Kika
Uma das coisas mais importantes na fotografia, como em qualquer trabalho estetico-visual, é a pertinência. Todo tipo de valor de um objeto estético pode ser questionado, inclusive a composição. Porém, uma das coisas que menos tem variáveis é a pertinência do que você está fazendo.
Como qualquer produto de arte o que vai contar é o tipo de experiência que você quer que aquele trabalho tenha, mesmo que pra isso você ignore todo tipo de convenção. Eu vejo muitas análises comentando coisas como "cortou aqui", "seria melhor pra cá", e muitas vezes isso não atrapalha em nada a experiência da foto. Repito, tudo é a questão da pertinência. Se o que vc pretende é transmitir algo através da composição, há de se usar e abusar dos meios que vão tornar isso possível. Se a idéia é passar uma sensação cromática, a coisa muda de figura. Cada um usa o artificio necessário pra capturar uma determinada sensação.
Vamos colocar como exemplo a pintura. Leonardo da Vinci tinha um compromisso com a técnica(devido ao perfil social da época). Seus trabalhos tinham uma meticulosidade a respeito de composição e claro-escuro, ou seja, com o "desenho" em si.
Os impressionistas, por outro lado, tinham a preocupação com a luz e de como as cores se comportavam fisicamente. Esses trabalhos não são grande coisa em composição formal ou em desenho em si, mas são brilhantes na questão da cromia. Muitas coisas que se faziam pra conseguir esse efeito eram criticados, como "deixar o branco da tela aparecer", que era a sentença de morte da pintura clássica.
Os expressionistas, por sua vez, estavam preocupados com a essencia interior, com a s aflições da alma, com a - obvio - expressão. Muitos trabalhos expressionistas nem sequer têm composição, mas são perfeitos no que propõem.
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O que quero dizer com tudo isso é que uma análise não pode se concentrar apenas em composição. As vezes, o que parece um "erro" é o que causa a sensação necessária. O ato de inclinar a camera só para desestabilizar a imagem é um recurso tão importante quanto qualquer outro tipo de regra clássica. Há quem goste e há quem não goste, mas isso não é importante. O importante mesmo é se ter um trabalho honesto e pertinente com o que se pretende.
Às vezes vejo pessoas tão preocupadas com o aspecto técnico da fotografia, com a questão do "certo e errado" que acabam pasteurizando suas próprias imagens e buscam fazer isso no dos outros. Não adianta olhar dos pormenores para o todo, afinal o todo é muito mais que a soma das partes.
Isso me faz lembrar um filme chamado "irreversível". Tecnicamente ele é todo errado: é todo de trás pra frente, a composição das cenas dá vertigem porque a câmera fica balançando o tempo todo, as imagens sao escuras e nem dá pra entender o que se passa. Quanto tem luz, ela é estroboscópica e dá sensação de epilepsia. Mas se fosse um filme tradicional, bonitinho, sem erros técnicos, não seria a maravilha que é. Muitos não gostam...mas é o preço a se pagar por sair da mesmice.
Fotografia, enquanto forma de arte, precisa mais de essência, de alma, do que de um punhado de receitas pra compor. E se você sente a necessidade de inclinar sua câmera, botar ela de cabeça pra baixo ou qualquer coisa, não há absolutamente nada nem ninguém que poderá dizer que você está errada. Tudo é questão de pertinência. E alguém não gostar não quer dizer que você esteja errada. Como disse Oscar Wilde: Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo."