pra minha fotografia que muito debate técnico
« Última modificação: 12 de Agosto de 2015, 16:41:17 por André Luis Jacob »
@jacobfotografiacriativa


vangelismm

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Resposta #19 Online: 12 de Agosto de 2015, 16:51:25
Um exemplo prático pra mim é: http://www.buzzfeed.com/danieldalton/there-will-be-scrolling#.ku2anXQVo

Esse post do buzzfeed foi mais enriquecedor pra minha fotografia que muito debate técnico

Outro dia estava me perguntando de quem é o mérito da composição do quadro no cinema.
Do diretor de fotografia, do diretor geral, do camera?
"A perspectiva de uma imagem é controlada pela distância entre a lente e o assunto; mudando a distancia focal da lente muda o tamanho da imagem , mas não altera a perspectiva . Muitos fotógrafos ignoram este fato, ou não têm conhecimento de sua importância." -  Ansel Adams, Examples – The Making of 40 Photographs


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Resposta #20 Online: 12 de Agosto de 2015, 17:38:04
Bagagem visual ajuda muito mas acredito ser mais do que isso.

Eu diria que a pessoa deva ter o olhar como seu mono natural de ver as coisas, de forma que quando esta com uma camera nao mao precisa procurar ver as coisas com o olhar fotografico e com esse olhar ir atras da foto. Mas o contrario, sendo ja parte natural de como ve o mundo, simplesmente fotografa o que ve, sem precisar cacar ou ir atras da foto.

Eu digo isso pq nas minhas melhores fases, eu nunca precisei buscar a foto. Era so pegar a camera e fotografar o que eu via, pq o que eu via je era de forma natural percebendo composicao, arranjo, contraste, testura, luz, etc. Isso eh o que eu chamei anteriormente de ter o sentido agucado. Eh olhar para qualquer coisa casualmente e aleatoriamente, como tambem em qualquer momento do dia, nao de forma momentania e forcada mas 24h e natural, e captar ou perceber a o arranjo, cores, texturas, formas, etc das coisas.

Em outras palavras, eh estar 24h apreciando a beleza e qualidades ou e possivel beleza e qualidades do visivel.

Eu digo sentidos agucado e nao o olhar aucado ou o visual agucado, pq acredito que nao seja uma questao somente visual, mas tambem o tato, o sonoro etc. Eh um estado semi meditativo. Se sua mente estiver focada em palavras, momentos passados, expectativas futiras, etc, vc se distrai dessas informacoes presentes captadas pelo seus sentidos.

E isso nao tem la muito a ver com tecnicidade tambem. Conhecer os aspectos tecnicos ajuda na hora da execucao e manuseio da ferramenta, mas uma vez tendo esse conhecimento e pratica, vc nao precisa ficar pensando ou focado em tais tecnicidades, pq a mente esta na atencao do momento e em suas qualidades. Com a pratica, a bagagem visual e sentido agucado, quase que inconcientemente vc manuaseia a boa foto.


Tambem pode ser dito que o olhar deixa de ser aquilo que vc quer (a expectativa do que vc espera, do programado, etc), esse sim passa a focar na tecnicidade de algo especifico e que se busca como resultado e qualidade. E passa a ser o que te vem, e gracas a acuracidade de seus sentidos e o silenciamento de sua mente vc consegue captar as qualidades do que te vem.


Eu sei que pode soar extremente ridiculo esse papo, ou muito filosofico, ou muito psicologico, ou muito pseudo... Mas certas coisas so podem ser realmente compreendidas atravez da experiencia. E muitas experiencias, mesmo que vivas e claras, as vezes eh extremamente dificil, ou talvez impossivel, transmitir sobre somente por meio de palavras.


Mas de forma bem resumida, o tal olhar eh ver o mundo ao seu redor e apreciar as percepcoes sensoriais como uma crianca, como se fosse a primeira vez.


André Luis Jacob

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Resposta #21 Online: 12 de Agosto de 2015, 19:02:56
Outro dia estava me perguntando de quem é o mérito da composição do quadro no cinema.
Do diretor de fotografia, do diretor geral, do camera?

Que eu saiba isso é função do Diretor de Fotografia, assim como o cuidado com iluminação de cena, movimentação de cameras e tudo o mais. O diretor mesmo vai cuidar de outras coisas. Claro que deve rolar uma conversa e uma participação da equipe, mas a função mesmo é dele. Que eu saiba o diretor de fotografia é quase tão importante quanto o Diretor geral do filme, eles trabalham junto, durante a produção e na pós na hora da edição (ainda mais hoje em dia, onde menos esperamos tem chroma).

O camera não manda em nada nesses casos, é um trabalho mais técnico igual o do foquista, tecnico de som e tudo o mais.
@jacobfotografiacriativa


RFP

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Resposta #22 Online: 14 de Agosto de 2015, 08:51:26
Oi, pessoal, tudo bom?
Imagino que deve haver discussões parecidas já no fórum, mas como não vi nenhuma recente, gostaria de propor algumas perguntas a vocês a respeito de olhar fotográfico.
Sei que as perguntas não têm respostas certas e erradas, e é justamente por isso que eu gostaria de saber as respostas de cada um e ter uma ideia de como funciona a "mente fotográfica" de vocês. :D
As perguntas são as seguintes:
O que você considera ser, ou como definiria, o que chamam de olhar fotográfico? Você acha que esse olhar pode ser treinado/aprimorado/desenvolvido? Se sim, como? E como você treina/aprimora/desenvolve o seu?
Eu tenho minhas respostas para cada pergunta, mas conhecer um pouco do processo criativo de outros fotógrafos creio que é sempre enriquecedor para o nosso próprio.
É isso! Espero que consigam tomar um tempinho para responder e obrigada desde já!

Legal ver um tópico com uma proposta de discussão da fotografia sob a perspectiva de criação.

Sobre o olhar, não acho que seja possível falar em "olhar" como algo que exista por conta própria, muito menos um categoria mais específica como "olhar fotográfico". Não existe olhar que não seja olhar alguma coisa, da mesma forma que não existe fotografia que não seja fotografia de alguma coisa. Ou seja, olhar e fotografar significa se relacionar.

Assim, acho que o que conta é essa relação, entre a pessoa que vê e fotografa com quem ou o que é fotografado. Penso que o desenvolvimento dessa relação seja o caminho para aprofundar qualquer tipo de criação, como diz o seguinte trecho:

"Na China antiga, antes que um artista começasse a pintar qualquer coisa — uma árvore, por exemplo — ele sentava-se na frente dela por dias, meses, anos, não importa quanto, até que ele fosse a árvore. Ele não se identificava com a árvore, ele era a árvore. Isso significa que não havia espaço entre ele e a árvore, nenhum espaço entre o observador e o observado, nenhum experienciador experienciando a beleza, o movimento, a sombra, a profundidade de uma folha, a qualidade da cor. Ele era a árvore totalmente, e apenas nesse estado ele podia pintar."
Krishnamurti


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Resposta #23 Online: 14 de Agosto de 2015, 14:09:23
Legal ver um tópico com uma proposta de discussão da fotografia sob a perspectiva de criação.

Sobre o olhar, não acho que seja possível falar em "olhar" como algo que exista por conta própria, muito menos um categoria mais específica como "olhar fotográfico". Não existe olhar que não seja olhar alguma coisa, da mesma forma que não existe fotografia que não seja fotografia de alguma coisa. Ou seja, olhar e fotografar significa se relacionar.

Assim, acho que o que conta é essa relação, entre a pessoa que vê e fotografa com quem ou o que é fotografado. Penso que o desenvolvimento dessa relação seja o caminho para aprofundar qualquer tipo de criação, como diz o seguinte trecho:

"Na China antiga, antes que um artista começasse a pintar qualquer coisa — uma árvore, por exemplo — ele sentava-se na frente dela por dias, meses, anos, não importa quanto, até que ele fosse a árvore. Ele não se identificava com a árvore, ele era a árvore. Isso significa que não havia espaço entre ele e a árvore, nenhum espaço entre o observador e o observado, nenhum experienciador experienciando a beleza, o movimento, a sombra, a profundidade de uma folha, a qualidade da cor. Ele era a árvore totalmente, e apenas nesse estado ele podia pintar."
Krishnamurti

Exatamente. Eliminar o espaco que divide vc e o objeto, o que significa tambem eliminar o tempo que separa os dois, ja que ambos estao relacionados.

Aldous Huxley fala sobre essa percepcao de unidade entre os objetos e o mundo em sua volta, tambem se referindo ao aguucamento dos sentidos. Como tambem fala Spinoza sobre isso. Ambos os dois dizem a mesma coisa que relatam a mesma experiencia que Krishnamurti.

Nessa percepcao de unidade e atemporalidade, ao pintar ou desenhar uma arvore vc nao esta registrando algo externo, mas sim fazendo uma expecie de auto retrato. Vc esta expressando a si mesmo.

Eu acredito que Martin Heidegger tambem quiz dizer algo relacionado a essa atemporalidade e espaco, em relacao a expressao individual e experiencia humana.

Infelizmente vivemos em um mundo que prega o contrario. Objetos, estilos de vida, experiencias devem ser vendido e percebidos como algo infinitamente exterior, propagandas fazem apelos a expectativas futuras, sobre o seu isolamento quanto ao que vc ainda nao tem e te anceia a desejar. Isso eh o que formenta o consumo e beneficia a economia em que o mundo vive.



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Resposta #24 Online: 14 de Agosto de 2015, 14:29:36
Um documentario que recomendo fortemente. Baseado e inspirado no Livro Ser e Tempo de Heidegger:

http://www.youtube.com/watch?v=Jn3HcJ3vq5E


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Resposta #25 Online: 19 de Agosto de 2015, 19:08:41
The Art of Looking: How to Live with Presence, Break the Tyranny of Productivity, and Learn to See Our Everyday Wonderland: http://www.amazon.de/exec/obidos/ASIN/1439191263/braipick00-21

https://soundcloud.com/brainpicker/alexandra-horowitz-interview


Maneco Pizarro

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Resposta #26 Online: 20 de Agosto de 2015, 12:17:16
Olá amigos,
Recentemente participei de uma oficina sobre fotografia em que foi distribuído o texto A COMPLICADA ARTE DE VER, de Rubem Alves, o qual "colo" abaixo.
Acho que tem tudo a ver com o tema.


A COMPLICADA ARTE DE VER

Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões – é uma alegria!
Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica.
De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões… Agora, tudo o que vejo me causa espanto.”

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta… Os poetas ensinam a ver”.

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado.
Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”.
Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem.

“Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios”, escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.

Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada “satori”, a abertura do “terceiro olho”. Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: “Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram”.

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, “seus olhos se abriram”.

Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em “Operário em Construção”: “De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa – garrafa, prato, facão – era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção”.

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas – e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre.
Os olhos não gozam… Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras.

Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: “A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas”.

Por isso – porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver – eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar “olhos vagabundos”…


Rubem Alves – Educador e escritor.
Texto originalmente publicado no caderno “Sinapse”, jornal “Folha de S. Paulo”, em 26/10/2004.


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Resposta #27 Online: 20 de Agosto de 2015, 16:19:47
Olá amigos,
Recentemente participei de uma oficina sobre fotografia em que foi distribuído o texto A COMPLICADA ARTE DE VER, de Rubem Alves, o qual "colo" abaixo.
Acho que tem tudo a ver com o tema.


A COMPLICADA ARTE DE VER

Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões – é uma alegria!
Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica.
De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões… Agora, tudo o que vejo me causa espanto.”

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta… Os poetas ensinam a ver”.

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado.
Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”.
Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem.

“Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios”, escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.

Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada “satori”, a abertura do “terceiro olho”. Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: “Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram”.

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, “seus olhos se abriram”.

Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em “Operário em Construção”: “De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa – garrafa, prato, facão – era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção”.

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas – e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre.
Os olhos não gozam… Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras.

Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: “A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas”.

Por isso – porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver – eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar “olhos vagabundos”…


Rubem Alves – Educador e escritor.
Texto originalmente publicado no caderno “Sinapse”, jornal “Folha de S. Paulo”, em 26/10/2004.

Tem muito a ver como livro e o podcast que postei logo acima.



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Resposta #28 Online: 20 de Agosto de 2015, 18:11:56
caro manek,
esse tópico todo resta inútil, antes e dps desse texto.
na verdade, acho mais: acho que deveríamos erigir algum altar, na capa do site mundo fotográfico, a exaltá-lo, todos os dias.
para que todos, antes de entrar aqui, fossem obrigados a passar por ele.
para que todos aprendêssemos, todos, a única didática que realmente importa na construção da fotografia.
rubem alves foi um educador, teólogo e filósofo dos mais importantes que tivemos - e infelizmente, pouco divulgado, pouco conhecido, pouco lembrado.
fico imensamente feliz de ver um texto dele aqui. sabendo ser dele, eu não esperava menos que esse monumento que vc trouxe.
muito obrigado por compartilhá-lo.


Maneco Pizarro

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Resposta #29 Online: 20 de Agosto de 2015, 21:59:54
caro manek,
esse tópico todo resta inútil, antes e dps desse texto.
na verdade, acho mais: acho que deveríamos erigir algum altar, na capa do site mundo fotográfico, a exaltá-lo, todos os dias.
para que todos, antes de entrar aqui, fossem obrigados a passar por ele.
para que todos aprendêssemos, todos, a única didática que realmente importa na construção da fotografia.
rubem alves foi um educador, teólogo e filósofo dos mais importantes que tivemos - e infelizmente, pouco divulgado, pouco conhecido, pouco lembrado.
fico imensamente feliz de ver um texto dele aqui. sabendo ser dele, eu não esperava menos que esse monumento que vc trouxe.
muito obrigado por compartilhá-lo.

Angelo,
o fantástico é que esse é um texto para ler e reler sempre, até para que, como o texto ensina, nos lembremos de tomar sempre o devido cuidado de onde guardamos nossos olhos.
Confesso que não conhecia o texto e sequer seu autor mas encantei-me desde a primeira leitura e, de verdade, que bom que gostou.