Autor Tópico: O fotojornalismo subversivo de Ivars Gravlejs  (Lida 14945 vezes)

rafaelfrota

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Resposta #90 Online: 04 de Fevereiro de 2010, 14:41:01
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1) A fotografia é sinônimo de realidade?

Sinônimo seria diminuir demais o potencial dela. Ela pode ser usada com esse intuito. Ou não. É uma ferramenta como qualquer outra, como uma câmera de vídeo. Pode ser feito um Fahrenheit 9/11 ou um Nosferatu

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2) Existe imagem puramente alguma coisa? Intacta, invicta seja do ponto de vista comunicacional, estético, sociológico, histórico etc.?

Isso cai muito na questão fruidor x criador. Numa biografia sobre Escher, o artista fala que tinha intenção puramente estética ao distorcer perspectivas. A criatividade e capacidade de desenho, eram coisas que ele dizia não ter muito desenvolvida. Então ele copiava friamente a realidade (num sentido amplo de realidade). Uma vez uma senhora escreveu uma carta dizendo "maravilhosa sua gravura sobre a interpretação da reencarnação", no que ele respondeu "se você a vê assim, então que seja assim". Muita gente julgava ele um eximio matemático, mas ele assumia que era péssimo em matemática.

http://quadradinhos.no.sapo.pt/escher2.bmp

Ou seja, poder ser puramente alguma coisa, até pode. Mas nada impede de atribuírem valores ao trabalho que não são próprio dele (cognitivo ao plastico e plástico ao cognitivo)

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3) Qual a utilidade da arte? Deleite, simplesmente?

A melhor resposta que eu conheço é a que está aí do lado, no meu perfil  :assobi:

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4) A arte pode ser revolucionária, engajada, política etc.? Ainda assim, manter propriedades estéticas?


Como eu disse, uma coisa necessariamente não pressupõe e exclusão da outra. E não digo só nas artes plásticas, mas na música, teatro e qualquer outro tipo de arte. Veja na história das artes quanto protesto existiu mantendo-se uma qualidade da estrutura básica da arte escolhida como meio...


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Por que temos que dividir, compartimentar ao invés de congregar, dialogar?

Não temos que dividir...existe espaço pra tudo. Se cada um ficar no seu canto, todos ficaremos felizes. O problema é que muitas vezes existe a vontade de "romper" com algo, classificando o anterior como ultrapassado. Cada um na sua...

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Eu ainda não entendi porque a discussão caminha para um beco sem saída. Parece até que a gente é parente ou ganha dinheiro ao ficar do lado do Gravlejs ou se opor a ele.

Eu ia responder a mesma coisa que o afshalders disse: "essa discussão já começou em um beco sem saida...". Acredito que não tenha sido intenção, mas o tópico realmente pareceu com "ou vc concorda, ou você não entendeu", como disse a Ana Adams.


Kika Salem

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Resposta #91 Online: 05 de Fevereiro de 2010, 23:45:57
No momento acabei de ler a seguinte passagem no livro "Introdução à análise da imagem". Vou transcrever um trecho meio longo porque julguei que tem a ver com o tópico, porém é a parte final que mais me fez trazê-lo para cá, a parte anterior são exemplos:

"Quando o pintor Valloton, a uma pintura forte e comovente representando um homem e uma mulher que se beijam, abraçados, num recanto sombrio de um salão burguês, não dá o título de O Beijo, como poderia fazer Rodin em algumas de suas esculturas mais conhecidas, mas sim A Mentira, ficamos sonhadores e amargos. E todavia aceitamos a interpretação proposta, uma vez que se trata de uma pintura e, portanto, de expressão, mais do que informação. [A autora não faz essa diferenciação, aqui ela é usada mais para atestar a aceitação de um em contrapartida à recusa do outro]

Quando, em contrapartida, se mostra na televisão uma vala comum na Romênia, que se refere a ser em Timisoara, para em seguida se saber que esta vala não era a de Timisoara, então a distância é inaceitável porque contrária à deontologia da informação. O problema, como vemos, só acontece devido à relação entre linguagem verbal e imagem, não pela imagem propriamente dita: se apenas tivéssemos visto imagens de valas, apenas teríamos visto imagens de valas e seria tudo. Quer seja midiática ou artística , uma imagem não é verdadeira nem falsa, tal como afirmou Ernest Gombrich a propósito da pintura. É a conformidade ou a não-conformidade entre o tipo de relação imagem/texto e a expectativa do receptor que dão à obra um caráter de verdade ou falsidade." (p. 137)

Acho que o que mais me incomoda (no sentido geral, não pessoal) das discussões acerca da "manipulação" da imagem, o próprio termo já é pejorativo, não é a "interferência do homem" no produto final, até porque a interferência no homem ocorre muito antes do tratamento, é a crença na existência de uma verdade absoluta, a crença no fato, a crença de que a fotografia é registro fiel da realidade, afinal, contra as fotos não há argumentos. Esse incômodo está diretamente relacionado à minha área de formação que, por longas décadas, acreditou-se piamente no documento histórico como verdade inconteste. Graças a Zeus, isso é passado.  

Bem, sublinho que minha intenção não é justificar o referido fotojornalista, mas trazer elementos à discussão que procuram fugir do senso comum, se fogem é outra questão.

Outra questão: essa foto dos carros (a original uma rua menos tumultuada, a alterada com mais carros, se lembro bem). De fato, não é uma "obra prima" como estamos convencionados a pensar, sobretudo pelo aspecto plástico dela. Muitos outros aqui poderiam fazê-la quase que idêntica. No entanto, penso que o que está em questão e o que norteia os debates acerca desse trabalho em particular, não é o produto em si, mas vai além disso, muito além, é o incômodo que a atitude provoca, a rejeição que causa no expectador, o debate que ele propicia, a revolução interna que ele traz à tona, o questionamento de uma estrutura mais que acentada, cristalizada, os bastidores da imprensa, a relação fotógrafo-indústria-fotografia ou indústria-fotógrafo-fotografia, enfim, são tantas questões que, se a foto é clichê é um aspecto secundário.

Buona Notte!!!
« Última modificação: 05 de Fevereiro de 2010, 23:47:41 por Kika Salem »


AFShalders

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Resposta #92 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 02:37:40
Continuo não comprando o peixe. Oficialmente deixo de frequentar este tópico.
« Última modificação: 06 de Fevereiro de 2010, 02:37:56 por afshalders »


Kika Salem

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Resposta #93 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 07:58:16
Continuo não comprando o peixe. Oficialmente deixo de frequentar este tópico.

Tudo bem! É a segunda vez que você diz isso. Na primeira eu lembrei daquela música de Jane e Herondy ("Não se vá, não me abandone por favor..."), na segunda eu lembrei de outra da Roberta Miranda. Mais um pouco, lembro de outra do Vinicius.
Em todo caso, minha intenção não é fazê-lo nem fazer ninguém tratar de um assunto na marra, mas, está claro, que minha indagação tem a ver com o seu último post sobre a função do jornalista, isto é, "relatar aos fatos". Bem, se ao historiador, relatar os fatos já é complicado e quando alguém opta por isso já sabe que esta escolha implica também numa tomada de posição, imagino que para os jornalistas não seja diferente.

Bem, também não vou me estender porque comunico aos colegas que a partir de amanhã eu deixo oficialmente de freqüentar o fórum.

Mas lembro que não é por conta nem do Ivars Gravlejs, nem dos colegas, nem dos debates, nem é pra sempre. kkkkkk
« Última modificação: 06 de Fevereiro de 2010, 08:22:24 por Kika Salem »


LuizNdo

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Resposta #94 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 15:50:59
A questão que realmente incomoda não é a ética da informação transmitida pela imagem.
Não é a questão da manipulação ou não da fotografia na indústria.

O que incomoda nesse tópico é o fato de vangloriarem a obra que, uma vez sendo exposta, ganhou status de "ARTE CONTEMPORANEA".

Porque tal trabalho, que nada tem de expetacular, criterioso, criativo e/ou inovador, passou a ser descrito como um trabalho genial?

Essa é a verdadeira questão. Ou estão cometendo um equívoco ou estão atestando que a Arte Contemporânea será conhecida como o período "Não-Arte" da história.
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Resposta #95 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 16:46:07
(comentando sem a menor necessidade de fazer isso...)

Bem, longe de mim ser autoridade no assunto, mas, gostei do trabalho do cara. Eu queria muito um dia conseguir fazer algo assim nesse esquema meio culture jamming!

Eu não sou muito fã de arte alicerçada em discurso, mas nesse caso eu adorei. Eu gosto muito dessa coisa de usar o cinismo na arte (adoro o trabalho do Jeff Koons, talvez o maior cínico de nossos dias na arte contemporânea).

Ao contrário dos colegas, eu não invocaria o urinol do Duchamp nessa discussão, e nem o Banksy. São coisas distintas, pra mim (pode ser defeito) fica difícil ver um elo entre elas.

Gostei da citação do Flusser. Aproveito pra lembrar duma fala dele - de que a última revolução possível é a revolução feita pelas imagens.


lsd

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Resposta #96 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 16:54:06
A questão que realmente incomoda não é a ética da informação transmitida pela imagem.
Não é a questão da manipulação ou não da fotografia na indústria.

O que incomoda nesse tópico é o fato de vangloriarem a obra que, uma vez sendo exposta, ganhou status de "ARTE CONTEMPORANEA".

Porque tal trabalho, que nada tem de expetacular, criterioso, criativo e/ou inovador, passou a ser descrito como um trabalho genial?

Essa é a verdadeira questão. Ou estão cometendo um equívoco ou estão atestando que a Arte Contemporânea será conhecida como o período "Não-Arte" da história.
Arte não precisa ser criteriosa, inovadora ou espetacular. Talvez muita gente ache que a palavra "arte" traga consigo uma aura que na realidade ela não tem.

Dizer que determinado trabalho é arte não o faz automaticamente ser "bom". De fato juízo de valor ("bom", "ruim", "bacana", "pobre", etc) não combina com arte contemporânea. Eu, por exemplo, no meu comentário emiti a minha opinião, longe de julgar o trabalho do cara, se é (boa/má) arte ou não.

Hoje há uma abertura de exposição numa galeria em SP, chamada Nuvem. Eu gostaria de ouvir as suas impressões sobre os trabalhos expostos lá, exceto um deles (uma pintura de paisagem, na verdade, do mar). Antes que me pergunte, sim, isso é um convite (e não um desafio, é um mero e inocente convite). Talvez ajude a entender que arte não precisa ser algo maravilhoso... é apenas arte - obra feita por um ser humano.


LuizNdo

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Resposta #97 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 16:58:12
Acho Jeff Koons mais lúdico que cínico. O que não desmerece em nada a arte dele.









Em matéria de cinismo e "culture jamming", como citou, ainda fico com Banksy






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Resposta #98 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 17:09:35
Então, o lance do cinismo é assim...

Ele é um cara cuja obra em vários momentos questiona/critica o sistema mercadológico da arte, a questão do valor monetário da obra e etc. Mas ele "critica" usando o próprio sistema mercadológico - fazendo obras de puro fetiche, custando uma fortuna, segundo ele mesmo sem que elas tenham o valor pelo qual são vendidas. Alguém vai dizer hah! ele é esperto, engana todo mundo com essa historinha e enche o bolso de grana...

Pois é... isso é parte do trabalho artístico dele, gostemos ou não.

Detalhe: no começo da carreira, ele trabalhou na bolsa de NY. Ele diz que queria fazer coisas mirabolantes mas não tinha grana, dai foi trabalhar na bolsa e entendeu como funciona essa coisa de grana e tal, e resolveu tirar partido da coisa toda pra fazer arte.


LuizNdo

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Resposta #99 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 17:09:59
Talvez ajude a entender que arte não precisa ser algo maravilhoso... é apenas arte - obra feita por um ser humano.

Arte não precisa ser "pomposa", esse é que é o maior engano. Daí pra dizer que arte é apenas uma obra feita por um ser humano é, no mínimo, absurdo.

Nesse termo as duas coisas devem ser igualmente consideradas obra de arte:





Daí o termo "estado de arte" perde todo o significado.

E pra contextualizar esse post no tópico, considero o trabalho do Ivars muito mais próximo da primeira imagem do que da segunda quando procuro um valor artístico nela.
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Resposta #100 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 17:16:07
Ele é um cara cuja obra em vários momentos questiona/critica o sistema mercadológico da arte, a questão do valor monetário da obra e etc. Mas ele "critica" usando o próprio sistema mercadológico - fazendo obras de puro fetiche, custando uma fortuna, segundo ele mesmo sem que elas tenham o valor pelo qual são vendidas.

Alguém apresenta isso pro Jeff Koons porque ele não deve ter pensado nisso antes:






Acho que o conceito de ARTE foi tão questionado no século XX que perderam a noção do que realmente é arte.
Se a arte não denota um determinado nível de excelência técnica e/ou conceitual e/ou estética realmente não sei mais o que devo classificar como ARTE.
Já começo a considerar tal termo até pejorativo diante disso.
« Última modificação: 06 de Fevereiro de 2010, 17:19:55 por LuizNdo »
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Resposta #101 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 17:59:33
Acho que o conceito de ARTE foi tão questionado no século XX que perderam a noção do que realmente é arte.
Se a arte não denota um determinado nível de excelência técnica e/ou conceitual e/ou estética realmente não sei mais o que devo classificar como ARTE.
Já começo a considerar tal termo até pejorativo diante disso.
2 coisas:

1. o significado da palavra "arte", é habilidade pra fazer alguma coisa. Desde cortar cabelo até construir foguete. Eu já ouvi de engenheiro que engenharia é arte. A gente ouve por ai que futebol é arte, tem também a arte do crime e por ai vai...

Mas claro que não estamos nos referindo a esse significado genérico de arte. Estamos falando de artes plásticas, correto?

Mesmo assim... e pra desenvolver aqui eu vou ter que partir duma pergunta: "pra quê fazer arte hoje em dia?" ou fechando um pouco --> "pra quê pintar, se existe a fotografia? Pra quê esculpir se existe o 3D?"

Bem pinta-se/grava-se/esculpe-se/etc. pois isso é fazer humano, é cultura. Claro que existem outras razões além disso, mas em suma, é por isso. Alguém vai, pensa, e faz uma obra. Não vou me aprofundar nisso mas é um ponto de partida.

2. Essa coisa de arte ser julgada pela habilidade técnica de quem a produziu, ou, pelo seu "teor estético", ficou no passado. Isso não quer dizer que questões como a fatura ou a virtuose tenham tornado-se obsoletas, nada disso, mas apenas que a habilidade técnica deixou de ser o "medidor" de qualidade. Não precisamos ir muito longe pra descobrir que muita gente consegue pintar muito bem hoje em dia, alguém vai dizer "basta treinar". Ou mesmo modelar/esculpir.

Mas isso não basta.

Na verdade (quase) nunca bastou.

Pense que mesmo antes do século XX muita gente tinha uma habilidade enorme pra arte, mesmo não tendo passado pra história como artistas relevantes. Na época do Tiziano, não era apenas ele que sabia pintar "certo", mas só o Tiziano fez o trabalho do Tiziano, e, o grande teor da obra não está apenas na superfície - aparência. Idem pro trabalho dos impressionistas, ou mesmo do Pollock, ou ainda do Henrique Oliveira pra trazer mais pro presente.

Hoje em dia fazer algo "bonito", "aceitável", esteticamente impecável é digamos assim, fácil.

Eu posso pegar e fazer um projeto de uma escultura do Obama, de bronze numa base de mármore. Se eu sou um artista com grana, pow, pego uns assistentes e boto pra esculpir o cara, depois mando fazer o molde, mando fundir e pronto. Isso é o que o Koons e outros tantos fazem, mesmo gente sem tanta grana. E vc vai lá ver, não tem nada fora do lugar, não tem rebarba, não tem nenhuma imperfeição. Mas não é por isso que o trabalho é interessante ou não, bom ou ruim.

Por isso que eu falei que é complicado fazer juízo de valor. Nem sempre a gente sabe qual é a intenção do artista, e intenção é a maior pista pra poder entender uma obra contemporânea. Às vezes, essa intenção cresce muito e vira discurso.
=========================
Eu vou falar (dã, escrever) uma coisa... eu sou artista plástico contemporâneo, eu faço arte contemporânea, sou o único que eu conheço que transita por foruns, comunidades e etc., e nós (os artistas) temos em geral um grande receio com as pessoas, pois de fato parece que os artistas são sempre vistos como os picaretas, os oportunistas, os muito loucos e por ai vai. Vejo muita gente criticando a arte contemporânea por não conseguir entender os trabalhos - não vou dizer "entender a arte" pois ai é abraçar o mundo, entender os trabalhos já tá bom demais. Gente que diz que a arte morreu e por ai vai... pra mim, é tudo muito estranho.

Mas enfim... muitas vezes eu me pergunto o que é arte. Normal. Eu e meus amigos artistinhas sempre temos piadinhas, como p/ex ir numa galeria de arte e ficar pensando que o extintor é obra. Esses dias eu fui numa exposição e tinha uma laje com água refletindo o céu, meu, era muito bonito, eu fiquei pensando que era um trabalho, mas não era... bem, era né, era obra dos pedreiros. Mas não tava no catálogo...
« Última modificação: 06 de Fevereiro de 2010, 18:01:42 por lsd »


rafaelfrota

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Resposta #102 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 18:34:11
Só umas observações, até porque o prório autor do tópico já disse ter afastado a questão de arte:

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o significado da palavra "arte", é habilidade pra fazer alguma coisa. Desde cortar cabelo até construir foguete. Eu já ouvi de engenheiro que engenharia é arte. A gente ouve por ai que futebol é arte, tem também a arte do crime e por ai vai...

É um pensamento correto. Arte tem, em sua etimologia o mesmo significado de técnica. Mas isso é só um lado da moeda, essa é uma análise classificativa, que engloba um aspecto geral. É como dizer que farinha + agua + forno = pão. Classificar assim não é relevante nem distingue nada. A ideia de arte cai no aspecto valorativo, ou seja, é como você comer aquele pão crocante por fora, macio por dentro, sem bromato, que acabou de ser assado e dizer: "isso sim é um pão".
Como é sabido, através da Gestalt, o todo é mais do que a soma das partes, logo, a arte não pode ser só a soma das partes, ou seja, somente a produção humana. Isso porque, pensando por aí, nada é arte. Há algo que a torna mais que isso, ou, como dito pelo filósofo Feijoo "o não sei o que".


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Essa coisa de arte ser julgada pela habilidade técnica de quem a produziu, ou, pelo seu "teor estético", ficou no passado. Isso não quer dizer que questões como a fatura ou a virtuose tenham tornado-se obsoletas, nada disso, mas apenas que a habilidade técnica deixou de ser o "medidor" de qualidade. Não precisamos ir muito longe pra descobrir que muita gente consegue pintar muito bem hoje em dia, alguém vai dizer "basta treinar". Ou mesmo modelar/esculpir.
Mas isso não basta.
Na verdade (quase) nunca bastou.

O problema das novas formas de arte é quando elas tendem a dizer que os que as precederam "ficaram no passado". A fatura sempre foi uma medida de qualidade até mesmo lógica para qualquer trabalho que se pressuponha plástico. A habilidade técnica sempre vai depor contra os embusteiros. O que deixo claro aqui é que habilidade técnica quer dizer saber resolver com maestria aquilo que foi proposto e não simplesmente copiar fotograficamente. Egon Schiele era um artista de vanguarda e nunca deixou de ter a mais absoluta maestria técnica em seus trabalhos. Muita gente que faz desenhos lambidos podem treinar a vida inteira que não vao saber desenhar como o Egon, embora, pra muita gente, o próprio sobrinho faça coisas melhores que aqueles garranchos.
Digo, ainda mais propriamente, na questão da gravura, que ainda é a mesma há milhares de anos e ainda se mede a qualidade pela capacidade de gravação.
Uma arte plástica tem por pressuposto ser essencialmente plástica. E existem milhares de métodos de se definir uma boa plástica. Assim como a música não é plástica, a arte plástica não é essencialmente discursiva. Pode até ser, mas que seja uma leitura posterior à propria plástica.


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Hoje em dia fazer algo "bonito", "aceitável", esteticamente impecável é digamos assim, fácil.

Se fosse tão fácil não teria tanta gente ruim fazendo arte.


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Por isso que eu falei que é complicado fazer juízo de valor. Nem sempre a gente sabe qual é a intenção do artista, e intenção é a maior pista pra poder entender uma obra contemporânea. Às vezes, essa intenção cresce muito e vira discurso.

Um trabalho plástico deveria ser autônomo. Se ele começa a depender do que o artista vai dizer, significa que o discurso está acima da plástica, logo, dá pra se perceber que não está no lugar certo. Se a obra é pra ser falada, de nada adianta ser plástica.


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eu sou artista plástico contemporâneo, eu faço arte contemporânea,

Bem, todos os artistas de hoje fazem arte contemporânea. O problema é saber qual tipo de arte contemporânea se faz.


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Resposta #103 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 22:23:00
Só umas observações, até porque o prório autor do tópico já disse ter afastado a questão de arte:

É um pensamento correto. Arte tem, em sua etimologia o mesmo significado de técnica. Mas isso é só um lado da moeda, essa é uma análise classificativa, que engloba um aspecto geral. É como dizer que farinha + agua + forno = pão. Classificar assim não é relevante nem distingue nada. A ideia de arte cai no aspecto valorativo, ou seja, é como você comer aquele pão crocante por fora, macio por dentro, sem bromato, que acabou de ser assado e dizer: "isso sim é um pão".
Sim no final da idade média a arte no ocidente passou a ter valor simbólico e não mais valor de uso.

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O problema das novas formas de arte é quando elas tendem a dizer que os que as precederam "ficaram no passado".
Calma, quando a gente fala que tal coisa ficou no passado, é por ter ficado lá mesmo. O problema não é dizer isso, mas sim insistir em anacronismos. Não dá pra pegar uma obra fora do seu contexto, tipo, querer pautar o que se fez na década de 1960 comparando superficialmente com o que se fez na França no século XVIII, chutando alto. Os paradigmas mudam. Não quero dizer que o que está no passado é melhor ou pior, só digo que está no passado.

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A fatura sempre foi uma medida de qualidade até mesmo lógica para qualquer trabalho que se pressuponha plástico. A habilidade técnica sempre vai depor contra os embusteiros.
Eu concordo em parte, mas, a história nos mostra artistas como Andy Warhol que não era lá um virtuosista em nada e fez um trabalho sensacional.

Mas de fato, os picaretas não se sustentam muito tempo - sejam eles habilidosos na parte artesanal da coisa, ou não.

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O que deixo claro aqui é que habilidade técnica quer dizer saber resolver com maestria aquilo que foi proposto e não simplesmente copiar fotograficamente.
Isso é um grande problema pra muita gente que estuda arte hoje em dia, especialmente pintura. Muita gente acaba caindo no erro de pensar que técnica é simplesmente fazer algo parecer perfeito. No meu entender, técnica envolve mais coisas.

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Se fosse tão fácil não teria tanta gente ruim fazendo arte.
Discordo. Se vc visitar exposições de formatura de escolas de arte, ou mesmo visitar exposições, vai ver muita gente habilidosa fazendo coisa ruim, gente sem habilidade fazendo coisas legais, gente habilidosa fazendo coisas interessantes, tem de tudo meu... não dá pra generalizar. Mas é fato que há muito tempo basta querer fazer pra fazer bem feito, acha-se fácil quem faça por vc.

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Um trabalho plástico deveria ser autônomo. Se ele começa a depender do que o artista vai dizer, significa que o discurso está acima da plástica, logo, dá pra se perceber que não está no lugar certo. Se a obra é pra ser falada, de nada adianta ser plástica.
Esse foi um dos principais problemas que causaram o esgotamento da arte conceitual no fim dos anos 1970. Mas creia que muita gente ainda acha que o discurso é mais válido que o trabalho.

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Bem, todos os artistas de hoje fazem arte contemporânea. O problema é saber qual tipo de arte contemporânea se faz.
Na minha assinatura tem um link pro meu portfolio. Embora eu nunca recomende a visita a ele, pois, de maneira alguma é a mesma coisa ver a obra ao vivo e ver na tela do PC, dá pra vc tirar alguma conclusão, se quiser.


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Resposta #104 Online: 06 de Fevereiro de 2010, 22:59:14
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Sim no final da idade média a arte no ocidente passou a ter valor simbólico e não mais valor de uso.
Na verdade o valor de uso mesmo foi relevante até um pouco depois do advento da fotografia. O que aconteceu foi um agregamento simbólico, mas o valor de uso não foi superado até "bem recentemente". Mas essa é uma questão secundária...
Vou me concentrar em alguns aspectos aqui:


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chutando alto. Os paradigmas mudam. Não quero dizer que o que está no passado é melhor ou pior, só digo que está no passado.

O expressionismo e o abstracionismo ainda são referências atualíssimas no contexto da arte contemporânea. Há que se avaliar bem essa questão de "ficar no passado" para que não corra o risco de parecer "ultrapassável". Embora discorde em alguns pontos, entendo a visão que você está colocando.


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Discordo. Se vc visitar exposições de formatura de escolas de arte, ou mesmo visitar exposições, vai ver muita gente habilidosa fazendo coisa ruim, gente sem habilidade fazendo coisas legais, gente habilidosa fazendo coisas interessantes, tem de tudo meu... não dá pra generalizar. Mas é fato que há muito tempo basta querer fazer pra fazer bem feito, acha-se fácil quem faça por vc.

O que eu coloquei é "tanta gente fazendo", não fui generalista. Conheço vários artistas contemporâneos que eu venderia minha alma para ter um trabalho tão bom. O que disse é que existe muita gente ruim na área. Já frequentei algumas exposições na vida, acho que dá pra enxergar bem o panorama  :hysterical:

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Na minha assinatura tem um link pro meu portfolio. Embora eu nunca recomende a visita a ele, pois, de maneira alguma é a mesma coisa ver a obra ao vivo e ver na tela do PC, dá pra vc tirar alguma conclusão, se quiser.

O que eu tentei expressar e não consegui não era sobre seu trabalho em específico. O que eu quis dizer é que qualquer artista hoje faz arte contemporânea, porque pertencem a mesma época. Dentro da arte contemporânea, uns são figurativos, outros abstratos,  outros conceituais...fazer arte contemporânea hoje não quer dizer absolutamente nada, há de se julgar que tipo de trabalho está inserido em que contexto.